Presente no dia a dia do brasileiro, o café também ajuda a entender a história de poder e influência no país. Em tempos de tarifaço de Donald Trump, o café voltou a ser instrumento de política e diplomacia. Na conversa com o presidente Lula, Trump afirmou estar sentindo falta de produtos brasileiros e, segundo informações da BBC News Brasil, citou diretamente o café brasileiro.
No podcast O Assunto da quarta-feira (8), Victor Boyadjian conversou com Milena Serafim, professora de administração pública da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp. Ela explicou como o grão se tornou um cartão de visita do Brasil e é fundamental para entender o cenário político interno brasileiro e também a diplomacia e a projeção internacional do país. OUÇA NO PLAYER ACIMA A PARTIR DO MINUTO 5:56
Século 19 e início do século 20
Uma das autoras do artigo “Política externa e diplomacia cultural: um overview sobre a difusão o café brasileiro nos EUA e no Japão”, Milena Serafim explicou no episódio de O Assunto que o café foi essencial para a estrutura de poder e a economia brasileira.
O café funcionou como uma espécie de “combustível” da economia no século 19. Os lucros gerados pelas safras foram investidos no comércio do centro de São Paulo – principal produtor à época – elevando a cidade à condição de metrópole.
“Quem tinha café mandava”, diz Milena, relembrando a chamada “política do café com leite”, na qual havia um rodízio de poder entre políticos de São Paulo (café) e de Minas Gerais (o leite, fruto da pecuária).
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Na primeira metade do século 20, “o café, além de commodity, virou um símbolo cultural para projetar uma imagem de país moderno do Brasil”, explica.
Milena diz que o governo brasileiro da época criou uma narrativa em que o café estava ligado a um estilo de vida.
O Brasil aproveitou a chamada política de boa vizinhança adotada pelo presidente americano Franklin Roosevelt, iniciada em 1933, para criar essa narrativa e vender o café brasileiro em solo americano.
Milena relembra que o café também foi central na gestão de crises. Após a quebra da bolsa de Nova York em 1929, o governo brasileiro queimou milhares de sacas do grão para evitar que um excedente estocado gerasse uma crise ainda maior.
O café na negociação do tarifaço de Trump
A imposição de uma tarifa de 50% pelo governo Trump contra o café brasileiro causou um aumento no preço do produto no varejo americano – no contexto em que os EUA são o país que mais compra o café brasileiro. O aumento de 20% no preço do café nos EUA fez o consumidor final sentir o impacto no bolso.
“Nosso famoso cafezinho está possibilitando uma nova rodada de conversas” entre Trump e Lula, ressalta Milena. Para ela, o impacto no mercado americano fez com que o café voltasse a se tornar um instrumento de diplomacia.
“No atual contexto, a gente volta a sentar à mesa de negociações por causa do café”, afirma a professora da Unicamp.