Por que marcas de varejo europeias são mais caras no Brasil?
Reuters
No final de agosto, a varejista de roupas H&M estreou no mercado brasileiro com a promessa de oferecer aos consumidores “moda de qualidade por um preço acessível”. Brasileiros já acostumados a consumir produtos da marca em outros países, no entanto, notaram que as peças chegaram a preços mais elevados do que aqueles a que estão habituados.
É o que aponta também um relatório publicado pelo Banco BTG Pactual sobre as primeiras semanas de operações da marca sueca no mercado nacional: comparadas a uma cesta de oito produtos de varejistas locais, as peças da H&M estão pelo menos 40% mais caras – embora 28% mais baratas que as de sua principal concorrente no Brasil, a espanhola Zara.
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“O que a gente viu até agora é que H&M fica no meio do caminho [entre a Zara e outras varejistas brasileiras], e isso é proposital”, explica Luiz Guanais, um dos especialistas do BTG Pactual que assinam o relatório preliminar de operações da H&M no Brasil.
“É como se a marca estivesse tentando desenvolver uma moda mais aspiracional, mas com um nível de preço maior que os players locais”, acrescenta.
O relatório sugere que os preços da H&M ainda podem mudar significativamente nos próximos meses, mas seus resultados levantam o questionamento: por que o preço de marcas consideradas mais baratas fora do Brasil sobe tanto quando elas chegam ao país?
‘Índice Zara’ e diferenças de preços
Guanais aponta três possíveis fatores:
a carga tributária brasileira;
o custo logístico e operacional das marcas em um país de dimensões continentais como o Brasil;
e a competitividade do mercado nacional.
Um tripé que recebe o nome de “Custo Brasil”.
O especialista do BTG Pactual assina também outro relatório que ajuda a compreender melhor essa questão: o “índice Zara”, em alusão à marca espanhola. Desde 2014, o banco avalia os preços de uma cesta de produtos da marca em 54 mercados onde ela opera e os compara com os preços da Zara nos EUA.
Os resultados de 2025 levam em consideração as operações da Zara em 2024 e demonstraram que, em média, os preços da marca espanhola no Brasil estão cerca de 7% mais baratos em comparação ao mercado americano. Contudo, ao serem ajustados ao poder de compra nos países, o consumidor brasileiro paga um preço cerca de 135% mais pela mesma peça da Zara vendida nos EUA.
“A diferença é que o nível de renda aqui no Brasil é menor do que nos Estados Unidos. Então, para um consumidor brasileiro, é muito mais difícil comprar esse tipo de produto do que para um consumidor americano, que tem uma renda média maior”, explica o analista.
Esses fatores, segundo Guanais, levam marcas como a Zara a se posicionarem no mercado brasileiro como high end, ou seja, uma marca que oferece produtos e serviços mais exclusivos, se distanciando da imagem de varejista que a Zara tem na Europa.
O relatório de 2025 aponta também que os preços da Zara no Brasil diminuíram em relação à amostragem anterior, embora o país ainda seja um dos lugares mais caros para se comprar da marca no mundo. Ao mesmo tempo, é possível perceber que o preço de outras varejistas brasileiras subiu, uma reação à alta da inflação e ao aumento da demanda por vestuário após a pandemia. “Mas o gap ainda é alto”, destaca.
O “Custo Brasil” entra inclusive no preço de varejistas nacionais, mas Guanais explica que as marcas brasileiras conseguiram desenvolver uma cadeia produtiva e de fornecedores nacional tão competitiva quanto no exterior.
Marcas europeias como Zara e H&M costumam alocar suas produções para outros países, especialmente no Sudeste Asiático, o que também influencia os preços praticados por conta dos impostos de importação e da necessidade de produzir peças antecipadamente. A H&M, por exemplo, já produz em território brasileiro calçados e biquínis, pontua o especialista do BTG Pactual.
Fast Fashion e ‘luxo acessível’
A professora do curso de design moda da Universidade Federal do Ceará (UFC) Syomara Duarte destaca também fatores geográficos e sazonais para a diferença de preços: porque as estações do ano são diferentes, as coleções da Zara lançadas no Hemisfério Norte costumavam ser lançadas com atraso no Hemisfério Sul, e a preços mais altos.
“De uns 10 anos para cá, essa diferença diminuiu. Acho que foi por uma exigência do público brasileiro, mesmo porque nós temos uma produção própria muito significativa, e isso fez com que a marca [Zara] trouxesse coleções e preços em maior equilíbrio com os lançamentos da Europa”, argumenta.
Essa necessidade está no cerne do chamado fast fashion, moda produzida em larga escala com o intuito de suprir as demandas imediatas do consumidor e obter grandes margens de lucro. As peças passam então a ser descartáveis assim que uma nova coleção surge – a chamada obsolescência programada. “H&M e Zara são fast fashion”, crava Syomara.
A professora também chama atenção para o marketing das marcas. A Zara se posiciona como uma marca de “luxo acessível” no Brasil, mas as lojas brasileiras são bem mais simples que as europeias.
“Existem prédios históricos em Madrid e em Lisboa, que são utilizados para lojas da Zara, onde eles montam cafés e usam várias estratégias para se aproximar do consumidor que tem real acesso ao produto. Talvez, se essas lojas mais luxuosas chegassem aqui, o público ficaria inibido de entrar num prédio histórico com uma loja Zara. Porque teria a ideia de que seria um produto muito luxuoso e de difícil acesso”, pondera Syomara.
A H&M, por sua vez, abriu sua primeira loja em um shopping de São Paulo com shows da sul-africana Tyla, Gilberto Gil e Anitta – um movimento estratégico para chamar atenção dos jovens, na opinião da professora da UFC.
Em que prestar atenção
Syomara destaca que a indústria têxtil nacional é de alta qualidade e por isso o consumidor brasileiro deve prestar atenção justamente à qualidade das peças de marcas estrangeiras: o acabamento, o caimento, a modelagem e o tipo de tecido devem ser adequados às necessidades do consumidor.
“Se você vai consumir uma peça, esse produto tem um alto preço e é completamente sintético, que valor tem esse produto se você vai usar num calor de 30 ou 33 graus?”, questiona.
A transparência das marcas também entra em cheque na hora de escolher onde comprar. Syomara afirma que nem sempre o consumidor tem acesso às tributações e acordos fiscais que influenciam o preço das roupas.
Já Bárbara Poerner, consultora do Instituto Febre, destaca a necessidade de cobrar iniciativas e atitudes mais sustentáveis das marcas, embora pondere que nem sempre isso seja possível por falta de mecanismos de transparência.
“A gente não consegue nem ter mecanismos de cobrança, quem dirá saber minimamente o que as marcas estão fazendo, onde elas estão produzindo, qual é o tipo de material mais utilizado, de onde vem, por exemplo, esse algodão que elas estão utilizando, como são as condições dos trabalhadores”, explica.
Poerner também atuou no Movimento Fashion Revolution que elabora um ranking global de transparência das marcas, considerando a quantidade de informações públicas que elas disponibilizam sobre os direitos humanos e trabalhistas de seus funcionários, bem como iniciativas sustentáveis nas suas cadeias produtivas e logísticas.
Zara e H&M estavam entre as 250 marcas analisadas no último relatório de 2023 cujos resultados positivos foram significativos – mas ainda há muito o que fazer para melhorar. Inclusive no preço.
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