Estado é condenado a indenizar em R$ 300 mil trabalhador que ficou cego de um olho após ser atingido por bala de borracha em protesto no Recife


Daniel da Silva perdeu o olho após ser atingido por bala de borracha atirada pela PM em protesto contra Bolsonaro
Hugo Muniz
O governo de Pernambuco foi condenado a pagar uma indenização de R$ 300 mil e manter uma pensão vitalícia de dois salários mínimos para o ex-adesivador de táxis Daniel Campelo da Silva. Ele ficou cego do olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar durante um protesto contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, no Centro do Recife, em maio de 2021 (relembre o caso abaixo).
A decisão foi deferida na terça-feira (30) pelo juiz Augusto Napoleão Angelim, da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital. Cabe recurso da decisão. Procurado, o governo de Pernambuco informou que não foi notificado, mas tem o entendimento de que o adesivador deve ser indenizado (veja resposta mais abaixo).
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Em entrevista ao g1, o advogado da vítima, Marcellus Ugiette, definiu a decisão como “sábia e justa do ponto de vista da responsabilização do estado”.
“Entendo que a principal virtude dessa decisão do doutor Augusto Angelim (…) é a responsabilização do estado pelos atos do seu preposto, dos seus prepostos, que são os policiais militares. Essa decisão tem um cunho, assim, educacional, de mostrar que o estado não pode descumprir a lei e prejudicar as pessoas sem nenhuma punição”, explicou o advogado.
O g1 teve acesso ao documento com a sentença. Segundo a decisão, Daniel contou que foi confundido como um manifestante, quando, na verdade, estava indo comprar materiais de trabalho. Ele disse, ainda, que, quando foi abordado pela polícia, levantou as mãos para o alto e disse: “sou pai de família, sou trabalhador… não tenho nada com isso”.
Ainda de acordo com os autos, a vítima contou que foi socorrida por pessoas que estavam no local e que pediram aos policiais que chamassem uma ambulância. No entanto, conforme o depoimento, “eles simplesmente se omitiram, não deram atenção e nem prestaram socorro”.
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Danos morais
Na decisão, o juiz atendeu, em parte, às solicitações da defesa da vítima, que pediu uma indenização de R$ 4 milhões. Para o magistrado, o valor sugerido seria “exorbitante” e não compatível com a “razoabilidade e proporcionalidade em termos jurídicos”. Porém, ele também descartou o valor da proposta de R$ 150 mil oferecida pelo governo de Pernambuco.
“Dentre as circunstâncias do fato, considero que a omissão de socorro pela PMPE é ato extremamente grave e que justifica o valor em dobro do que o oferecido pelo ente público. Desta feita, arbitro em R$ 300.000, o qual tenho como justo e adequado ao caso, seja pela sua função compensatória, seja pela questão pedagógica”, diz um trecho da decisão.
Além desse valor, o juiz também concedeu a vitalidade da pensão de dois salários mínimos, que Daniel passou a receber há cerca de três anos por uma tutela antecipada requerida pela defesa da vítima pelo fato de que, desde o ocorrido, a vítima não conseguiu mais trabalhar.
“Daniel já recebe dois salários mínimos porque nós [a defesa] conseguimos, no início da ação, uma tutela antecipada, que é como se fosse uma liminar, mas o nome é tutela antecipada, para que ele recebesse dois salários mínimos para poder se manter porque ele não pode mais trabalhar. (…) A decisão tornou esses dois salários mínimos vitalícios, ou seja, como uma pensão vitalícia”, explicou Ugiette.
O que diz o governo
Procurado pelo g1, o governo de Pernambuco informou que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) tem o entendimento de que Daniel Campelo da Silva deve receber ação de indenização por danos morais e materiais.
A gestão estadual disse, ainda, que não foi notificada da decisão e afirmou que, assim que receber a notificação, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) vai avaliar a possibilidade de recurso, “dentro do prazo legal”, e se manifestar sobre o processo.
Relembre o caso
Manifestantes realizaram, no dia 29 de maio de 2021, no Recife, um ato contra o presidente Jair Bolsonaro, na ocasião sem partido, e pedindo a aceleração de medidas de prevenção à Covid-19, como a campanha de vacinação e auxílio emergencial de, ao menos, R$ 600;
A ação truculenta deixou pessoas feridas e duas delas tiveram perda parcial de visão, Daniel Campelo e Jonas Correia de França.
Durante o mesmo ato, a vereadora Liana Cirne (PT) foi atingida por spray de pimenta no rosto e o cantor Afroito foi arrastado e detido por policiais militares durante o protesto, sendo liberado após pagar fiança de R$ 350;
Daniel foi socorrido por um amigo taxista ao Hospital da Restauração (HR), no Centro do Recife. No local, foi transferido para a Fundação Altino Ventura (FAV), unidade de saúde referência em tratamentos oftalmológicos;
O irmão e a esposa de Jonas precisaram sair de casa para socorrê-lo. Ele foi levado ao Hospital da Restauração, no Centro do Recife, e foi assistido também na FAV;
Em outubro, o policial militar responsável pelo disparo de bala de borracha que atingiu Jonas Correia de França foi indiciado pela Polícia Civil por lesão corporal gravíssima e omissão de socorro;
Na ocasião, a Secretaria de Defesa Social (SDS) informou que a investigação do policial militar responsável pelo disparo que vitimou Daniel não tinha sido concluída ainda, “faltando algumas diligências finais”;
Dez meses depois da manifestação pacífica, o PM que atirou em Daniel foi identificado e um inquérito foi aberto.
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