‘Achei que era spam’: a reação da cientista Mary Brunkow ao saber que ganhou o Nobel de Medicina

A notícia que mudaria a vida de Mary Brunkow chegou no meio da madrugada. Eram cerca de 4h30 da manhã quando o telefone tocou em sua casa, em Seattle (EUA), com um número desconhecido da Suécia. A geneticista olhou para a tela e concluiu: devia ser spam. Desligou o aparelho e voltou a dormir.
“Achei que fosse algum golpe, uma dessas ligações internacionais de madrugada”, contou, rindo, em entrevista ao podcast Nobel Prize Conversations. “Desliguei o celular e voltei a dormir. Depois ouvi meu marido falando com alguém na sala… e era a imprensa local na porta de casa.”
Minutos depois, Mary — de pijama, o marido confuso e o cachorro acordado — estava sentada à mesa de jantar, tentando compreender o que acontecia. “O cachorro estava especialmente irritado, porque 4h30 da manhã não é hora de estar acordado”, brincou.
Reconhecimento mundial
O Prêmio Nobel de Medicina de 2025, anunciado nesta segunda-feira (6), reconheceu Mary Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi pelas descobertas sobre a tolerância imune periférica — um mecanismo que impede o sistema imunológico de atacar o próprio corpo.
Brunkow foi uma das responsáveis por identificar o gene FOXP3, cuja mutação provoca uma síndrome autoimune grave em crianças (a IPEX). A descoberta ajudou a explicar o papel das chamadas células T reguladoras, que controlam a resposta imune — e abriu caminho para terapias contra câncer e doenças autoimunes.
“Foi um trabalho de equipe incrível. Na época, a pesquisa era muito diferente do que é hoje — localizar um gene era um processo quase artesanal. Era uma verdadeira maratona molecular”, lembrou.
Mary contou que o reconhecimento chega décadas após o estudo original, e que hoje ela nem atua mais diretamente na área da imunologia. Mesmo assim, acompanha com entusiasmo os desdobramentos de sua descoberta.
“Meu trabalho mudou bastante desde então, mas é uma honra saber que aquela pesquisa inicial ajudou, ainda que de forma pequena, a entender o sistema imune e a inspirar novas terapias.”
Quando tudo começou
Em 1998, Brunkow trabalhava com modelos de camundongos portadores de uma mutação que causava falhas graves no sistema imunológico. O desafio era descobrir o gene responsável. “Sabíamos que havia algo genético, mas a mutação era minúscula. Demorou muito até encontrarmos o ponto exato que alterava completamente o funcionamento do sistema imune”, contou.
Ao identificar o FOXP3, a equipe conseguiu ligar a falha genética observada nos animais a uma doença humana rara — a síndrome IPEX — e demonstrar que ambas compartilhavam o mesmo mecanismo.
“A ciência mudou completamente desde então, mas a genética continua sendo uma ferramenta poderosa para desvendar o funcionamento do corpo humano”, disse.
Mesmo sem esconder o espanto, Brunkow destacou que o maior mérito do prêmio é coletivo. “Essa foi uma conquista de muitas mentes diferentes, trabalhando juntas. Eu só tive a sorte de estar entre elas.”
A rotina interrompida
Enquanto o mundo científico celebrava o anúncio, Brunkow tentava lidar com a invasão repentina da imprensa em sua porta. “De repente, meu marido estava dando entrevista na varanda, e o cachorro não entendia nada. Foi uma manhã muito inusitada”, riu.
“Não sei se a ficha já caiu”, completou. “Mas é maravilhoso ver como uma pesquisa feita há tantos anos continua ajudando a medicina a avançar.”

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