Turismo predatório muda realidade em área de preservação na cidade da COP 30.
Fábia Sepêda / TV Liberal
Partindo do porto de Belém no Rio Guamá, em menos de 10 minutos de lancha, é possível trocar a confusão urbana de uma metrópole, pela calmaria da floresta amazônica. Ou era… Desde que o turismo “descobriu” uma ilha chamada “Combu”, a vida dos ribeirinhos da região nunca mais foi a mesma.
Nascido e criado nessa ilha, onde não há ruas e a locomoção é feita apenas pelas águas, Ronaldo Pinho, 41 anos, ganha dinheiro com a coleta extrativista de açaí – fruto amazônico que ganhou fama pelo mundo – e da pesca de peixe e camarão. Mais recentemente, se tornou também piloto de embarcação. As circunstâncias o levaram a este novo ofício. É que o número de turistas querendo navegar pelos rios que ele cresceu navegando, aumentou exponencialmente na última década. Eles são atraídos pela expectativa de vivenciar a Amazônia há poucos minutos da cidade, usufruindo da infraestrutura de restaurantes e pousadas construídos ao longo do leito do rio.
O aparecimento desses turistas demanda cada vez mais embarcações, que faz empresários construírem ainda mais empreendimentos, o que atrai mais turistas… e segue o ciclo. Foi aí que Ronaldo viu a oportunidade financeira. Em uma rápida travessia transportando passageiros na sua lancha com 20 lugares, ele arrecada 240 reais.
“O turismo mudou muito a vida aqui. Abriu vagas de empregos e hoje não precisamos sair da ilha para buscar essas oportunidades, o que considero uma mudança muito importante”, atesta, mas em seguida faz um relato preocupante: “O camarão, por outro lado, desapareceu do nosso rio. Antes tínhamos em grande quantidade e hoje não conseguimos mais pescar. Alguns dizem que é o fluxo de muitas embarcações circulando o dia todo”.
O turismo de lazer que transformou a economia da ilha está colapsando o ecossistema da região. O desaparecimento de peixes e mariscos é só um dos muitos prejuízos.
“Nós conseguimos perceber, por exemplo, que em locais onde está a maior concentração de empreendimentos parte da vegetação está toda dentro do rio. Lanchas e motos aquáticas em alta velocidade geram ondas que, em ritmo mais acelerado que o natural, corroem a margem e provocam assoreamento”. O relato é de Raquel Ferreira, que junto com o marido fundaram em 2019 uma agência de turismo.
Pelo menos uma vez por semana ela faz a travessia em direção à ilha do Combu levando turistas. Nessa rotina, observa de perto a devastação. Quanto mais empreendimentos surgem, mais árvores desaparecem. É inegável que a chegada de visitantes transformou positivamente a vida financeira de moradores.
O problema, segundo Raquel, está no descontrole desse acesso. Desde 1997, a ilha é área de proteção ambiental, o que, pela lei brasileira, exige a proteção da biodiversidade, regulação da ocupação humana e garantia do uso sustentável dos recursos naturais. Mas na prática, não há ninguém fiscalizando o cumprimento da lei.
As condições de vida na Ilha do Combu estão cada vez mais precárias. Tudo isso há poucos minutos do centro urbano de Belém, que ironicamente, é cidade sede da COP 30, onde em novembro líderes mundiais irão se reunir para debater adaptação e mudanças climáticas.
Há muito tempo Belém não é exemplo para o mundo. E nem dá indícios de que agora será. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, identificou que a cidade é a sexta capital menos arborizada do Brasil. Mais de 55% da população vive em ruas sem árvores. E, ressalto: isso ocorre em plena região Amazônica, onde está a maior floresta tropical do mundo.
A localização de Belém é privilegiada: a capital de dois milhões de habitantes é rodeada por rios e tem 42 ilhas com praias e floresta em seu entorno. Ainda assim, a CarbonPlan, uma organização sem fins lucrativos, estima que Belém pode se tornar a segunda cidade mais quente do mundo até 2050.
Consequências de mudanças climáticas em uma metrópole com crescimento urbano desordenado, perda acentuada de cobertura vegetal e ineficiência na preservação da floresta nativa mesmo em áreas de proteção ambiental, como é o caso da Ilha do Combu.
E já que voltamos a falar da ilha, o cenário de devastação acelerada é tão preocupante, que um pesquisador da Universidade Federal do Pará, uma das instituições mais importantes da região Amazônica, mapeia há três anos os impactos desse processo de urbanização. “Na prática, a especulação imobiliária de não nativos avança sobre a população ribeirinha, rebaixando os nativos a meros prestadores de serviço dos que chegam”, constata o pesquisador Jonathan Nunes.
O estudo pontua aspectos que não melhoraram, apesar da circulação do dinheiro do turismo: o desmatamento, o descarte irregular de lixo, a poluição dos rios e ausência de saneamento e água potável, o que obriga moradores – mesmo rodeados de rio – a atravessar até Belém apenas para comprar galões de água para beber.
Apesar circulação do dinheiro do turismo, ilha tem aumento no desmatamento, no descarte irregular de lixo, poluição dos rios e ausência de saneamento e água potável.
Fábia Sepêda / TV Liberal
Ao fazer roteiros para o Combu, Raquel leva grupos de no máximo 20 pessoas, aplicando o turismo de base comunitária, um modelo desenvolvido para incluir comunidades locais respeitando tradições e meio ambiente.
“Nosso objetivo é mostrar que o turismo sustentável pode ser um aliado da conservação e do desenvolvimento local, desde que planejado com responsabilidade. A Amazônia não é apenas uma paisagem, ela são as pessoas que vivem nela e é nessa forma de mostrar a Amazônia que a gente acredita que o turismo pode ser sim um agente transformador”, defende.
Após anos se despedindo de vizinhos que deixaram a ilha fugindo do fluxo desordenado de turistas, Ronaldo espera que a visibilidade que Belém tem ganhado com a COP 30, possa finalmente levar transformação e dignidade aos moradores do Combu.
“Precisamos de mais fiscalização, que o poder público olhe com carinho para nossas ilhas e traga benefícios que realmente possam nos ajudar a melhorar esse pedaço de floresta que chamamos de casa”.
*O texto foi inicialmente divulgado no jornal diário Alemão taz e foi escrito como parte do workshop Green Panter Amazônia organizado pela Fundação taz Panter.
Ilha do Combu, há 15 minutos da capital, é destino para quem quer aproveitar final do mês
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