Ilha de Aenaria, na Itália.
Alamy via BBC
Há quase 2 mil anos, uma erupção vulcânica afundou Aenaria em Ísquia, uma ilha vulcânica no Mar Tirreno, localizada na região da Campânia, na Itália. Hoje, novas escavações subaquáticas estão revelando a sua fascinante história.
“Você está bem. Só não olhe para baixo.”
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Prendo a respiração, seguro a mão estendida do capitão e entro no barco. As ondas brilham sob meus pés; a única coisa que me separa do mar é uma lâmina de vidro.
Ao zarparmos, a vasta Baía de Cartaromana se abre diante de nós.
Penhascos emergem das ondas; turistas e moradores locais tomam sol na ponte que leva ao Castelo Aragonês, um forte medieval de 2,5 mil anos construído sobre uma ilhota que se une à ilha como a cauda de uma baleia.
Após apenas 10 minutos no mar, chegamos a uma rede de boias que marcam a área onde as ruínas estão localizadas.
Pressiono as mãos contra o fundo transparente do barco. Através da água azul-turquesa, em meio a pequenos peixes listrados, vejo uma pilha de pedras.
À medida que a vegetação subaquática recua, vejo que as pedras estão dispostas em um retângulo alongado, com as laterais revestidas com tábuas de madeira.
É o cais de uma cidade antiga, enterrada e perfeitamente preservada na escuridão por séculos.
É a Roma antiga, e está tão perto que quase se pode tocá-la.
A erupção
Ilha de Aenaria, na Itália.
Getty Images via BBC
Estou na ilha italiana de Ísquia, onde, por volta do ano 180, o vulcão Cretaius entrou em erupção, e as ondas de choque resultantes fizeram submergir a cidade portuária romana de Aenaria.
Pelo menos, é o que os arqueólogos acreditam.
Ao contrário da erupção do Monte Vesúvio no ano de 79 — documentada por Plínio, o Jovem, horas antes de devastar Pompeia —, não há registros da explosão e muito pouco foi escrito sobre o evento.
Por quase 2 mil anos, também não houve vestígios físicos dela. As ruínas permaneceram submersas na Baía de Cartaromana, escondidas por séculos sob camadas de sedimentos e material vulcânico.
Os primeiros sinais de sua existência datam de 1972, quando dois mergulhadores encontraram fragmentos de cerâmica da era romana e dois lingotes de chumbo na costa leste de Ísquia.
A descoberta intrigou os arqueólogos, mas a investigação subsequente, liderada pelo padre local Don Pietro Monti e pelo arqueólogo Giorgio Buchner, não produziu resultados.
As autoridades isolaram a baía. O caso permaneceu sem solução por quase 40 anos.
Em 2011, velejadores locais apaixonados retomaram a exploração, desta vez escavando no fundo do mar.
Eles confirmaram que, dois metros abaixo do leito vulcânico da baía, encontravam-se as ruínas de um enorme píer da era romana. Escavações seguintes revelaram moedas, ânforas, mosaicos, vilas costeiras e os restos de madeira de um navio.
Durante séculos, a existência de Aenaria ficou no meio do caminho entre a história e o mito. Hoje, sua redescoberta está transformando a história de Ísquia e oferece aos viajantes, a cada verão, a rara oportunidade de mergulhar em uma parte da história que se pensava estar perdida no mar.
Passado inquietante
As ruínas de Aenaria ficaram enterradas no mar por quase 2 mil anos, preservadas sob sedimentos vulcânicos.
Alessandra Benini via BBC
Até onde se sabia, o DNA de Ísquia era grego.
A ilha era famosa por ser o local da primeira colônia grega na península Itálica, estabelecida por volta de 750 a.C. no norte da ilha.
Os gregos a chamavam de Pithecusae e usavam os poderes curativos de suas fontes termais vulcânicas em seus primeiros spas.
Hoje, com sua beleza exuberante, atmosfera relaxante e reverenciada cultura de spa, Ísquia é o principal retiro de bem-estar da Itália, apesar de estar localizada no topo do supervulcão dos Campos Flégreos.
Mas é precisamente essa geologia vulcânica volátil que moldou as paisagens verdes e as praias selvagens da ilha.
