Como rainha virou símbolo feminino na Festa do Peão de Barretos para popularizar rodeio


Saiba como surgiu a rainha da Festa do Peão de Barretos
A professora aposentada Ana Rosa Scannavino Paro espalha pela mesa da varanda fotos dela, em preto e branco, tiradas em 1968. Na época, a jovem estudante de 18 anos foi a programas de TV e rádio, recebeu autoridades, subiu em palanques e discursou para milhares de pessoas como rainha da Festa do Peão de Barretos.
“Essa é uma das memórias afetivas mais lindas que eu tenho e eu sempre contei para os meus filhos, para os meus netos, esse momento tão significativo da minha vida, que me marcou intensamente. São lembranças maravilhosas que estão guardadas na memória e no coração”, diz, emocionada.
A rainha é um símbolo da presença da mulher no maior rodeio da América Latina. Onde quer que chegue ‘traiada’, ela defende com o coração o Barretão. “A gente aprende desde criança a curtir, a admirar, a torcer, a participar”, afirma Ana Rosa, hoje com 75 anos.
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Ana Rosa Scannavino Paro, rainha da Festa do Peão de Barretos em 1968
Acervo pessoal
O estilista Marcelo Ortale, responsável pelo traje da realeza de Barretos desde os anos 1980, equipara a relevância às rainhas de bateria, que carregam um forte sentimento por suas escolas de samba.
“É como no Nordeste a noiva da festa junina; no Rio de Janeiro, a rainha de bateria, com tantas artistas querendo o posto. Então esse modo de rainha, o nome rainha é glamour. Tem que ter o porte da soberana, do ar feminino”,
Este conteúdo integra a série especial do g1 ‘Barretão na Raiz’, sobre os 70 anos da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, considerada o primeiro evento do gênero no Brasil e o maior da América Latina. As reportagens voltam no tempo para contar fatos curiosos das primeiras edições.

Da venda de votos à escolha de uma porta-voz
As primeiras rainhas assumiram o título mobilizando a sociedade em uma disputa com a venda de votos. As eleitas participavam da festa e de outros eventos, como desfiles cívicos, ao lado das misses. A primeira delas foi Lecy Correa de Moraes.
Mais tarde, o clube Os Independentes, criador da Festa do Peão, passou a indicar sua representante. Eram escolhidas belas mulheres e de famílias tradicionais.
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A rainha Ana Rosa Scannavino Paro com convidados da Festa do Peão de Barretos em 1968
Acervo pessoal
Em 1968, a jovem Ana Rosa, que estudava em um colégio de freiras em Barretos, mudou o papel da rainha. Os Independentes buscavam uma moça com desenvoltura para dar entrevistas e divulgar a festa, falar ao público com desembaraço, estar com diferentes pessoas, desde meros visitantes até políticos. Ser a porta-voz.
“Eles foram lá no Colégio Maria Auxiliadora, onde eu estudava, conversaram com a irmã responsável e perguntaram: ‘A senhora tem aqui alguma moça desembaraçada, que pode subir ao palco, sabe falar com facilidade e pode divulgar a festa?’. Aí as irmãs do colégio me indicaram”, conta.
A estudante aceitou a missão de ‘mandar o recado’ e assumiu a coroa — no caso do rodeio, o chapéu — e passou 15 dias em São Paulo (SP) com membros do clube Os Independentes divulgando a festa. O pai concordou desde que estivesse com ela o tempo todo. E assim foi.
“Eu tive a oportunidade de ir ao programa do ‘Moacyr Franco Show’, no ‘O Almoço com as Estrelas’, do Airton Rodrigues e da Lolita, no Programa Silvio Santos, sempre fazendo propaganda da festa. ‘Compareçam a Barretos, assistam à maior festa folclórica da América Latina’”, diz Ana Rosa, relembrando o convite que fazia ao público nas emissoras.

