‘Arretado’: besouro inédito é descoberto na Caatinga por pesquisadores do Cemafauna


Nova espécie foi nomeada como Athyreus arretado
Gabriel Luiz Celante
Um pequeno habitante da Caatinga acaba de ganhar espaço no mundo científico. Chamado de Athyreus arretado, a nova espécie de besouro pertence ao grupo conhecido como “besouros escavadores” e foi descrita por pesquisadores do Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
O achado foi publicado no final do mês de setembro, na revista científica Zootaxa. Assim como outras descobertas, a nova descrição ajuda a ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade única do semiárido brasileiro.
Nome com ‘sotaque nordestino’
O nome curioso da espécie presta homenagem à expressão típica do Nordeste “arretado”, usada para expressar algo muito bom, legal ou impressionante. Por outro lado, também pode mostrar que alguém está irritado ou com raiva.
O apelido combina com o inseto, que mede cerca de 2,3 centímetros de comprimento e apresenta coloração marrom-avermelhada no dorso e tonalidade alaranjada na parte inferior.
“O nome escolhido foi ‘arretado’ em homenagem a nossa cultura nordestina, pelo espanto que tivemos com a beleza e as diferenças vistas nele quando foi coletado”, explica o pesquisador Benoit Jean Bernard Jahyny, coordenador do Laboratório de Mirmecologia do Cemafauna.
O material coletado integra o acervo científico do Cemafauna
Gabriel Luiz Celante
O macho se diferencia por possuir apenas um chifre central no pronoto (a “placa” localizada atrás da cabeça, ornamentado com carenas (estruturas em forma de crista) que desenham um padrão semelhante à letra “J”.
“Acredito que são estes carácteres que tornam Athyreus arretado especial. Este escudo é muito impressionante com suas carenas bem-marcadas”, explica o pesquisador.
Encontrado por acaso
A coleta do novo besouro aconteceu de forma inusitada, durante uma expedição no município de Casa Nova (BA), cujo foco eram formigas. Sendo a maioria das coletas feitas à noite, a rotina dos pesquisadores incluiu explorações pelas dunas do Rio São Francisco equipados com lanternas de cabeça.
“A luz das lanternas atrai insetos voadores que acabam batendo na gente. Um deles foi um macho de besouro que bateu no Gabriel. Ao observar o besouro, Gabriel o achou diferente daqueles já encontrados e o colocou em um pote que foi levado ao laboratório”, conta Benoit.
Além do coordenador e do cientista Gabriel Luiz Celante, assinam o artigo os pesquisadores Adhan Gabriel Carvalho, Kaylla Brisley Silva Araújo e Paula Batista Dos Santos.
No laboratório, começou o processo de identificação taxonômica. “O espécime foi montado em um alfinete que recebeu etiquetas contendo as informações da coleta como país, município, coordenadas geográficas, data de coleta e coletores”.
Segundo Benoit, cada nova espécie descrita é uma peça que se encaixa no grande quebra-cabeça da vida
Gabriel Luiz Celante
Durante o processo de identificação, o pequeno besouro não se encaixava em nenhuma das espécies já descritas do gênero. Verificaram as descrições e imagens de espécies próximas, mas, quanto mais procuravam semelhanças, mais diferenças ficavam evidentes. Concluíram que se tratava de uma nova espécie.
Mais de um ano depois, outro macho foi encontrado por acaso, quando se chocou contra o carro da equipe em uma nova expedição às dunas.
“Entre a coleta do primeiro macho, em janeiro de 2023, e a publicação da descrição da nova espécie, em setembro de 2024, se passou mais de um ano e meio. Foi o tempo de assegurar que era uma nova espécie e de reunir mais informações que foram colocadas no artigo científico”, detalha.
Desafios no campo
As coletas acontecem em regiões remotas e exigem preparo logístico. “Coletamos geralmente em regiões longe das cidades e, portanto, sem infraestruturas para alojamento e alimentação. Nestes casos, levamos todo o material necessário para acampar como barracas, colchonetes e sacos de dormir. Levamos uma caixa de isopor com gelo para a poder conservar alimentos e bebidas. Levamos bastante água potável para aguentar o calor durante o dia”.
“Porém, pela UNIVASF ter poucos veículos, a maioria antigos, e muita demanda, nem sempre conseguimos e vamos com um veículo pessoal. Literalmente pagando para fazer pesquisa”, completa o especialista.
A Caatinga impõe ainda outros obstáculos. Calor intenso, vegetação fechada e espinhosa e encontros com animais venenosos, como serpentes, escorpiões e aranhas. Além disso, há o diálogo constante com comunidades locais.
“Às vezes coletamos em áreas privadas, pedimos autorização ao proprietário, mas muitas vezes a área não tem dono próprio, pode se tratar por exemplo de uma área de fundo de pasto. Toda vez que vamos nas dunas, informamos os representantes das comunidades para eles não estranharem a nossa caminhonete, barracas nas dunas e luzes de lanternas no meio da noite.”
A Caatinga ainda guarda segredos
O gênero Athyreus possui 47 espécies distribuídas da Costa Rica até a Argentina. No Brasil, são conhecidas 26, mas apenas sete no Nordeste – agora incluindo o arretado. Mas há ainda muito trabalho a fazer sobre o registro e a descrição da diversidade deste gênero, especialmente na região Nordeste.
“Porém, nos falta tempo para fazer tudo e ainda precisamos atrair mais alunos nas áreas da taxonomia e da sistemática que são a base de todas as outras áreas que têm como objeto de estudo um organismo vivo. Por isso que a divulgação do nosso trabalho é tão importante! Vamos conseguir despertar vocações para a coleta, descrição e nomeação de novas espécies?”, provoca Benoit.
Descrever formalmente uma nova espécie é o que a torna visível para a ciência mundial e isso só ocorre quando ela recebe um nome científico. O mesmo vale para uma criança, que passa a ser conhecida pela sociedade quando tem seu nome incluído em um cartório de registro civil.
Ele reforça que esse processo não é apenas burocrático, mas essencial para a conservação – e há urgência nisso. “A descrição e nomeação de uma nova espécie é o primeiro passo para as outras áreas da ciência. O ideal seria conhecer sua história natural e compreender seu papel no habitat, por exemplo, mas também saber se ela produz moléculas ainda desconhecidas e quais atividades elas teriam”, finaliza.
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