COP30 – Como os cientistas medem o aquecimento global?
Modelos climáticos são complexos, assim como o mundo que eles procuram representar. Eles simulam, ao mesmo tempo, o fluxo caótico da atmosfera e dos oceanos da Terra, e funcionam nos maiores supercomputadores do planeta.
Críticas à ciência do clima, como o relatório preparado em 2025 para o Departamento de Energia dos Estados Unidos, costumam apontar essa complexidade como sinal de incerteza, sugerindo que os modelos seriam pouco úteis para explicar o aquecimento atual ou prever o futuro.
A história, porém, mostra o contrário.
Os primeiros modelos climáticos fizeram previsões específicas sobre o aquecimento global décadas antes de ser possível confirmá-las.
E, quando os dados chegaram, eles estavam certos. Não se tratava apenas de antecipar a média global de aquecimento, mas também de prever padrões geográficos que só hoje conseguimos observar.
Essas primeiras simulações, iniciadas nos anos 1960, nasceram em um laboratório então pouco conhecido nos arredores de Princeton, em Nova Jersey: o Laboratório de Dinâmica de Fluidos Geofísicos (GFDL).
Grande parte das descobertas leva a marca de Syukuro Manabe, físico que dedicou a carreira a esse tema e se tornou referência mundial.
Os modelos de Manabe, baseados na física da atmosfera e dos oceanos, projetaram o mundo que hoje vemos, e também traçaram o roteiro para os modelos atuais, que seguem a mesma lógica.
Apesar de terem limitações, o histórico de acertos é o que dá confiança às previsões que fazemos hoje sobre o clima.
Foto de 2018 mostra Syukuro Manabe, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, vencedor do Nobel de Física 2021. Ele demonstrou como o aumento das concentrações de dióxido de carbono na atmosfera leva ao aumento da temperatura na superfície da Terra.
Johan Nilsson/TT News Agency via Reuters
Previsão nº 1: Aquecimento global pelo CO₂
Nos anos 1960, a primeira tarefa de Manabe no então Escritório Meteorológico dos Estados Unidos, no laboratório que viria a se tornar o atual GFDL, foi modelar com precisão o efeito estufa, ou seja, mostrar como os gases de efeito estufa retêm calor na atmosfera.
Sem esse efeito, os oceanos congelariam, e esse era o passo inicial para qualquer modelo climático confiável.
Para testar seus cálculos, Manabe criou um modelo simples que representava a atmosfera global como uma única coluna de ar e incluía elementos fundamentais do clima, como a radiação solar, a convecção de tempestades e o efeito estufa.
Apesar da simplicidade, o modelo reproduziu bem o clima da Terra. Ele mostrou ainda que dobrar a concentração de dióxido de carbono (CO₂) levaria a um aquecimento de cerca de 3 ºC.
Essa estimativa, publicada em 1967, praticamente não mudou desde então e corresponde ao que observamos atualmente. O planeta já percorreu metade desse caminho, com um aumento de 1,2 ºC, exatamente dentro da faixa prevista.
Outros gases de efeito estufa, como o metano, e a resposta mais lenta dos oceanos ao aquecimento global também influenciam a elevação das temperaturas.
Mas a conclusão geral se mantém: Manabe acertou a sensibilidade do clima da Terra.
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Simulações de 1967 mostraram que, com mais CO₂, a superfície aquece enquanto a estratosfera esfria.
Syukuro Manabe and Richard Wetherald, 1967
Previsão nº 2: Resfriamento da estratosfera
O modelo de coluna única de Manabe mostrou que, enquanto a superfície e a baixa atmosfera aqueciam com a elevação do CO₂, a estratosfera resfriava.
A temperatura dessa camada superior da atmosfera, que fica entre 12 e 50 quilômetros de altitude, depende de um equilíbrio delicado entre a absorção da radiação ultravioleta pelo ozônio e a liberação de calor pelo dióxido de carbono.
