Constrangido por Claudia Raia em teatro, homem com deficiência visual diz que acessibilidade ainda está na ‘bolha’


Rodolfo Cadamuro, de São Paulo, foi constrangido durante peça com a atriz Claudia Raia enquanto usava recurso de audiodescrição
Arquivo Pessoal/Arquivo g1 – Celso Tavares
Após ser constrangido pela atriz Claudia Raia enquanto usava o recurso de audiodescrição durante a peça “Cenas da Menopausa”, em um teatro de São Paulo, Rodolfo Cadamuro, de 32 anos, relatou o episódio ao g1. Ele afirmou que a situação serviu para mostrar o quanto é importante falar mais sobre acessibilidade, inclusão e direitos das pessoas com deficiência em diversas áreas no Brasil.
“Percebi que nós, eu e minha esposa, falamos muito sobre acessibilidade no nosso perfil @pop.cornea no Instagram e no TikTok. Seguimos também perfis que abordam o tema, mas a gente está numa bolha. Quando vamos para um público mais amplo, ainda falta saber o básico. As pessoas não têm noção do que é. Muitas vezes não é preconceito, não é má intenção, é que as pessoas realmente nem sabem como funciona”, afirmou Rodolfo.
“A audiodescrição, por exemplo, funciona com um celular ou um transmissor em que você usa fones de ouvido. As pessoas não sabem que o fone é o veículo que permite o acesso à peça. Tem gente até que confunde audiodescrição com ‘autodescrição’.”
🔍A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que narra elementos visuais, como cenários, ações, expressões e figurinos para tornar conteúdos de filmes, peças e eventos compreensíveis a pessoas cegas ou com baixa visão.
O constrangimento de Rodolfo, que viralizou nas redes sociais, ocorreu em 13 de setembro. Ele, que tem baixa visão, tinha sido convidado para testar o recurso e seria sua primeira vez a usá-lo em um teatro .
Mas no decorrer da peça, durante a interação com o público, Claudia Raia apontou para Rodolfo e pediu que ele retirasse os fones, sem saber que estava utilizando o recurso de audiodescrição. Ele estava acompanhado da esposa, Monique Scisci.
Depois de ser informada de que se tratava de uma pessoa com deficiência visual, a atriz pediu desculpas para o casal e fez uma retratação pública em seu Instagram (veja mais abaixo).
“Era minha primeira vez usando esse recurso de audiodescrição no teatro. Geralmente quem faz [a audiodescrição] para mim é minha esposa, que me ajuda nos teatros, no cinema. Fiquei em choque quando ela apontou para mim e na hora não foi legal. Mas ela aceitou dialogar com a gente. Mandou um áudio no dia seguinte para nós, pedindo desculpas. E desculpas superaceitas. Foram desculpas genuínas. Vamos levar para frente agora, e sem rancor. Vamos transformar isso numa coisa boa e dar visibilidade para o tema”, afirmou Rodolfo.
Monique complementou: “Não tem problema a pessoa errar. Errar faz parte do processo de aprendizagem. Então, a pessoa erra, reconhece, aprende e não erra mais. Tem que reconhecer e, no caso dela, por ser uma pessoa pública, além de não errar mais, é ainda trazer consciência e dar voz para esta causa. E se a gente deixa as pessoas com medo de errar, a gente afasta as pessoas da causa”.
Rodolfo Cadamuro mostrando o recurso de audiodescrição no teatro
Arquivo Pessoal
Vida ativa para inspirar
Rodolfo contou ao g1 que nasceu com catarata nos dois olhos e recebeu o diagnóstico de glaucoma aos 9 meses. Passou por 19 cirurgias e quatro transplantes de córnea, o que o deixou com 5% de visão no olho direito e 30% no esquerdo.
Mesmo com a condição, não desistiu de estudar e trabalhar. Formou-se em Relações Internacionais na Unesp de Franca, fez pós-graduação e trabalha atualmente no mercado financeiro.