O traje era providenciado pela própria família da rainha. Nas fotos antigas, Ana Rosa aparece usando chapéu, botas, coletes, camisas e, claro, a faixa do título.
Em uma ocasião durante a Festa do Peão, acompanhou o então governador de São Paulo, Laudo Natel.
“Eu marquei um período da Festa do Peão de transição, onde a rainha deixou de ser aquela pessoa escolhida pelos Independentes, que desfilava num carro no dia do aniversário da cidade, para ser uma rainha ativa que recebia as autoridades. Eu sempre era solicitada para falar e isso eu fiz, eu penso, que com competência.”
Glamourização
Já nos anos 1970, uma nova mudança na escolha da rainha. Os Independentes passaram a promover um concurso para eleger a majestade. As jovens desfilavam em passarela, assim como nos concursos de miss, e eram analisadas por um júri.
Um jovem estilista chamou a atenção por sua criatividade envolvendo o universo do rodeio. Marcelo Ortale foi convidado a vestir uma das concorrentes e ela venceu o concurso em 1984.
“A Vanilda Vieira era uma saia ampla e usava duas cores em vermelho e cinza. A blusa tinha um chale enorme, todo retalhado que eu detalhei a mão mesmo. Depois colocamos tachas pesadas e com ilhós, era um material bem rústico e a gente não tinha opções de strass. Strass naquela época seria como se fosse um diamante hoje, era caríssimo.”
Marcelo Ortale é o estilista das rainhas da Festa do Peão de Barretos desde os anos 1980
Érico Andrade/g1
Depois da vitória, Ortale passou uma temporada em São Paulo (SP) em um ateliê, para aprender a trabalhar o couro. Já os primeiros croquis com as roupas cheias de franjas foram feitos na casa dele mesmo.
“Era um outro perfil até eu chegar na chaparreira, que são as calças que os peões usam no rodeio, só que com o lado feminino.”
Mas Ortale lembra que os primeiros trajes eram desconfortáveis, chegavam a pesar dez quilos e eram muito quentes. Ele corrigiu os erros e passou a atender alguns pedidos das jovens até chegar ao traje luxuoso que as rainhas ostentam hoje.
“As próprias candidatas, a partir de 2000, gostavam de mostrar mais o abdômen. E eu fui valorizando o corpo das moças. Muita franja. Quanto mais franja, mais é o Marcelo Ortale. Hoje você vai na 25 de Março, como eu vou em São Paulo, e faço a festa de material nobres que os chineses importam para o Brasil, sabe? É muito legal.”
Em meio à fama da Festa de Barretos, Ortale vestiu famosas. Adriane Galisteu, Ana Maria Braga, Grazi Massafera, Gabi Martins. Junto com a figurinista Marília Carneiro ajudou na novela “América”, exibida pela TV Globo em 2005. Na trama, a atriz Samara Felippo, viveu a personagem Detinha, que foi rainha.
Gabi Martins em dia de rainha da Festa do Peão de Barretos 2022
Érico Andrade/g1
Papel disputado
Fernando Moni, diretor social do clube Os Independentes, é o responsável por organizar o concurso há pelo menos 40 anos. Ele estima que de 400 a 500 jovens já tenham disputado o título, o que gera uma comoção na cidade.
Ser nascida em Barretos é um dos quesitos obrigatórios para a inscrição por causa da necessidade de conexão com a festa. É preciso dominar o assunto.
A beleza soma pontos, claro, mas Moni destaca o legado deixado pela rainha Ana Rosa quase seis décadas atrás. “Então não é só a beleza que ganha, o que ganha é desenvoltura.”
Em julho, Lara Peghim, de 19 anos, foi eleita rainha da edição histórica que celebra os 70 anos da Festa do Peão. A estudante de administração frequenta o rodeio desde criança e sempre sonhou com o título.
Requisitada, já atende aos pedidos de fotos, comparece aos eventos oficiais, participa de programas, dá entrevistas, usa o Instagram para promover a festa. Até 2026, é ela a soberana do rodeio.
A rainha Ana Rosa, em 1968, e Lara Peghim, rainha da Festa do Peão de Barretos 2025
Acervo pessoal e Érico Andrade/g1
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