Radioterapia utiliza radiação ionizante de alta energia para destruir células tumorais.
Rede ICC/Divulgação
A radioterapia, indicada em algum momento para até 60% dos pacientes com câncer, segue como um dos maiores gargalos do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de ser um pilar no tratamento oncológico, o país enfrenta falta de equipamentos, filas longas e desigualdade regional que comprometem a chance de cura de milhares de brasileiros.
Um alerta recente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) mostra que atrasos no início da radioterapia podem elevar o risco de morte em até 29%, além de transformar tumores com bom prognóstico em casos sem chance de cura.
O impacto dos atrasos
Cada semana de atraso pesa. Uma revisão internacional que analisou mais de 1,2 milhão de pacientes mostrou que, em tumores de cabeça e pescoço, apenas quatro semanas de espera aumentam em quase 10% a mortalidade. No câncer de colo do útero, um mês a mais antes da radioterapia pode elevar esse risco em 23%. Se a demora se estende a três meses, o impacto acumulado chega a 29%.
“Tempo é vida em oncologia. O paciente que poderia ter chance de cura corre o risco de ver a doença avançar e se tornar incurável”, afirma o radio-oncologista Gustavo Nader Marta, presidente da SBRT.
A legislação brasileira prevê que o tratamento comece em até 60 dias após o diagnóstico. Mas, na prática, o caminho é mais longo. Dados do movimento Todos Juntos Contra o Câncer divulgados com exclusividade pelo g1 mostram que, em média, o paciente do SUS espera 50 dias apenas para confirmar a doença e outros 75 para iniciar a primeira sessão.
O que é a radioterapia e quando ela é indicada
A radioterapia utiliza radiação ionizante de alta energia para destruir células tumorais. O tratamento pode ser aplicado de forma isolada, como principal estratégia contra determinados tumores, ou combinado com cirurgia e quimioterapia. Segundo a rádio-oncologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA) Raquel Guimarães, ela está presente em até 60% dos planos terapêuticos dos pacientes oncológicos.
Entre os casos mais comuns estão os cânceres de mama, próstata, pulmão, reto, colo do útero e tumores de cabeça e pescoço. A técnica também é indicada como terapia adjuvante, complementando cirurgias — por exemplo, após a retirada de um tumor de mama —, ou como tratamento neoadjuvante, antes da cirurgia, em cânceres de reto e esôfago.
Além das situações com intenção curativa, a radioterapia também pode ser usada para aliviar sintomas, como dor provocada por metástases ósseas ou sangramentos.
Nos últimos anos, avanços tecnológicos permitiram ainda técnicas mais precisas, como as chamadas radioterapias ablativas. No Brasil, porém, boa parte dos serviços do SUS ainda não consegue oferecer essas modalidades, porque dependem de equipamentos mais modernos.
Corrida contra o relógio
Adiar o início da radioterapia não significa apenas aumentar a angústia do paciente, mas também comprometer suas chances de cura.
“Quando a radioterapia não acontece no tempo adequado, muitos pacientes apresentam recidiva precoce. O retratamento não oferece a mesma chance de cura e acaba sobrecarregando um sistema já limitado”, explica Raquel Guimarães.
O efeito se reflete também nos custos. Quanto mais avançada a doença, mais complexos e caros se tornam os tratamentos. “O atraso no início adequado pode significar perda de chance de cura e maior custo tanto para o paciente quanto para o sistema de saúde”, reforça Gustavo Nader Marta.
Além do tempo, pesa também a distância. Estimativas da SBRT mostram que a jornada até um centro de radioterapia pode chegar a 167 quilômetros em média. No Norte e no Nordeste, pacientes muitas vezes precisam viajar por mais de 12 horas de ônibus ou até dias de barco para chegar ao local onde farão sessões diárias.
Estrutura que não acompanha a demanda
Com o envelhecimento da população, a estimativa é de que os casos de câncer aumentem mais de 30% até 2030. No entanto, desde a criação do Plano de Expansão da Radioterapia (PER-SUS), em 2012, o número de aceleradores lineares cresceu apenas 17%.
O balanço mais recente mostra que, das 92 soluções prometidas, pouco mais da metade foi concluída. Muitas ainda aguardam licenciamento, e parte do parque de máquinas em uso já está obsoleta, com aparelhos de mais de duas décadas, segundo a SBRT.
O impacto econômico também preocupa. Segundo a SBRT, o valor de reembolso pago pelo SUS cobre menos da metade do custo real de uma sessão de radioterapia. Na prática, isso significa que muitos serviços trabalham no limite ou até com prejuízo, o que compromete a capacidade de manter equipes qualificadas, realizar manutenções de equipamentos e investir em tecnologias mais modernas.
Hospitais filantrópicos, que concentram boa parte do atendimento oncológico no país, relatam dificuldade para sustentar os programas sem apoio externo.
“O modelo atual ameaça a sustentabilidade da rede. Se não houver revisão do financiamento, corremos o risco de ver serviços reduzindo a oferta ou até fechando portas”, afirma Marta, que também integra o Latin America Cooperative Oncology Group (LACOG).
Arte g1/ Sociedade Brasileira de Radioterapia
Urgência de ação
Diante do aumento projetado da demanda e da defasagem da rede, os especialistas ouvidos pelo g1 defendem que a prioridade seja modernizar os equipamentos, ampliar a capacidade instalada e rever a política de financiamento.
“Não basta inaugurar novas máquinas se não houver política de financiamento que permita que elas funcionem de forma contínua”, resume Gustavo Marta.
O Ministério da Saúde foi procurado pelo g1 e questionado sobre os resultados do PER-SUS, a previsão de substituição de aparelhos obsoletos e a revisão dos valores de reembolso. Até a publicação desta reportagem, não houve resposta.
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