É também o que os arqueólogos há muito presumiam ter impedido os romanos de se estabelecerem aqui permanentemente.
Quando os romanos capturaram Pithecusae, por volta de 322 a.C., eles rebatizaram a ilha de Aenaria — um nome que aparece em textos antigos, de Plínio, o Velho a Estrabão, frequentemente em conexão com eventos militares.
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Mas, ao contrário dos gregos, que deixaram para trás uma necrópole, fornos e tesouros de cerâmica, os romanos deixaram apenas alguns túmulos modestos, esculturas e opus reticulatum espalhados — uma técnica de construção romana que envolvia a colocação de blocos sobre um núcleo de concreto em um padrão cruzado.
Estudiosos teorizaram que os romanos chegaram à ilha, mas nunca a colonizaram de fato, talvez por causa de seus constantes estrondos vulcânicos.
“O nome foi documentado”, concorda o morador local Giulio Lauro. “Mas ninguém conseguiu encontrar o sítio.”
Arqueólogos procuravam a Ísquia romana no continente, mas ela estava soterrada pelo mar.
Redescobrimento moderno
Ânforas, moedas, lamparinas a óleo e muitos outros objetos do cotidiano foram recuperados das ruínas.
Eva Sandoval/BBC
Lauro é o fundador da Marina di Sant’Anna, o braço cultural da cooperativa de turismo marítimo Ischia Barche.
Juntamente com vários grupos culturais afiliados — formados por marinheiros locais, apaixonados por história e arqueólogos —, eles têm financiado as escavações por conta própria nos últimos 15 anos.
Lauro rapidamente esclarece que não é cientista.
“Mas eu amo o mar”, diz ele. “Em 2010, me ocorreu explorar novamente… As pessoas diziam que talvez houvesse algo lá, porque artefatos foram encontrados na década de 1970. Pensei: por que não tentar?”
O plano era lançar excursões subaquáticas “para criar uma atração cultural”, diz Alessandra Benini, arqueóloga líder do projeto. “[Então] surgiu o pensamento: ‘Vamos ver se realmente existe uma história mais profunda em nossa ilha.'”
Houve desafios, lembra Lauro: “Obter autorizações, treinar pessoal, garantir financiamento. Começamos do zero. Tivemos a sorte de acreditar. E então, de encontrar.”
Finalmente, a narrativa pôde ser reescrita.
“Acreditava-se que os romanos nunca haviam construído uma cidade em Ísquia”, diz Benini. “Foi exatamente o oposto.”
Aenaria voltou do mar
A arqueóloga Maria Lauro afirma que escavações mais conhecidas, como Herculano e Pompeia, recebem mais dinheiro.
Getty Images via BBC
Todos os dias, na Baía de Cartaromana, banhistas mergulham das rochas e veleiros balançam nas ondas. Será que eles sequer sabem o que existe no fundo do mar?
“A maioria dos moradores sabe, graças aos arqueólogos”, diz a guia turística local Marianna Polverino. “Mas poucos visitantes sabem da existência de Aenaria ou que ela pode ser visitada.”
Todo verão, Benini e sua equipe escavam o fundo do mar. O progresso é lento devido à constante escassez de recursos. “Eles investem em Herculano e em Pompeia”, comenta a arqueóloga consultora Maria Lauro. Devido à turbulência sazonal do oceano, as equipes só podem operar de maio a outubro.
Durante os meses de atividade no sítio, os curiosos podem fazer passeios em barcos com fundo de vidro ou mergulhar para se aproximar ainda mais das ruínas.
“Você pode ver os arqueólogos subaquáticos trabalhando, os equipamentos que eles usam e tudo relacionado a isso”, diz Benini.
Todos os passeios começam com uma projeção de vídeo 3D no pequeno auditório da cooperativa, onde artefatos do sítio arqueológico são exibidos sob um piso de vidro, dispostos sobre uma camada de areia que evoca o fundo do mar.
Quando visito o lugar, eu caminho sobre ânforas, lamparinas a óleo e opus spicatum, que são azulejos dispostos em padrão espinha de peixe “típicos das antigas lojas romanas”, diz Benini.
