Metanol em bebidas: só teste de laboratório pode detectar
O governo de São Paulo anunciou um novo protocolo de testagem rápida para identificar contaminação por metanol em casos suspeitos. A partir de agora, amostras de sangue ou urina coletadas em unidades de saúde serão analisadas em até uma hora pelo Laboratório de Toxicologia Analítica Forense (Latof), do Departamento de Química da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
O método utilizado é a cromatografia gasosa (é uma técnica laboratorial usada para separar e identificar substâncias químicas em uma mistura), considerada o padrão ouro para detecção da substância. O Instituto Adolfo Lutz será responsável pela logística de transporte das amostras até o laboratório.
Segundo o governo, o objetivo é acelerar o diagnóstico para permitir tratamento imediato e aumentar a efetividade das ações de saúde pública diante do aumento de casos de intoxicação.
Mais de 4,5 mil garrafas apreendidas
As medidas fazem parte da atuação do gabinete de crise criado pelo estado para intensificar o combate à falsificação e contaminação de bebidas. Desde segunda-feira (29), foram apreendidas 4,5 mil garrafas suspeitas em bares e distribuidoras. A ação contou também com a Polícia Civil.
Até esta sexta-feira (3), 10 estabelecimentos foram interditados de forma preventiva em São Paulo, São Bernardo, Osasco e Barueri.
As operações de fiscalização foram ampliadas em toda a Grande São Paulo. Apenas em setembro, foram realizadas 43 mil inspeções nos 645 municípios paulistas em comércios de bebidas, bares, restaurantes e adegas.
Bebidas destiladas são a maioria dos produtos contaminados com metanol, segundo as autoridades sanitárias
Reprodução/TV Globo
Casos de notificações em SP
O número de notificações de intoxicação por metanol subiu para 102 no estado de São Paulo, segundo balanço da Secretaria estadual da Saúde divulgado na tarde desta sexta-feira (3). As notificações incluem casos confirmados e suspeitos, além de mortes.
São 91 casos em investigação e 11 confirmados. A capital concentra a maior parte dos casos: 48 em investigação e 8 confirmados (veja tabela abaixo).
Na Grande São Paulo, outros municípios também aparecem com registros:
São Bernardo do Campo: 21 em investigação e 1 confirmado
Santo André: 4 em investigação
Osasco: 4 em investigação
Guarulhos: 1 em investigação e 1 confirmado
Itapecerica da Serra: 1 confirmado
Mauá: 1 em investigação
Diadema: 1 em investigação
Ferraz de Vasconcelos: 1 em investigação
Taboão da Serra: 1 em investigação
No interior e no litoral, os registros são mais isolados. Araçatuba, Cajuru, Jundiaí, Limeira, Ribeirão Preto, Rio Claro, Santos, São José dos Campos, São Vicente: todos com 1 caso em investigação cada.
Casos de suspeitos e confirmados de intoxicação por metanil em SP
Reprodução
🔍 O metanol é um álcool usado industrialmente em solventes e outros produtos químicos, é altamente perigoso quando ingerido. Inicialmente, ataca o fígado, que o transforma em substâncias tóxicas que comprometem a medula, o cérebro e o nervo óptico, podendo causar cegueira, coma e até morte. Também pode provocar insuficiência pulmonar e renal.
As autoridades não divulgaram oficialmente a identidade das vítimas, mas a TV Globo e o g1 conseguiram localizar alguns dos pacientes. A seguir, conheça as histórias de pessoas que tiveram a vida profundamente afetada após o consumo de bebidas adulteradas.
Adega na Zona Sul
No dia 30 de agosto, Rafael Anjos Martins, de 28 anos, comprou duas garrafas de gin, além de gelo de coco e energético, em uma adega localizada na região da Cidade Dutra, na Zona Sul da capital.
Em seguida, ele se reuniu com quatro amigos em casa para confraternizar. Nenhum deles desconfiou da adulteração.
Rafael Anjos Martins, de 28 anos, está em coma desde 1º de setembro após consumir gin em SP
Arquivo Pessoal
Poucas horas depois do consumo, Rafael começou a passar mal e foi levado às pressas para o hospital. Os médicos realizaram procedimentos para remover a toxina do sangue, mas o metanol já havia atingido o cérebro e o nervo óptico.
