Mãe de ciclista atropelada e morta por juiz aposentado em Araçatuba faz aniversário e desabafa em carta: ‘Não tenho mais alegria’


Trecho da carta escrita pela mãe de Thais Bonatti em Araçatuba (SP)
Arquivo Pessoal
A mãe da ciclista que morreu após ser atropelada por um juiz aposentado, em Araçatuba (SP), completou 74 anos na quinta-feira (18) e escreveu uma carta para manifestar a revolta e a dor da perda da filha.
O acidente ocorreu no dia 24 de julho. Thaís Bonatti, de 30 anos, estava indo trabalhar quando foi atropelada na rotatória da Avenida Waldemar Alves pelo juiz Fernando Augusto Fontes Rodrigues Júnior, de 61 anos.
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Segundo a polícia, Fernando estava sob efeito de álcool e com uma garota de programa no colo, quando atingiu a jovem. Ele foi preso em flagrante, mas solto no dia seguinte após audiência de custódia e pagamento de fiança de R$ 40 mil.
A carta, enviada à reportagem do g1, foi escrita por Clarice Bonatti de Andrade em um dia que, para ela, seria de celebrar a vida. A mãe usou as próprias palavras para registrar que não se conforma com a partida repentina da filha.
“Hoje é o meu aniversário, é um dos piores dias da minha vida porque a minha filha Thaís disse para mim: ‘Mãe, no aniversário da Senhora, eu vou fazer um bolo, vou chamar a família e nós vamos almoçar fora e cortar o bolo para a Senhora’. Se fosse uma doença, eu de certa forma me conformava, mas não foi uma doença, foi um acidente grave e causado por um cidadão, conhecedor da lei, que tirou ela de mim”, revela na carta.
Melancolia, nostalgia e saudade também estão presentes na carta, na qual a mãe revela os momentos de dores vividos, não somente por ela, mas por aqueles que conheciam a jovem.
“Eu não tenho mais alegria, acabou, hoje você é a estrelinha que mais brilha no céu, e que pede justiça pelo que te aconteceu. Você ainda tinha muito o que viver. Aí de cima ajuda nós a seguir em frente porque não está nada fácil para mim e para os seus verdadeiros amigos. Te amamos muito, minha filha. Para sempre será a nossa eterna menina sonhadora”, conta.
O atropelamento ocorreu depois que o juiz aposentado saiu de uma boate, com a garota de programa, onde fez o consumo de bebida alcoólica. Em depoimento à polícia, ele disse que tomou duas cervejas.
Trecho da carta escrita pela mãe de Thais Bonatti em Araçatuba (SP)
Arquivo Pessoal
Testemunhas do caso
A Polícia Civil de Araçatuba ouviu, no dia 13 de agosto, novas testemunhas do atropelamento. Duas pessoas que trabalham em um supermercado próximo ao local da ocorrência prestaram depoimento.
Uma delas confirmou à polícia que a garota de programa estava com as mãos no volante quando a ciclista foi atingida pela caminhonete de Fernando. A outra testemunha informou que a mulher estava nua, e o juiz aposentado estava com a braguilha da calça aberta e com cinto solto.
Um motorista de aplicativo, um Policial Militar que atendeu a ocorrência e o dono da boate também foram ouvidos durante as investigações.
Fernando e a garota de programa participaram da reconstituição do atropelamento no dia 6 de agosto.
Imagens inéditas mostram atropelamento de ciclista por juiz em Araçatuba (SP)
Imagem que foi registrada da mulher nua de costas para o para-brisa do carro que o juiz aposentado dirigia enquanto ela estava no colo dele
Arquivo pessoal
Versão da garota de programa
Conforme consta no inquérito policial, a garota de programa disse que, quando saíram da boate, foi até a caminhonete com Fernando Rodrigues Junior. Ao notar que ele estava alterado, propôs assumir a direção, mas foi impedida pelo juiz. No momento em que ela tentou trocar de lugar com ele, o juiz atropelou a ciclista. Em seguida, ambos desceram da caminhonete.
Juiz assume que bebeu
Em depoimento, Fernando alegou que bebeu duas cervejas antes de assumir a direção da caminhonete. No Brasil, a Lei Seca, regulamentada pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), é de tolerância zero e estabelece penalidades para motoristas que dirigem sob a influência de álcool ou outras substâncias psicoativas, como detenção, multa e suspensão da CNH.
Inicialmente, a ocorrência foi registrada como lesão corporal culposa e, com a morte de Thaís, passou a ser investigada como homicídio culposo – sem intenção de matar – na direção do veículo automotor.
Depois de ter a liberdade concedida pela Justiça, o juiz teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa. Ele também ficou proibido de sair da cidade sem aviso e autorização prévios. Além disso, não pode frequentar casas noturnas.
Morte da ciclista
Thais Bonatti estava indo para o trabalho de bicicleta, quando foi atingida pelo carro na contramão.
Reprodução
Thais morreu após ficar dois dias internada em estado grave na Santa Casa de Araçatuba. O corpo foi sepultado na tarde de 26 de julho. A família da ciclista pede justiça.
A ciclista não resistiu aos graves ferimentos após passar por duas cirurgias. Conforme os familiares, Thais era auxiliar de cozinha e trabalhava em mais de um emprego para contribuir com as despesas de casa e também para realizar seus próprios sonhos.
Imagens de câmeras de segurança obtidas pela TV TEM mostram que o juiz cometeu imprudências antes de atropelar Thaís. Em uma delas, Fernando quase atinge um ciclista ao sair da boate.
Em outro vídeo, é possível ver que a caminhonete entra na contramão e, depois, para por alguns segundos. Testemunhas afirmam que naquele momento a mulher sentou no colo do juiz.
Depois, o veículo atropelou Thaís. Imagens ainda mostram a caminhonete acelerando e passando por cima da bicicleta. A perícia apontou que não havia sinais de frenagem, ou seja, de acordo com o laudo, o juiz não tentou frear antes da batida. Assista ao vídeo acima.
O que diz a defesa do juiz
Thaís Bonatti (à esquerda) e juiz aposentado, Fernando Augusto Rodrigues Junior (à direita); envolvidos em caso de atropelamento em Araçatuba (SP)
Arquivo pessoal
Em nota enviada à TV TEM pela defesa, o juiz Fernando Rodrigues Junior lamentou a morte da ciclista e informou que oferece apoio à família. Leia abaixo a íntegra da manifestação:
“A família de Dr. Fernando manifesta profundo pesar e solidariedade à família da vítima, reafirmando o respeito absoluto à dor e ao luto. Desde o ocorrido, está oferecendo apoio à família da vítima. Em razão do sigilo decretado no inquérito, ele está legalmente impedido de conceder entrevistas ou se manifestar publicamente. A defesa reforça que esse silêncio é um dever jurídico, mas também um gesto de respeito.”
Fernando é advogado inscrito na OAB de São Paulo. É juiz de direito aposentado e, atualmente, está habilitado para atuar como advogado em todo o território nacional, com exceção da comarca de Araçatuba, onde atuava na 1ª Vara Cível.
* Colaborou sob supervisão de Henrique Souza
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