Da Ásia à América do Sul: como a tecnologia e a frustração com o poder público espalharam protestos da ‘Geração Z’ pelo mundo


Protestos da Geração Z se espalham pelo mundo
A Geração Z ganhou destaque global em 2025 ao se levantar contra governos em diferentes partes do mundo. Em um fenômeno impulsionado pelas redes sociais, jovens transformaram as próprias frustrações em protestos que derrubaram políticos e expuseram privilégios da elite em vários países.
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▶️ Contexto: A Geração Z é o nome dado ao grupo de pessoas nascidas entre 1995 e 2009. É a primeira geração considerada nativa digital, pois cresceu em meio à internet, e costuma ser mais crítica e engajada em debates sobre diversidade, sustentabilidade e política.
Nos últimos meses, esse grupo protagonizou manifestações nos seguintes países:
Quênia: A morte do blogueiro Albert Ojwang levou centenas de pessoas às ruas. Jovens da Geração Z exigiram renúncia do vice-chefe da polícia e do presidente, além do fim da brutalidade policial.
Indonésia: No fim de agosto, protestos contra regalias de parlamentares ganharam força no país. O presidente suspendeu alguns benefícios a políticos para controlar a crise.
Nepal: A Geração Z usou as redes para organizar atos contra o luxo de políticos e pobreza da população. O movimento derrubou o governo e provocou novas eleições parlamentares.
Filipinas: Milhares foram às ruas para protestar contra a corrupção em projetos de controle de enchentes. O estopim para a revolta foi a exibição de carros de luxo por um casal de empreiteiros.
Peru: Jovens protestaram contra a presidente e o Congresso devido a uma reforma da previdência. No radar também está o aumento da criminalidade, a corrupção e a economia.
Madagascar: Desde a última semana de setembro, jovens protestam contra cortes de energia e falta de água. Eles exigem a renúncia do presidente.
Marrocos: Jovens estão protestando contra gastos da Copa do Mundo e pedem mais investimento em saúde e educação —atos semelhantes aconteceram no Brasil em 2013 e 2014. Os movimentos foram organizados pelas redes sociais.
Dos sete países mencionados, cinco tinham governos de direita no momento da eclosão dos protestos, enquanto dois eram administrados pela esquerda.
👉 Além da importância da Geração Z na mobilização das manifestações pela internet, os atos apresentam pontos em comum, como a frustração da população com o poder público, a desigualdade social e os pedidos por mudanças.
Por outro lado, em todos os países, as manifestações foram recebidas com repressão policial e acabaram marcadas pela violência — o que resultou em mortes, feridos e detidos, além de episódios de vandalismo.
Também chama a atenção o fato de os manifestantes usarem como símbolo uma bandeira com a caveira do mangá “One Piece”. Na animação, ela representa a liberdade contra o governo.
🔍 Para o advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos, os protestos da Geração Z representam uma mudança na forma de organização e mobilização social.
Se antes sindicatos, partidos e movimentos estudantis tinham papel central, agora a convocação acontece de forma autônoma pelas redes sociais.
Segundo Lemos, essa combinação permite reações rápidas, sem necessidade das estruturas hierárquicas tradicionais.
Embora não tenham uma busca direta pelo poder, esses movimentos desafiam instituições e podem gerar desfechos imprevisíveis, que vão da repressão estatal à radicalização.
Nesta reportagem você vai ver:
Por que a Geração Z está protestando?
Manifestações no Quênia após morte de blogueiro
Protestos na Indonésia contra regalias de políticos
Movimentos no Nepal contra a desigualdade
Manifestações nas Filipinas após acusações de corrupção
Peruanos protestam contra o governo e a reforma da previdência
Em Madagascar, jovens se mobilizam contra o governo
Manifestações no Marrocos por causa de gastos com a Copa de 2030
1. Por que a Geração Z está protestando?
Manifestantes com a bandeira do mangá ‘One Piece’ em Madagascar
REUTERS/Siphiwe Sibeko
A Geração Z tem aliado a facilidade de se conectar ao contexto de frustração que enfrenta nesses países, com desemprego elevado, desigualdade e falta de oportunidades.
🔍 Para Ronaldo Lemos, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, as redes sociais amplificam rapidamente essas percepções de injustiça e favorecem reações imediatas que culminam em protestos.
“A força está justamente no fato de não buscarem o poder diretamente. Aliás, é o exercício de um novo tipo de poder”, diz Lemos. “O risco é que esses protestos não tenham interface institucional, o que abre caminho para o imprevisível.”