Quando o CO₂ aumenta, a atmosfera retém mais calor próximo à superfície, mas libera mais calor na estratosfera, provocando resfriamento.
Esse resfriamento foi detectado ao longo de décadas de medições por satélite e se tornou uma marca registrada do aquecimento provocado pelo CO₂. Outras causas de aquecimento, como variações na radiação solar ou os ciclos de El Niño, não geram esse padrão.
Resfriamento estratosférico.
6º Relatório de Avaliação do IPCC
Previsão nº 3: Amplificação no Ártico
Manabe usou seu modelo de coluna única como base para criar um modelo quase global que simulava apenas parte do planeta. O sistema incluía os 100 metros superiores do oceano e desconsiderava as correntes marinhas.
Em 1975, ele publicou simulações globais de aquecimento com esse modelo quase global. Novamente encontrou o resfriamento da estratosfera, mas também identificou algo novo: o Ártico aquece de duas a três vezes mais do que a média do planeta.
Esse fenômeno, chamado amplificação ártica, é hoje uma característica bem estabelecida do aquecimento global. Está presente em observações atuais e em modelos mais recentes.
O aquecimento acelerado da região explica também a perda de gelo marinho no Ártico, um dos sinais mais visíveis e dramáticos das mudanças climáticas.
Amplificação do Ártico
6º Relatório de Avaliação do IPCC
Previsão nº 4: Diferença entre terra e oceano
Nos anos 1970, Manabe começou a acoplar seu modelo atmosférico ao primeiro modelo dinâmico global dos oceanos, desenvolvido pelo oceanógrafo Kirk Bryan.
Por volta de 1990, Manabe e Bryan usaram esse modelo acoplado atmosfera-oceano para simular o aquecimento global em uma geografia realista, incluindo a circulação oceânica.
Isso levou a uma série de descobertas, entre elas a de que os continentes aquecem mais do que os oceanos, em uma proporção de 1,5 vezes.
Essa diferença pode ser observada nas medições atuais e também é explicada por princípios básicos da física, de forma semelhante ao que acontece quando o asfalto esquenta mais do que o solo úmido em um dia de sol.
O contraste tem impacto direto na vida em terra firme, já que cada grau de aquecimento global é amplificado sobre os continentes.
Previsão nº 5: Aquecimento tardio do Oceano Antártico
Talvez a maior surpresa nos modelos de Manabe tenha vindo de uma região pouco lembrada: o Oceano Antártico.
Esse vasto corpo de água ao redor do continente gelado é percorrido por ventos fortes que sopram de oeste para leste, sem barreiras de continentes nas latitudes médias do hemisfério sul. Esses ventos puxam constantemente águas profundas para a superfície.
Manabe e seus colegas descobriram que o Oceano Antártico aquecia muito lentamente quando o CO₂ aumentava na atmosfera, justamente porque a superfície era continuamente reabastecida por águas profundas que ainda não tinham se aquecido.
Esse atraso no aquecimento do Oceano Antártico também pode ser visto nas observações de temperatura.
O que tudo isso significa
Olhando para o trabalho de Manabe mais de meio século depois, fica claro que mesmo os primeiros modelos climáticos captaram as linhas gerais do aquecimento global.
As simulações anteciparam padrões que só seriam confirmados décadas mais tarde. A amplificação no Ártico foi simulada em 1975, mas só observada com confiança em 2009.
O resfriamento da estratosfera apareceu nas simulações de 1967, mas foi comprovado de forma robusta apenas recentemente.
É verdade que os modelos climáticos têm limitações, já que não conseguem prever mudanças regionais com a precisão que gostaríamos. Mas o fato de a ciência do clima, como qualquer campo, ainda ter muitas incertezas não deve nos cegar para aquilo que já sabemos.
*Nadir Jeevanjee é cientista físico pesquisador da NOAA, nos Estados Unidos, e especialista em modelos climáticos.
**Este texto foi publicado originalmente no site da The Conversation Brasil.