Crescem os casos graves de intoxicação por bebidas contaminadas com metanol em São Paulo
Um áudio enviado pelo jovem Rafael Anjos Martins, de 28 anos, revela os primeiros sinais da intoxicação que o deixou em coma.
“Tá tudo rodando, parece que tô com a pressão baixa, sei lá”, disse a uma amiga ao acordar depois de consumir bebidas alcoólicas compradas em uma adega em São Paulo.
O jovem permanece internado desde 1º de setembro, após exames confirmarem intoxicação por metanol, substância altamente tóxica que pode causar falência múltipla de órgãos e lesões irreversíveis no cérebro e na visão.
O episódio começou após uma noite de festa com amigos, incluindo gin tônica e caipirinhas, no último sábado de agosto.
Amigo de Rafael, o auxiliar de produção Diogo Marque de Sousa contou que compraram as bebidas em uma adega próxima à casa dele e não desconfiaram de qualquer irregularidade.
Horas depois, Rafael e uma das amigas começaram a se sentir mal, apresentando sintomas como dor de cabeça intensa, confusão mental e problemas de visão.
“Eu acordei desesperado porque abri o olho e não estava enxergando nada, tudo preto e uma dor de cabeça muito forte”, relatou Diogo.
Rafael foi levado imediatamente ao hospital, onde passou por procedimentos para remoção da toxina do sangue, mas os danos já tinham atingido o cérebro e o nervo ótico, segundo Helena, mãe do jovem e enfermeira. “Pelos exames, não tem fluxo sanguíneo. Ele está respirando pelo ventilador. É irreversível”, disse.
🔍 O metanol é um álcool usado industrialmente em solventes e outros produtos químicos, é altamente perigoso quando ingerido. Inicialmente, ataca o fígado, que o transforma em substâncias tóxicas que comprometem a medula, o cérebro e o nervo óptico, podendo causar cegueira, coma e até morte. Também pode provocar insuficiência pulmonar e renal.
Diogo contou que mesmo os amigos que tiveram sintomas mais leves precisaram de internação.
“Fizeram exames na gente e foi constatado que a gente estava com metanol no sangue. É muito assustador. Meu amigo está há quase um mês internado”, relatou.
Até o momento, pelo menos 16 casos de intoxicação por bebidas possivelmente contaminadas com metanol estão sendo investigados em São Paulo. Duas mortes já foram confirmadas: um homem de 38 anos em São Bernardo do Campo e outro de 54 anos na capital. O Centro de Investigação Toxicológica da Unicamp investiga se a morte de um terceiro homem, de 50 anos, tem relação com bebidas adulteradas.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu alertas sobre os casos recentes, reforçando a necessidade de atenção em bares e estabelecimentos, especialmente em bebidas como gin, uísque e vodca. Especialistas afirmam que os primeiros sintomas podem se assemelhar a uma embriaguez comum, mas exigem atendimento imediato para evitar danos graves.
“É um crime o que estão fazendo. Hoje é meu filho, amanhã não sei quem pode ser”, disse Helena, pedindo justiça e investigação rigorosa.
A polícia já apreendeu bebidas vendidas na adega para perícia, mas a origem das garrafas contaminadas ainda não foi determinada. Amigos e familiares aguardam respostas e alertam sobre os riscos do consumo de álcool sem procedência garantida.
Bebidas contaminadas com metanol foram responsáveis pela morte de duas pessoas em São Paulo, uma terceira morte está sendo investigada.
Reprodução/TV Globo/Fantástico
O que diz a Secretaria Estadual da Saúde
“O Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do Estado de São Paulo informa que, desde junho deste ano, foram confirmados seis casos de intoxicação por metanol, dos quais dois resultaram em óbito — um em São Bernardo do Campo e outro na capital.
Atualmente, há dez casos sob investigação com suspeita de intoxicação por consumo de bebida contaminada, na capital.
O CVS está apoiando e monitorando o trabalho dos Municípios na fiscalização dos estabelecimentos de comércio de bebidas (distribuidoras, bares etc.) envolvidos na comercialização e distribuição dos produtos contaminados. O CVS reforça que o consumo de bebidas alcoólicas de origem clandestina ou sem procedência confiável representa risco à saúde, já que podem conter substâncias tóxicas.
A recomendação é que bares, empresas e demais estabelecimentos redobrem a atenção quanto à procedência dos produtos oferecidos, e que a população adquira apenas bebidas de fabricantes legalizados, com rótulo, lacre de segurança e selo fiscal, evitando opções de origem duvidosa e prevenindo casos de intoxicação que podem colocar a vida em risco.”
O que diz o governo federal
“Nesta sexta-feira (26), a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad/MJSP) recebeu, por meio do Sistema de Alerta Rápido (SAR), notificação que reporta nove casos de intoxicação por metanol, no estado de São Paulo, num período de 25 dias, todos a partir da ingestão de bebida alcoólica adulterada.
O número de casos registrado, inicialmente, pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox), de Campinas (SP), e encaminhado ao Comitê Técnico do SAR é considerado fora do padrão para o curto período de tempo e também por desviar dos casos até hoje notificados de intoxicação por metanol.
O Ciatox recebeu, nos últimos dois anos, casos de intoxicação por metanol a partir de consumo de combustíveis por ingestão deliberada em contextos de abuso de substâncias, frequentemente associada à população de rua. Contudo, de acordo com a notificação de hoje, a ingestão se deu em cenas sociais de consumo alcoólico, incluindo bares, e com diferentes tipos de bebida, como gin, uísque e vodca. São registros inéditos no referido centro toxicológico. É possível haver outros casos não notificados, uma vez que nem todos os casos de intoxicação chegam aos órgãos de vigilância e controle.
A ingestão acidental ou intencional de metanol leva a intoxicações graves e potencialmente fatais. O cenário de adulteração é particularmente relevante do ponto de vista de saúde pública, pois episódios dessa natureza frequentemente resultam em surtos epidêmicos com múltiplos casos graves e elevada taxa de letalidade, afetando grupos populacionais vulneráveis e exigindo resposta rápida das autoridades sanitárias. Nesse sentido, requer alerta à população, considerando, inclusive, o início do fim de semana, quando há maior frequência a bares e consumo de bebidas alcoólicas.
SAR — O Sistema de Alerta Rápido sobre drogas do Brasil (SAR) é um subsistema do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas — Sisnad, gerenciado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad), vinculado ao Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid).”
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