“A consequência pode ser esvaziamento, violência, radicalização ou ciclos de protesto-repressão com resultados imprevisíveis.”
Além disso, segundo Lemos, a onda atual de protestos representa uma mudança na forma de comunicação e organização.
Se antes as manifestações eram lideradas por sindicatos, partidos ou movimentos estudantis, agora grupos autônomos fazem a convocação pelas redes sociais.
Essa transformação não é recente. Lemos lembra da Primavera Árabe e das manifestações de junho de 2013 no Brasil, quando muitos grupos se mobilizaram pelo Facebook.
No caso do Brasil, os protestos foram seguidos de descontentamento generalizado com a classe política, a Operação Lava Jato, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a projeção nacional de Jair Bolsonaro — e do bolsonarismo como movimento político —, além da polarização e o fortalecimento da extrema direita no Brasil.
“Agora, o que está acontecendo é uma prevalência do TikTok, do Discord e do X. Vale notar que os vídeos curtos do TikTok são responsáveis pelo apelo emocional que desencadeou vários movimentos. O Discord virou pano de fundo para a coordenação persistente dos manifestantes”, afirma.
“A consequência é que a disputa da narrativa acontece primeiro on-line, às vezes totalmente fora do olhar público por meio do Discord, e só depois transborda para a mídia tradicional.”
O professor destaca o papel central do Discord nesses movimentos. A rede é bastante popular entre os jovens, mas ainda pouco conhecida pelo público em geral, diferentemente de plataformas como Instagram e WhatsApp.
Nos últimos protestos, segundo Lemos, o Discord funcionou como um “quartel-general” oculto para a sociedade e até mesmo para a imprensa, enquanto outras redes integraram a coordenação em tempo real. Cada plataforma tem um papel específico:
o TikTok fornece o repertório visual e emocional em vídeos curtos;
o Discord atua como centro de organização invisível para o público, mas essencial para os participantes;
o X funciona como uma coletânea de manchetes globais, fazendo a ponte entre espaços fechados e a imprensa.
Essa combinação, segundo Lemos, produz mobilizações muito mais rápidas, sem necessidade de hierarquia tradicional.
👉 O Brasil não está distante desse modelo. Embora o país não enfrente atualmente uma onda de protestos nos moldes do que ocorre na Ásia, África e América Latina, um exemplo recente mostrou a força da mobilização digital: o vídeo do influenciador Felca.
“Ao fazer um vídeo de grande conteúdo emocional, ele conseguiu mobilizar o país em torno de uma causa e provocar uma resposta imediata do Congresso sobre a proteção de crianças e adolescentes on-line”, afirma.
“Isso mostrou como um único conteúdo audiovisual pode cristalizar indignação e pautar instituições.”
Protestos da Geração Z pelo mundo
Arte/g1
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2. Quênia e morte de blogueiro
No fim de junho, centenas de pessoas foram às ruas de Nairóbi, no Quênia, para protestar contra a morte de Albert Ojwang. Ele era um professor e blogueiro de 31 anos que morreu enquanto estava detido.
Ojwang havia sido preso por supostamente difamar o vice-chefe de polícia, Eliud Lagat. Ele usava as redes sociais para debater questões políticas e sociais.
Segundo a Deutsche Welle, a polícia chegou a alegar que o blogueiro tinha tirado a própria vida na prisão ao bater a cabeça contra a parede da cela.
Dias depois, uma autópsia desmentiu a versão. O exame indicou que Ojwang morreu após ser agredido, com ferimentos na cabeça e no pescoço. O presidente William Ruto condenou o caso.
Os manifestantes pediram a renúncia de Lagat, responsabilização dos envolvidos e o fim da brutalidade policial. Com o tempo, o movimento passou a criticar também a pobreza e a incapacidade do governo em lidar com problemas sociais, exigindo a saída de Ruto do poder.
Os protestos, liderados por jovens da Geração Z, acabaram em confrontos com a polícia. Mais de 30 pessoas morreram, dezenas ficaram feridas e mais de 500 foram presas. Também houve registros de vandalismo, com saques a comércios e veículos incendiados.
Eliud Lagat chegou a renunciar temporariamente, mas retomou o cargo cerca de um mês depois. William Ruto segue como presidente do Quênia.
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3. Indonésia contra regalias de políticos
Estudantes protestam contra regalias de políticos na Indonésia, em 4 de setembro de 2025
REUTERS/Willy Kurniawan
Os protestos na Indonésia começaram em 25 de agosto, motivados por regalias concedidas a parlamentares, como auxílios-moradia. A população também se mostrou frustrada com a desigualdade social e com cortes no orçamento regional, que levaram autoridades locais a aumentar impostos sobre propriedade.