“Sempre fui bem ativo, mas meus pais também me estimularam bastante na infância. Eu andava de bicicleta, caía, voltava para casa e ia de novo. Frequentei uma ONG em Ribeirão Preto, a ADVIRP, Associação de Deficientes Visuais de Ribeirão Preto, que faz um trabalho maravilhoso. Estudei e fui para o mercado de trabalho.”
“Mas sempre fui a pessoa que ia abrindo caminhos. Na escola não tinha material ampliado. Eu e minha mãe tivemos que brigar para a escola fornecer. Na faculdade, a mesma coisa”, ressaltou.
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Rodolfo e a esposa Monique moram em São Paulo e falam sobre acessibilidade nas redes sociais
Arquivo Pessoal
A esposa, Monique Scisci, tem 36 anos, trabalha com empreendedorismo e tenta ser ativa, apesar das limitações impostas por uma patologia óssea rara que faz com que ela tenha dificuldade de locomoção.
“Essa síndrome afeta os músculos e aí eu tenho dificuldade de caminhar, subir escada, carregar peso. Eu e o Rodolfo nos complementamos. Ele me ajuda, e eu o ajudo fazendo audiodescrições no teatro, no cinema e em tudo que ele precisa”, afirmou.
Foi por isso que os dois tiveram a ideia de criar em 2023 o perfil Popcórnea nas redes sociais, para mostrar o cotidiano e ampliar a discussão sobre acessibilidade.
“Quando nos casamos, muitas pessoas vieram falar que nossa história ela linda, inspiradora e precisava ser compartilhada. Então, tivemos a ideia do perfil. Acho que essa abordagem de mostrar o cotidiano funcionando e também a gente se complementando dialoga com todo mundo. Acho que fez o canal ir crescendo, sabe? E levamos os temas de forma leve, com humor, porque é o nosso perfil. A gente é crítico quando precisa, mas nunca atacando.”
Rodolfo enfatiza que é importante mostrar que as pessoas com deficiência têm o direito de estar em todos os espaços, seja no mercado de trabalho ou no lazer.
“Nós temos que ocupar todos os espaços, sim. Recebi muitas mensagens de pessoas que falam que não saem de casa pelas dificuldades. Hoje somos quase 8 milhões no Brasil com deficiência visual. E a gente percebe que quem se interessa pelo tema tem uma deficiência ou tem alguém na família ou um amigo muito próximo. Se é uma pessoa que não convive, ela não tem interesse. E temos que levar o tema para todos”, ressaltou.
O que disse Claudia Raia
Claudia Raia se retrata com espectador de baixa visão que se sentiu constrangido durante peça ‘Cenas da menopausa’
Reprodução/Instagram
Após o caso envolvendo Rodolfo, Claudia publicou vídeo nas redes sociais pedindo desculpas pelo que houve.
“Ontem aconteceu um mal-entendido muito chato na sessão da ‘Cenas da Menopausa’. Um espectador portador de deficiência com baixa acuidade visual, o querido Rodolfo, estava usando o recurso de audiodescrição pelo aplicativo, mas eu não fui avisada de que esse sistema estava funcionando. Por isso acabei entendendo errado a situação toda, e eu chamei a atenção dele”, afirmou.
“Já falei com o Rodolfo, e com a Monique, e os convidei para voltarem em outra sessão junto de amigos para que sejam recebidos com todo o carinho, como eu trato o meu público. Eu quero me reparar, de coração, com o Rodolfo.”
A atriz ainda disse que combinou de usar a situação para lembrar a todos que a audiodescrição é um recurso cada vez mais moderno e necessário de acessibilidade. “Precisamos trazer esse assunto à tona sempre que possível”, finalizou a atriz.
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Rodolfo e a esposa Monique moram em São Paulo e falam sobre acessibilidade nas redes sociais
Arquivo Pessoal
Rodolfo Cadamuro, morador de São Paulo, foi diagnosticado com glaucoma aos 9 meses e passou por 19 cirurgias
Arquivo Pessoal

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