Pesquisador realiza testes no Centro de Inovação Avançada de Genômica da Universidade de Pequim, na China
Wang Zhao/AFP
Um novo tipo de visto para estrangeiros entra em vigor na China nesta quarta-feira (1º), com um objetivo principal: atrair jovens talentos do mundo inteiro nas áreas de ciência e tecnologia. Segundo especialistas ouvidos pelo g1, é uma tentativa clara de ultrapassar os Estados Unidos na “disputa global por cérebros”.
“O governo chinês pensou em atrair os alunos que estão sendo rejeitados pelos americanos”, afirma à reportagem Liao Kuo Pin, sócio da consultoria BLC.
➡️O governo de Donald Trump vem demonstrando um posicionamento contrário à presença de imigrantes nas universidades e no mercado de trabalho:
intensificou ações para cancelar e limitar a emissão de novos vistos estudantis, restringindo a entrada de estudantes internacionais em diversas universidades norte-americanas;
enfrentou uma batalha jurídica contra a Universidade Harvard, em uma tentativa de proibir a matrícula de alunos vindos de outros países;
aumentou o número de detenções e de deportações de estrangeiros;
afirmou, neste mês, que cobrará 100 mil dólares anuais de empresas que optarem por manter no quadro um funcionário com o visto H-1B. Essa categoria é amplamente usada na contratação de imigrantes em empresas de tecnologia.
✈️Na contramão dessa tendência, a China criou o visto K, que facilita a entrada de jovens profissionais estrangeiros formados nas áreas STEM (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia e matemática).
Eles não precisarão sequer comprovar vínculo empregatício ao pedir o documento – podem obter o direito de se mudar para o país asiático e, só depois, procurar uma vaga. E a validade também deve ser mais extensa.
Ao g1, George CHEN, sócio e presidente da consultoria americana The Asia Group, diz que, há apenas vinte anos, a China era ainda conhecida como o “país imitador”. O cenário mudou completamente.
“Hoje, fala-se sobre quão cedo a China pode ultrapassar os Estados Unidos em diversos aspectos de tecnologia e inovação, incluindo inteligência artificial e design de chips”, explica.
“O presidente Xi Jinping falou repetidamente sobre a importância da autossuficiência em inovação. Para alcançar esse objetivo, a China agora percebe que precisa abrir mais os olhos e atrair talentos de fora do país, além de tornar todo o processo muito mais fácil e atraente — daí, o programa de visto K.”
🧳Os detalhes sobre essa nova modalidade ainda não haviam sido divulgados até a mais recente atualização desta reportagem. Não se sabe ainda, por exemplo, qual é a faixa etária considerada “jovem” pelo governo chinês — nem se haverá alguma lista de países prioritários na emissão dos vistos.
“Essa situação pode iniciar um movimento de virada do jogo. Os EUA sempre foram um ímã de talentos”, afirma Ricardo Leães, professor de Relações Internacionais da ESPM.
“Não será algo imediato, do dia para a noite, mas é possível que os americanos comecem a perder para a China nessa disputa. O cenário de caça às bruxas que o presidente americano implementou foi um grande presente ao governo chinês.”
E não é só uma questão de formar uma mão de obra mais qualificada na academia e nas empresas: há questões estratégicas tanto de soft power (aquele poder “invisível, de influência) quanto de segurança nacional envolvidas.
“A China tem 40 programas de pós-graduação em terras raras. São tecnologias fundamentais até para aplicações militares, como precisão de mísseis ou fabricação de caças. Eles [chineses] sabem: o país que avança na tecnologia fica em vantagem.”
Pode ser um destino interessante para os brasileiros?
A facilidade no processo de obtenção de vistos para profissionais das áreas de ciência e de tecnologia é um elemento que pesa a favor da China. Mas não bastará garantir essa primeira etapa para reter talentos, e sim investir na adaptação dos estrangeiros ao país.
“O idioma é muito diferente, apesar de muitas empresas já usarem o inglês. E é um país muito mais distante, com fuso horário diferente. A China precisará mostrar que é atrativa para os pesquisadores”, diz Leães.
“É um país conhecido por ser mais fechado. Mas, se fizerem um esforço grande, de venda mesmo, vão atrair os maiores talentos.”
Veja, abaixo, os custos estimados por Pin, da consultoria BLC, para um brasileiro que decidir fazer a graduação na China:
Mensalidades: R$ 5.745 a R$ 23.506 (há bolsas de estudos oferecidas pelo governo chinês
Acomodação: em geral, custo é baixo e já vem incluído em auxílios estudantis
Custo de vida em grandes cidades: R$ 51 mil por ano
Custo de vida em cidades menores: R$ 33 mil por ano
“A preferência dos chineses vai ser sempre receber quem fala mandarim. As próprias universidades vão ajudar quem quiser aprender o básico. Não é simples: são necessários de 2 a 3 anos de dedicação”, afirma Pin. “Os interessados devem se organizar com antecedência.”
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