As manifestações começaram em Jacarta, em frente ao Parlamento.
Alguns movimentos surgiram de forma espontânea, enquanto outros foram liderados por grupos estudantis.
Em uma semana, os protestos se espalharam pelo país, sendo que muitos acabaram em violência e confronto com a polícia.
A revolta aumentou depois que um mototaxista, que não participava dos atos, morreu ao ser atingido por um veículo da tropa de choque. O caso desencadeou ondas de vandalismo e incêndios em prédios públicos.
Nas redes sociais, usuários passaram a divulgar dados pessoais de autoridades. Casas de oficiais foram saqueadas, inclusive a do parlamentar Ahmad Sahroni, que chamou de “estúpidas” as pessoas que defendiam a dissolução do Parlamento devido aos subsídios recebidos pelos políticos.
Em resposta, o presidente Prabowo Subianto anunciou a suspensão de alguns benefícios aos parlamentares, ao mesmo tempo que prometeu reprimir atos violentos.
Pelo menos oito pessoas morreram durante as manifestações e 1.200 foram detidas.
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4. Nepal contra a desigualdade
Jovens tiram selfie com o palácio do governo do Nepal em chamas ao fundo, em 9 de setembro de 2025
AP Photo/Niranjan Shrestha
No Nepal, milhares de pessoas foram às ruas no início de setembro em uma manifestação motivada pelo contraste entre a ostentação de políticos e a pobreza da população. À época, o bloqueio de redes sociais foi visto como a gota d’água para uma revolta sem precedentes no país.
A onda de protestos resultou em cenas históricas, com prédios governamentais e casas de ministros incendiadas. Autoridades do governo também foram arrastadas pela multidão e agredidas.
A desigualdade social está entre os principais pontos de descontentamento dos jovens nepaleses. Segundo o Banco Mundial, os 10% mais ricos ganham mais de três vezes a renda dos 40% mais pobres do país.
Além disso, 22% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados.
As manifestações foram organizadas pela internet. Usuários usaram as redes sociais para criticar a elite nepalesa e publicar fotos de filhos de políticos ostentando luxo, enquanto jovens de famílias pobres estavam fora do país para tentar sustentar seus parentes.
Os protestos foram recebidos com violência pela polícia. Os confrontos provocaram a morte de 74 pessoas. Por outro lado, o movimento derrubou o primeiro-ministro e resultou na convocação de eleições para março de 2026.
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5. Filipinas e as acusações de corrupção
Filipinos protestam contra a corrupção em Manila, em 21 de setembro de 2025
REUTERS/Lisa Marie David
Os protestos nas Filipinas começaram após o início de uma investigação sobre um possível esquema de corrupção em projetos de controle de enchentes. O país depende dessas obras, já que é frequentemente atingido por tufões.
Só em julho, 300 mil pessoas ficaram desalojadas e 26 morreram devido às chuvas. Segundo o presidente Ferdinand Marcos Jr., foram identificadas irregularidades em muitos dos quase 10 mil projetos em andamento, que somam US$ 9,5 bilhões (R$ 50 bilhões) em investimentos.
A revolta ganhou força depois que um casal rico, dono de construtoras que venceram contratos milionários para obras de contenção de enchentes, mostrou dezenas de carros de luxo em entrevistas.
Entre os veículos exibidos estava um modelo britânico de US$ 737 mil (R$ 3,9 milhões). O casal disse que comprou o carro porque “vinha com um guarda-chuva grátis”.
Em depoimento, os empresários afirmaram que autoridades e congressistas exigiram altas quantias em propina para liberar contratos em obras públicas.
No dia 21 de setembro, milhares de pessoas foram às ruas contra a corrupção. Cerca de 33 mil manifestantes se reuniram em um parque histórico de Manila.
Outro grupo, que se posicionou na região do palácio presidencial, entrou em confronto com a polícia. Manifestantes atiraram pedras, garrafas e bombas caseiras. Também houve atos de vandalismo. Cerca de 200 pessoas foram detidas.
“Me sinto mal porque nos afundamos na pobreza, perdemos nossas casas, nossas vidas e nosso futuro, enquanto eles acumulam fortunas com os impostos que pagamos, usados em carros de luxo, viagens ao exterior e grandes negócios corporativos”, disse a estudante e ativista Althea Trinidad à agência Associated Press.
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6. Peruanos e a reforma da previdência
Os manifestantes tentaram invadir a sede do Congresso no Peru
REUTERS
As manifestações no Peru começaram na segunda quinzena de setembro, com jovens indo às ruas protestar contra a presidente Dina Boluarte e a reforma na previdência.