O vídeo exibido, que mostra um submarino chegando a uma Aenaria reconstruída digitalmente, é feito para crianças. Mesmo assim, eu fico fascinada.
O píer segue pelo litoral. Logo além, encontra-se uma resplandecente cidade romana com ruas de paralelepípedos e edifícios com colunas.
Acho que, durante a erupção, há quase 2 mil anos, alguém — talvez um soldado romano — pode ter ficado apavorado ao ver aquele enorme píer ruir sob seus pés.
Benini tem sua própria visão daquele dia fatídico.
“Poderia ter havido uma onda semelhante a um tsunami, ou talvez um terremoto, que arrasou as estruturas e arrastou tudo para o mar”, diz ela. “É essa a imagem que temos em mente.”
Reescrevendo a história antiga
Os passeios por Aenaria começam com um vídeo que mostra uma reconstrução em 3D da cidade portuária.
Alessandra Benini via BBC
A cada verão, vai ficando mais clara a imagem de Aenaria, embora persista alguma confusão sobre a verdadeira identidade do antigo assentamento.
As ruínas seriam uma cidade?
“[O nome] Aenaria referia-se à ilha como um todo. Portanto, não é que não tenhamos encontrado a Aenaria mencionada pelos antigos: Aenaria é Ísquia, isso é inquestionável”, explica Benini.
“Encontramos um assentamento da era romana com um porto bem conectado a todo o Mediterrâneo e, presumivelmente, com uma área habitada além dele.”
O uso da datação por radiocarbono ajudou a estabelecer a idade das estacas de madeira do píer aproximadamente entre os anos 30 e 75.
A descoberta do naufrágio em 2020 revelou equipamentos navais, como um poste de amarração de bronze em forma de cabeça de cisne — típico de embarcações militares romanas —, bem como objetos como estilingues de chumbo, sugerindo que Aenaria pode ter sido um posto militar importante que controlava o Golfo de Nápoles.
As ânforas recuperadas também sugerem o amplo alcance de Aenaria: as 142 variantes de argila provêm de 12 áreas de produção mediterrâneas, que se estendem da Campânia ao Levante.
As análises mais recentes mostraram que o chumbo no sítio arqueológico veio da Espanha, revelando em maior profundidade a rede intercultural de Aenaria.
“Provavelmente também havia uma pequena vila perto [do porto]”, diz Benini.
“Encontramos milhares de mosaicos, azulejos, pentes de madeira para cabelo, agulhas para remendar redes, gesso decorado… Esses objetos não estão relacionados apenas à navegação ou ao comércio. Eles sugerem que havia uma área residencial.”
Desde as escavações iniciais, duas vilas costeiras foram descobertas com grandes galerias em forma de túnel, alcovas e vestígios de banhos romanos.
“As ruínas de Aenaria oferecem um vislumbre da vida dos antigos habitantes da ilha”, diz Polverino.
Era verdadeiramente o centro do comércio mediterrâneo. É fácil entender a importância que Ísquia já teve e ainda tem, sem nunca esquecer a história que a sustenta.
Olhando para o futuro
Todo verão, arqueólogos escavam o fundo do mar de Ísquia e aprendem mais sobre a história da ilha.
Alessandra Benini via BBC
Pergunto a Benini o que ela espera encontrar neste verão.
“Meu sonho é encontrar as fundações da cidade residencial”, diz ele. “Se encontrarmos o porto, saberemos que havia uma cidade.”
A equipe espera introduzir equipamentos mais avançados nas escavações. “Mas é caro. Precisamos de mais investidores”, enfatiza Benini.
Tirando o financiamento, o verdadeiro desafio para os envolvidos sempre foi alcançar um público mais amplo.
“Estamos compartilhando uma parte da história de Ísquia que, até agora, estava faltando”, diz Benini.
“O que encontramos está 99% debaixo d’água. É como Pompeia: até ser escavada no século 18, ninguém sabia que ela estava lá. Mas isso não significa que não fosse importante ou que não existisse”, continua.
“Reescrevemos a história”, acrescenta Lauro. “Desistiram de encontrar qualquer coisa na baía. Mas nós encontramos algo.”