Lula e Trump conversam pela primeira vez
O cafezinho mais caro na mesa dos americanos teve destaque na videoconferência realizada nesta segunda-feira (6/10) entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A conversa foi um novo marco na aproximação entre os líderes, iniciada em setembro, quando os dois tiveram um breve contato nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Os dois países ainda negociam um encontro presencial.
Segundo apurou a BBC News Brasil, Trump admitiu, na videoconferência, que os EUA estão “sentindo falta” de alguns produtos brasileiros afetados pela tarifa de 50% imposta por seu governo sobre boa parte das exportações do Brasil, e citou especificamente o café.
O produto acumula forte inflação nos EUA e a tarifa imposta sobre a produção brasileira está agravando o cenário, já que o Brasil é o maior fornecedor do mercado americano.
Segundo o escritório americano de estatísticas, o preço do café cobrado de consumidores nos EUA registrou a maior alta mensal em quatorze anos ao subir 3,6% em agosto, primeiro mês da vigência da tarifa contra o Brasil. A taxa é nove vezes maior do que a média da inflação registrada naquele mês (0,4%).
Já na comparação com um ano antes, o preço do café acumula alta de 20,9% nos EUA, também bem acima da inflação média do período 2,9%. Foi o maior aumento anual desde 1997.
“A tarifa de 50% do governo Trump sobre o Brasil agrava as interrupções no fornecimento causadas pelo clima nos principais países produtores”, dizia a chamada da reportagem.
Uma reportagem do final de setembro do canal americano Fox Business, atribui a alta dos preços a dois fatores: questões climáticas que vêm afetando a produção em grandes fornecedores como o Brasil e a tarifa contra o produto brasileiro.
Já uma reportagem de setembro do canal americano CNN também destaca a forte inflação do café e indica que os preços seguirão subindo, conforme o impacto da tarifa sobre o Brasil continue a chegar às prateleiras.
O texto ressalta ainda que outro grande fornecedor de café para os EUA também foi tarifado pelo governo Trump, embora em nível menor: o café da Colômbia recebeu uma taxa de 10%.
Ainda não há dados oficiais sobre a inflação de setembro nos EUA.
A sede por café entre os americanos é enorme. O país é o maior importador e consumidor global da bebida, e também o maior destino das exportações brasileiras do produto.
Dois terços dos adultos americanos bebem café todos os dias, segundo dados da Associação Nacional de Café dos EUA. Cada americano que bebe café consome em média três xícaras por dia.
E essa sede vem crescendo. O consumo de café entre americanos cresceu 7% desde 2020. E o consumo de café gourmet cresceu 18%.
Mas o problema, no caso do café, é que o produto não é cultivado nos EUA.
E nem pode ser. O café é uma fruta tropical que cresce em uma estreita faixa de terra ao redor do Equador.
Nos EUA, o café é cultivado em algumas partes do Havaí e Porto Rico e em uma pequena parte do sul da Califórnia. E isso não é nem de longe suficiente para abastecer as 450 milhões de xícaras de café que os americanos bebem todos os dias.
Por isso, praticamente todo o café bebido nos EUA precisa ser importado. E o Brasil é fundamental nesse mercado, pois o país fornece cerca de um terço de todo o café consumido pelos americanos.
Café foi um dos pontos da conversa entre Trump e Lula
Getty Images
Exportações de café para os EUA despencam
A tarifa de 50% imposta sobre produtos brasileiros teve forte impacto nas exportações de setembro, com destaque para o café.
Segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) nesta segunda-feira (6/10), as vendas totais para os EUA caíram 20,3% no mês passado em comparação com o mesmo mês de 2024, somando US$ 2,58 bilhões.
Pesquisa da BBC News Brasil nos dados oficiais do MDIC mostra o baque para o setor cafeicultor. Em setembro, a quantidade enviada aos EUA caiu quase pela metade (-47%). Já em valores, houve uma queda 31,5%, para US$ 113,8 milhões.
A pesquisa considerou a soma das exportações de café em grãos, torrado e solúvel.
Já as compras do Brasil vindas dos EUA aumentaram 14,3% e chegaram a US$ 4,35 bilhões no mês passado. Com isso, a balança comercial entre os dois países ficou negativa para o Brasil em US$ 1,77 bilhão.
O déficit brasileiro foi mencionado na conversa com Trump por Lula, quando o presidente pediu a retirada da tarifa extra sobre o Brasil.
A piora do comércio com os EUA afetou a balança comercial brasileira. O superávit do Brasil com o mundo caiu para US$ 3 bilhões em setembro, recuo de 41% ante o obtido um ano antes (superavit de US$ 5,1 bilhões).
No total, as exportações brasileiras cresceram 7,2% no mês passado para US$ 30,53 bilhões, enquanto as importações aumentaram 17,7%, somando US$ 27,54 bilhões.
ONU divulga foto de Trump assistindo ao discurso de Lula na Assembleia Geral
UN Photo / Mark Garten
‘Gostei da conversa’, disse Trump após falar com Lula
Na conversa com Trump, Lula pediu a Trump também a retirada das medidas restritivas aplicadas contra autoridades brasileiras, como a cassação de vistos e aplicação de sanções financeiras contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Segundo a BBC News Brasil apurou com uma fonte do Palácio do Planalto, a videoconferência aconteceu a pedido do lado americano.
Representantes de Trump buscaram os de Lula na semana passada para fazer os acertos.
Uma nova conversa entre os dois presidentes era esperada desde que eles se encontraram pessoalmente durante a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, quando Trump disse que houve uma “química excelente” entre os dois.
Em nota, o Palácio do Planalto afirmou que a conversa ocorreu por 30 minutos “em tom amistoso” e informou que ambos concordaram em se encontrar pessoalmente “em breve”.
“O presidente Lula aventou a possibilidade de encontro na Cúpula da Asean, na Malásia; reiterou convite a Trump para participar da COP30, em Belém (PA); e também se dispôs a viajar aos EUA.”
Trump não quis estabelecer uma nova data de encontro, mas determinou que as tratativas para isso continuem por meio dos assessores.
Na conversa, em tom amigável, Trump chegou a comentar que estava mal humorado na Assembleia da ONU com os problemas na escada rolante e no teleprompter e que a interação com Lula teria sido o lado positivo: “Pelo menos a ONU serviu para alguma coisa”, disse, segundo o relato da mesma fonte.
Ao comentar sobre o assunto na rede Truth Social, Trump disse que teve “uma ótima conversa telefônica” com Lula.
“Discutimos muitos assuntos, mas o foco principal foi a economia e o comércio entre nossos dois países. Teremos novas discussões e nos encontraremos em um futuro não muito distante, tanto no Brasil quanto nos EUA. Gostei da conversa — nossos países se darão muito bem juntos!”
Participaram, do lado brasileiro, o vice-presidente Geraldo Alckmin, os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Sidônio Palmeira (Comunicação) e o assessor especial Celso Amorim.
“O presidente Lula descreveu o contato como uma oportunidade para a restauração das relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente”, destacou ainda a nota do Palácio do Planalto.
“[Lula] Recordou que o Brasil é um dos três países do G20 com quem os EUA mantêm superávit na balança de bens e serviços”.
Ainda segundo o Planalto, Trump designou o secretário de Estado americano, Marco Rubio, para dar sequência às negociações com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
*Com reportagem adicional de Daniel Gallas