A lei aprovada recentemente obriga todos os maiores de 18 anos a se filiar a uma instituição previdenciária.
A medida, porém, foi apenas o gatilho dos protestos. O governo e o Congresso já enfrentavam forte rejeição, com índices de aprovação abaixo de 5%, segundo pesquisas recentes.
Entre as queixas da população estão escândalos de corrupção, insegurança econômica e aumento da criminalidade. Também pesa a falta de responsabilização pelas dezenas de mortes causadas pela repressão policial em 2022, quando o ex-presidente Pedro Castillo foi preso e destituído.
“Estamos cansados ​​de normalizar isso. Desde quando normalizamos a morte, desde quando normalizamos a corrupção, a extorsão”, disse o estudante Santiago Zapata à agência Reuters.
“Minha geração está indo às ruas agora porque estamos cansados de ser silenciados, de viver com medo, quando o governo que elegemos é que deveria temer a nós.”
As manifestações de setembro se concentram em Lima, onde houve confronto com a polícia. Várias pessoas ficaram feridas, incluindo manifestantes, jornalistas e policiais.
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7. Insatisfação em Madagascar
Manifestantes protestam contra frequentes cortes de energia e escassez de água em Madagascar
REUTERS/Zo Andrianjafy
As manifestações em Madagascar começaram na última semana de setembro, motivadas pela crise no abastecimento de água e pelos cortes de energia no país.
Os protestos foram liderados pela Geração Z e inspirados pelos movimentos no Quênia e no Nepal. Os atos se tornaram a maior onda de mobilização popular em anos.
Em meio à pressão, o presidente Andry Rajoelina dissolveu o governo. Mesmo assim, a medida não conteve a revolta popular.
Os manifestantes passaram a exigir a renúncia do presidente, além da dissolução da comissão eleitoral, do Senado e da mais alta corte do país.
Os protestos se espalharam pelo país. No sul da ilha, centenas de pessoas marcharam com cartazes pedindo a saída de Rajoelina. Já no norte, também houve marchas sob escolta policial.
Segundo a imprensa internacional, os atos foram organizados principalmente pela internet. Houve confrontos com a polícia, que lançou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão. O governo decretou toque de recolher.
Segundo a ONU, ao menos 22 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas na primeira semana de protestos. Esses dados são rejeitados pelo governo.
Analistas apontam que os atos não são apenas contra falhas de gestão, mas também contra uma elite política que, desde a independência em 1960, mantém o controle sobre o Estado e a economia, o que resultou no aprofundamento da pobreza.
“Redes de elite continuam capturando instituições estatais, desviando recursos públicos e usando a pobreza como arma para manter o controle”, escreveu Ketakandriana Rafitoson, vice-presidente global da Transparência Internacional.
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8. Marrocos e a Copa de 2030
Manifestantes ateiam fogo em edifício durante manifestações contra o governo em Salé, na região metropolitana de Rabat, no Marrocos, em 1° de outubro de 2025.
Abdel Majid Bziouat/AFP
No Marrocos, as manifestações começaram no dia 27 de setembro, com jovens protestando contra gastos para a Copa do Mundo de 2030 e exigindo maiores investimentos em saúde e educação. O grupo que lidera os atos pede a renúncia do governo.
Os protestos foram organizados online por um grupo juvenil anônimo chamado GenZ 212. O movimento se inspirou em manifestações lideradas por jovens na Ásia e América Latina.
Para mobilizar apoio, o grupo usou redes como TikTok, Instagram e o aplicativo Discord, onde o número de membros passou de 3 mil para mais de 150 mil atualmente em poucos dias.
No Marrocos, 12,8% da população juvenil está desempregada, com índices altos inclusive entre jovens graduados.
Apesar de haver manifestações pacíficas, alguns atos acabaram em violência após confrontos com a polícia. Pelo menos três pessoas morreram, mais de 300 ficaram feridas e centenas foram presas, segundo o governo.
O polo turístico de Marrakesh registrou confrontos violentos, incluindo o incêndio de uma delegacia de polícia. Em Salé, uma grande cidade do noroeste do país, bairros densamente povoados registraram ataques a policiais, saques a lojas e incêndios em bancos.
Um porta-voz do Ministério do Interior afirmou que 70% dos participantes de atos de vandalismo e confrontos com as forças de segurança em todo o país são menores de idade. A violência nos protestos reduziu o apoio popular aos atos, segundo a agência Reuters.
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