Metanol: por que o bicarbonato de sódio é usado como intervenção de emergência nos casos de intoxicação


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A rápida administração de bicarbonato de sódio pode fazer a diferença entre a vida e a morte em casos de intoxicação por metanol.
A substância atua como uma espécie de “freio químico” que tenta conter o avanço de uma reação cientificamente devastadora dentro do corpo.
Isso acontece porque o metanol, ao ser metabolizado, transforma-se em ácido fórmico, um composto que “queima por dentro” e deixa o sangue tão ácido que as células perdem a capacidade de produzir energia.
👉 ENTENDA: Ao tentar eliminar o metanol, o fígado “se atrapalha” e o transforma em formaldeído e ácido fórmico, substâncias altamente tóxicas. Esses compostos tornam o sangue ácido e podem causar cegueira ou morte em poucas horas, fazendo o órgão agir como um verdadeiro “vilão” no corpo.
“Quando o corpo transforma o metanol em ácido fórmico, o sangue torna-se extremamente ácido — o que pode comprometer o funcionamento do cérebro, do coração e de outros órgãos vitais”, explica o médico Luís Fernando Penna, gerente do pronto-atendimento do Hospital Sírio-Libanês.
Segundo Penna, nesse processo, é como se o organismo mergulhasse em um banho de acidez que vai desligando seus sistemas, um por um.
E o bicarbonato entra justamente para corrigir esse desequilíbrio químico.
“Ele atua neutralizando essa acidez, permitindo que os órgãos voltem a funcionar em um ambiente mais equilibrado e dando tempo para que o tratamento definitivo, como o uso do antídoto ou a hemodiálise, seja realizado”, afirma Penna.
🧩 SAIBA COMO FUNCIONA: Existem dois antídotos usados no tratamento da intoxicação por metanol: o fomepizol e o etanol farmacêutico. Ambos agem no fígado, bloqueando a ação da enzima que transforma o metanol em substâncias tóxicas.
Já o bicarbonato entra em outra frente desse tratamento. Diferente dos antídotos, que impedem a formação das toxinas, ele atua nas consequências imediatas que essas toxinas provocam no corpo. E
Tecnicamente, ele corrige a acidose metabólica, a perigosa queda do pH sanguíneo, e devolve um mínimo de equilíbrio químico para que o organismo continue funcionando enquanto o veneno é eliminado.
“Ele é uma medida de emergência importante”, acrescenta Penna. “Mesmo que o bicarbonato não impeça o corpo de transformar o metanol em ácido fórmico, ele consegue neutralizar parte dessa acidez, reduzindo a agressão direta às células”.
Abaixo, entenda mais como a substância ajuda a corrigir o pH do sangue e pode evitar sequelas graves.
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TV Paraíba
O que o bicarbonato faz dentro do corpo?
O nosso corpo humano depende de um delicado equilíbrio químico para funcionar.
Isso acontece porque o pH do sangue, que mede a acidez, deve permanecer em torno de 7,4 para que as reações químicas e o funcionamento das células e órgãos ocorram de forma eficaz.
Assim, pequenas variações já afetam enzimas e processos vitais do organismo. Quedas maiores podem ser fatais.
O bicarbonato, por sua vez, age como um tampão químico, ou seja, uma substância que “absorve” o excesso de acidez e devolve estabilidade ao sistema.
⚠️ ATENÇÃO: Essa correção NÃO elimina o metanol nem impede sua transformação em ácido fórmico, mas cria uma janela de tempo vital para o paciente.
Todo mundo já deve ter percebido, por exemplo, quando está com uma queimação, uma acidez gástrica, foi lá e tomou um medicamento que tem bicarbonato de sódio e aquele bicarbonato neutralizou a acidez. Com a intoxicação pelo metanol, não é muito diferente.
A diferença, contudo, é que o bicarbonato, nesse contexto, não é administrado por via oral, e sim diluído e aplicado diretamente na veia.
E o procedimento precisa ser feito em ambiente hospitalar e sob monitoramento constante, porque o ajuste do pH deve ser preciso: tanto o excesso de acidez quanto a alcalinidade em demasia podem colocar a vida do paciente em risco.
🩸 ENTENDA: A alcalinidade mantém o sangue em equilíbrio. Quando há excesso de acidez, ocorre a acidose, que prejudica as células e pode levar à falência dos órgãos.
De acordo com a Nota Técnica nº 360/2025 do Ministério da Saúde e com o protocolo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), o bicarbonato deve ser aplicado por infusão intravenosa “agressiva e controlada” quando o pH do sangue cai abaixo de 7,3.
Os documentos orientam que a substância seja usada de forma rápida, monitorada e em doses controladas, sempre dentro de um hospital e com acompanhamento constante da equipe médica.
Segundo o Ministério da Saúde, essa correção imediata reduz o dano neurológico e visual e ajuda a estabilizar o paciente até que o metanol e o ácido fórmico sejam removidos do corpo por diálise (tratamento médico que filtra o sangue).
“Em termos simples: ele compra tempo. Ao corrigir o pH do sangue, o bicarbonato impede que o organismo entre em colapso metabólico enquanto o tratamento definitivo é providenciado. E é essa intervenção precoce que pode reduzir o risco de sequelas neurológicas e visuais graves”, alerta Luis Fernando Penna.
Solução hospitalar de bicarbonato de sódio usada por via intravenosa para corrigir a acidose metabólica.
Lavoisier/Divulgação
Há riscos no uso do bicarbonato?
Embora o bicarbonato de sódio seja considerado um dos principais recursos de emergência para estabilizar pacientes intoxicados por metanol, ele não é isento de riscos.
Como ele altera a composição do sangue, a substância pode aumentar a quantidade de sal no organismo, elevar a pressão arterial e desregular minerais importantes, como o potássio e o cálcio, que ajudam o coração a manter o ritmo certo e garantem o bom funcionamento dos músculos.
“No entanto, diante de uma intoxicação grave por metanol, esses riscos são menores do que o perigo da acidose não tratada”, explica o médico Luís Fernando Penna, gerente do pronto-atendimento do Hospital Sírio-Libanês.
Por isso, o toxicologista Álvaro Pulchinelli reforça que o bicarbonato só deve ser administrado em ambiente hospitalar controlado.
“Como qualquer medicamento, há risco se a dose for inadequada. Se houver exagero, o corpo pode passar do ponto e ficar alcalino demais, o que também é perigoso”, explica. “Mas é importante lembrar que esse tipo de tratamento é feito sob vigilância constante, com todos os parâmetros monitorados. É seguro quando aplicado da forma correta”.
Infográfico explica ação dos antídotos em casos de intoxicação por metanol
Arte/g1
Casos sob investigação
O Ministério da Saúde confirmou 225 notificações de intoxicação por metanol até 5 de outubro de 2025, sendo 16 casos confirmados e 209 em investigação.
Ao todo, 15 mortes foram registradas, duas confirmadas e treze ainda em apuração.
Cerca de 85% das ocorrências se concentram em São Paulo, segundo o boletim divulgado pela pasta.
Em São Paulo, o governo estadual confirmou 14 casos e duas mortes, além de sete óbitos sob investigação.
A Polícia Civil intensificou as operações em adegas e distribuidoras da capital e do interior, com prisões de suspeitos e apreensão de milhares de garrafas de bebidas adulteradas.
As ações contam com apoio da Vigilância Sanitária e do Instituto de Criminalística, que analisa amostras recolhidas em vários municípios.
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