Conheça as boieiras do Ver-o-Peso, que prometem servir ‘PF amazônico’ a visitantes da COP 30


Fátima Ferreira, Roseane Gomes e Osvaldina Ferreira são boieiras no Ver-o-Peso, em Belém.
Dyuri Joicram / g1
O Solar da Beira, o Mercado de Peixe, o Mercado de Carne, as erveiras, os temperos e o talento dos artesãos. Tudo isso faz parte do Complexo do Ver-o-Peso, que abriga a maior feira a céu aberto da América Latina, em Belém. Para dar energia às milhares de pessoas que passam por lá todos os dias, entram em cena as boieiras.
🥘 O g1 foi até o “Veropa” — como a feira é carinhosamente chamada pelos paraenses — para conhecer de perto e compartilhar a história de algumas dessas mulheres, reconhecidas como patrimônio cultural de Belém desde 2018 e que prometem oferecer o “PF amazônico” para os visitantes da COP 30.
Mas afinal, o que é ‘boieira’?
Subindo as escadas da feira está o box 52, da Osvaldina Ferreira. Aos 76 anos, ela já dedica 53 à profissão e explicou o que é ser boieira.
“Boieira é quem prepara a ‘bóia’. A boia é feita como uma comida para peão. Na hora do intervalo do trabalho, no almoço, para encher o bucho.
😋 No Pará, a “bóia” é o famoso “PF” e vai desde pratos típicos do dia a dia do paraense, como o peixe-frito com açaí, ao tão conhecido picadinho de carne incrementado com os temperos locais. Para os visitantes, turistas e estrangeiros que vão movimentar a cidade durante a Cúpula do Clima em novembro, dona Osvaldina já sabe a pedida.
“Vou oferecer meu peixe-frito com açaí. Não tem erro. Vão gostar e muito”, revelou.
“Ver-a-Bóia”
Peixe frito com charque (carne seca) e açaí são preparados pelas boieiras.
Juliana Bessa / g1
🤝 Há 398 anos, o Ver-o-Peso se mantém como um polo econômico e cultural da Amazônia. A alimentação, com ingredientes fresquinhos, é parte essencial da rotina do espaço. O historiador Márcio Neco contextualizou:
“O Complexo do Ver-o-Peso, desde a origem, sempre foi um importante centro comercial, um local de intensa atividade social, de venda e troca de mercadorias. Naturalmente, a presença de pessoas trabalhando nesse ambiente gerou a necessidade de oferta de alimentos e refeições.”
Ele reforçou que são essas mulheres que perpetuam um conhecimento culinário ancestral. Embora o modelo atual, com os boxs, seja relativamente recente, a prática da venda de alimentos é muito antiga.
Segundo ohistoriador, a culinária exótica não é o foco. As boieiras preservam os saberes da gastronomia regional incorporando diversas influências em pratos do dia a dia paraense e brasileiro.
“Uma comida para ser boa tem que ser feita com amor. Se for só para ganhar dinheiro e fazer ‘às três porradas’, mas antes nem fazer. Eu tenho orgulho de dizer que eu sou boieira, que alimento as pessoas. […] O Ver-o-Peso é a minha casa”, disse dona Osvaldina com o vocabulário paraense afiado.
Guardiãs dos sabores paraenses
👭 Essa paixão e dedicação pela alimentação foram passadas adiante. Fátima Ferreira, a filha mais velha de dona Osvaldina, praticamente nasceu no Ver-o-Peso. Ela já acumula 35 anos de feira, sendo três décadas à frente do box 46. “Cheguei aqui com 14 anos”, relembrou.
A rotina da boieira começa cedo. Às cinco da manhã Fátima já está de pé. Às 6h30 chega ao complexo para organizar o box e os primeiros preparos dos pratos. Quem ajuda na feira do dia é a própria filha, Duesiane Buriti, de 34 anos.
“Sendo boieira, eu criei meus filhos e meus netos. Estou até hoje aqui por ser uma boieira e gosto de ser uma boieira”, afirmou Fátima com um sorriso que reflete a resiliência e a entrega à profissão.
😁 O sorriso é, aliás, uma marca de todas elas, que transmitem o “gostinho de casa” no sabor. Seja por laços de sangue ou por amor à culinária paraense, as boieiras do Ver-o-Peso são uma grande família.
Também há três décadas no Veropa, Rosene Corrêa, de 51 anos, comanda o box 43 e enxerga tudo isso como uma missão.
“Eu enxergo como uma missão mesmo, repassar para as outras pessoas o que a gente tem de bom e o orgulho de trabalhar com o que a gente tem. O Pará é maravilhoso, tem de tudo”, falou Rose, como gosta de ser chamada.
Rose mora em Icoaraci, distrito de Belém, distante 20 km do Complexo no centro da cidade. Para chegar ao Ver-o-Peso, ela faz uma viagem de mais de uma hora de ônibus todos os dias, bem cedo.
Mas, segundo Rose, o desafio é outro: o calor no local. Mesmo com cobertura para proteger do sol, a estrutura é baixa, o que afeta a ventilação.
O espaço onde as boieiras ficam passou por obras de reforma recentemente. De acordo com as trabalhadoras, o nível do chão subiu, foi elevado, mas as tendas continuaram na mesma altura. O g1 questionou a prefeitura de Belém sobre a situação, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Um convite às ‘bóias’ do Veropa
🌎 Mesmo com as dificuldades, as boieiras continuaram e continuam com total dedicação. Foi com o propósito de levar o trabalho dessas mulheres para o mundo que o chef paraense Paulo Martins criou o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense em 2003.
“O pessoal dizia que no Ver-o-Peso não tinha cozinheira, que ninguém sabia cozinhar. Foi por isso que ele fez esse festival, para mostrar as cozinheiras que estavam escondidas, que ninguém conhecia. Quando os chefs de renome viram a habilidade delas ficaram de boca aberta e tiraram o chapéu para o Paulo”, relembrou dona Osvaldina, que participa do festival desde a primeira edição.
Chef Paulo Martins foi pioneiro na valorização da gastronomia amazônica, que hoje ganha o mundo.
Divulgação
🐟 O Ver-o-Peso já era conhecida pelo intenso comércio de peixes, açaí e temperos, mas, até então, pouco se falava sobre as cozinheiras habilidozas que alimentavam quem passava por lá.
Paulo convidava chefs de outros estados e países para conhecer as boieiras durante o festival. Para as boieiras, o chef paraense foi importante para que o trabalho delas fosse conhecido e reconhecido e para que os ingredientes amazônicos se popularizassem.
Paulo Martins morreu em 9 de setembro de 2010, vítima de complicações da diabetes. Como legado, ele deixou três filhas, que seguem com o trabalho na gastronomia e com o festival. Após uma pausa, o Ver-o-Peso da Cozinha Paraense retornou este ano para a 15ª edição.
O evento, que ocorre nos finais de semana de setembro, começou no último dia cinco e vai até este domingo, dia 21. Confira a programação abaixo.
Chefs na Praça e Farofada: 20 e 21 de setembro
📍Praça Batista Campos – travessa Padre Eutíquio, Belém
Aberto ao público, o evento será um encontro entre gastronomia, cultura e música paraense. No local, estarão presentes 12 chefs paraenses, os quais apresentarão pratos a preços que variam de R$ 15 a R$ 35. Além disso, ainda terá o desafio da criação de versões de farofas com temperos amazônicos.
Pais com bebê de colo almoçam em um dos box na hora do almoço: garantindo a bóia.
Juliana Bessa / g1
Peixe frito com açaí é o carro chefe das boieiras do Ver-o-Peso.
Juliana Bessa / g1
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