Desde então, o jovem está em coma, internado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de Osasco, respirando com ajuda de aparelhos.
Os amigos, que ingeriram a bebida adulterada em menor quantidade, também sofreram consequências. Nathalia Carozzi Gama contou à TV Globo que a visão foi afetada.
“As coisas estavam com muito contraste e muita falta de ar, com mal-estar, um peso no corpo. Eu fui para o hospital, fizeram o exame e viram que estava com metanol”, relatou.
Bar nos Jardins
Radharani Domingos fala em entrevista ao Fantástico após intoxicação por metanol
Reprodução
A designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, perdeu a visão após consumir três caipirinhas feitas com vodca em no bar Ministrão na Alameda Lorena, bairro nobre de São Paulo. O local foi interditado.
Ela chegou a ser internada na UTI, onde sofreu convulsões e precisou ser intubada, mas recebeu alta para o quarto nesta segunda (29).
“Era uma região nobre, não era nenhum boteco de esquina. Causou um estrago bem grande. Não estou enxergando nada”, disse Radharani ao Fantásrico. No local, a polícia apreendeu cerca de 100 garrafas de bebidas destiladas suspeitas de adulteração.
Segundo a irmã dela, Lalita Domingos, ainda não há previsão de alta. “O oftalmologista entrou com tratamentos para reverter o quadro da visão, mas ela [visão] permanece comprometida. Estamos na expectativa de que algo mude.”
Show de pagode
Jovem de São Bernardo é internada após consumir vodca
Reprodução; e Adobe Stock
No domingo (28), Bruna Araújo de Souza, de 30 anos, saiu para assistir a um show de pagode com amigos em um bar de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Durante a tarde e a noite, ela consumiu algumas doses de bebida, incluindo um “combo” de vodca com suco de pêssego.
Na manhã seguinte, Bruna começou a sentir sintomas como dor intensa no corpo, falta de ar e visão embaçada. Foi levada a uma UPA da cidade, mas seu quadro se agravou rapidamente e ela precisou ser transferida entubada para o Hospital de Clínicas de São Bernardo, onde permanece em estado grave.
Familiares relatam que o namorado dela também apresentou sintomas e foi internado em outra unidade de saúde. “Ela estava feliz, se divertindo, e agora a gente não sabe como vai ser daqui para frente”, contou um parente.
Uísque em festa
Wesley Pereira, de 31 anos, passou mal após consumir uísque em uma festa.
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O caso de Wesley Pereira, de 31 anos, começou em agosto, quando ele participou de uma festa na Zona Sul da capital paulista. Em determinado momento da comemoração, Wesley consumiu uísque que havia sido levado ao local. Poucas horas depois, passou mal e entrou em coma.
Desde então, ele permanece internado no Hospital do Campo Limpo. Segundo a família, Wesley sofreu uma série de complicações: teve pneumonia por broncoaspiração, um dos rins parou de funcionar e, quando os médicos reduziram a sedação para tentar acordá-lo, ele sofreu um AVC.
“Ele perdeu a visão e a vida dele nunca mais vai ser a mesma”, contou a irmã, Sheilene Pereira Neves. Wesley continua em tratamento intensivo e luta para se recuperar.
Vodca adulterada
Marcelo Lombardi tinha 45 anos e morava na região do Sacomã, na Zona Sul de SP, divisa com o ABC Paulista.
Reprodução/TV Globo
O advogado e empresário Marcelo Lombardi, de 45 anos, dono de uma imobiliária familiar na região do Sacomã, Zona Sul de São Paulo, morreu após consumir uma garrafa de vodca adulterada. Segundo a família, ele comprou a bebida em uma adega para beber em casa, sem suspeitar de irregularidades.
Na manhã seguinte, Marcelo acordou desorientado, já sem visão, e foi levado ao hospital. O quadro evoluiu para uma parada cardiorrespiratória e falência múltipla dos órgãos. No atestado de óbito, os médicos apontaram o metanol como causa da intoxicação.
Marcelo era casado e morava com a esposa e uma cachorrinha. A irmã relatou ao g1 que ele era o pilar da família. “Perdemos a nossa base”, desabafou.
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Infográfico: o impacto do metanol no corpo humano.
Arte/g1