Riscos em comer alimentos processados e ultraprocessados
Nos próximos dois anos, as escolas públicas e particulares do Ceará irão se adequar para praticamente zerar o consumo de alimentos ultraprocessados e açucarados. As medidas constam em lei estadual sancionada pelo governador Elmano de Freitas, no dia 18 de setembro.
O objetivo é reduzir drasticamente a presença de alimentos fabricados com mais etapas de processamento industrial e com substâncias sintetizadas, como corantes, conservantes e aromatizantes.
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Alguns exemplos de alimentos ultraprocessados são: achocolatados, biscoitos, salgadinhos de pacote e refrigerantes. Especialistas ouvidas pelo g1 explicam os riscos do consumo excessivo destes produtos, considerados vilões para a saúde e para os hábitos alimentares (veja mais detalhes abaixo).
Alimentação com opções frescas e minimamente processadas é estimulada nas escolas do Ceará
Fábio Tito/g1
Enquanto as escolas públicas deverão ter exclusão de 100% dos ultraprocessados no ano letivo de 2027, as escolas particulares terão um prazo de dois anos para se adequar — ou seja, até setembro de 2027.
O que diz a lei
A legislação aprovada no Ceará vale tanto para as refeições servidas na merenda escolar como para os produtos oferecidos nas cantinas de toda a rede de educação.
Confira o que diz a lei:
É proibido o fornecimento, a comercialização e a publicidade dos alimentos ultraprocessados e açucarados no ambiente escolar.
A proibição se estende ao comércio ambulante no entorno das escolas, como nas calçadas e na quadra em que se situa cada unidade.
As redes públicas municipais deverão alcançar 100% de alimentos in natura ou minimamente processados no ano letivo de 2027.
As escolas da rede particular e as cantinas terceirizadas que funcionam nestas unidades terão o prazo de dois anos (até setembro de 2027) para adequar o funcionamento, os processos produtivos e a relação com os fornecedores.
Conforme previsto na legislação, as unidades terão prazos diferentes para a execução da medida. Confira abaixo:
Escolas públicas estaduais terão proibição imediata.
Escolas públicas municipais terão que reduzir a aquisição de ultraprocessados para apenas 10% em 2026. Este percentual está previsto em resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Escolas privadas terão dois anos para se adaptar à legislação estadual.
O projeto, proposto ainda em 2019 e com tramitação retomada em 2023, foi aprovado pelos deputados na Assembleia Legislativa no dia 17 de setembro.
A aprovação do projeto, de autoria dos deputados Renato Roseno (Psol) e Missias Dias (PT) ocorreu um dia antes da realização da reunião da 2ª Cúpula Global da Coalizão para a Alimentação Escolar, com autoridades e especialistas de mais de 80 países.
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O evento foi sediado em Fortaleza no dia 18 de setembro, incluindo a cerimônia em que o governador Elmano de Freitas sancionou a lei.
Com a medida, o Ceará é o primeiro estado brasileiro a ter uma lei estadual sobre o tema após a publicação de decreto presidencial, em 2023, com diretrizes sobre a alimentação no ambiente escolar.
Cidades como Niterói e Rio de Janeiro tiveram leis municipais com restrições semelhantes.
Prioridade para comidas menos processadas
Merenda escolar em Fortaleza
Alcides Freire/Prefeitura de Fortaleza/Divulgação
A legislação no Ceará busca promover nas escolas uma alimentação baseada no equilíbrio e na variedade de fontes de proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais.
Conforme o texto, a preferência deve ser dada para os alimentos in natura, orgânicos e minimamente processados.
Os tipos de alimentos trazidos na lei estadual seguem as definições do Guia Alimentar para a População Brasileira, divulgado em 2014 pelo Ministério da Saúde.
Confira a classificação dos alimentos conforme o tipo de processamento, segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira:
Alimentos in natura: são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais e não sofrem alterações após deixarem a natureza.
Alimentos minimamente processados: alimentos in natura submetidos a processos de limpeza, como remoção de partes não comestíveis ou indesejáveis, fermentação, congelamento e processos similares que não envolvam agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias.
Alimentos processados: são alimentos in natura fabricados pela indústria com adição de sal, açúcar ou outra substância de uso culinário. Os produtos são diretamente derivados de alimentos e são reconhecidos como versões dos alimentos originais.
Alimentos ultraprocessados: são formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários aditivos).
O documento elaborado pelo Ministério da Saúde ajuda a população a fazer escolhas pelos alimentos de maior qualidade, como aponta a nutricionista Andressa Fontes.
Ela explica que, nos alimentos minimamente processados, existe um grau bem menor de intervenções. Alguns exemplos são o arroz e o feijão, que passam por um processos simples de limpeza e polimento, além de serem empacotados.
Quando se trata de alimentos ultraprocessados, ela detalha que as alterações fazem com que o resultado não seja um alimento, mas um produto alimentício.
Conforme Andressa, os termos trazidos na composição dificilmente são associados à ‘comida de verdade’: corante, emulsificante, frutose, e xarope de milho são alguns exemplos. Os componentes adicionados ajudam a conservar os produtos por mais tempo e a simular sabores e aromas.
“É importante que as pessoas compreendam que ali a gente tem realçadores de sabor, então é gostoso mesmo. Então, quanto mais cedo as crianças são expostas, mais elas querem. E é por isso a importância de esse alimento [ultraprocessado] não estar dentro do ambiente escolar”, comenta Andressa.
Aditivos alimentares e ultraprocessados
Freepik
Os exemplos de alimentos ultraprocessados detalhados pelo Ministério da Saúde são:
Vários tipos de biscoitos
Sorvetes
Balas e guloseimas em geral
Cereais açucarados para o café da manhã
Bolos e misturas para bolo
Barras de cereal
Sopas, macarrão e temperos ‘instantâneos’
Molhos
Salgadinhos ‘de pacote’
Refrescos e refrigerantes
Iogurtes e bebidas lácteas adoçados e aromatizados
Bebidas energéticas
Produtos congelados e prontos para aquecimento, como pratos de massas, pizzas, hambúrgueres e extratos de carne de frango ou peixe empanado (como nuggets)
Salsichas e outros embutidos
Pães de forma
Pães para hambúrguer ou hot dog
Pães doces e produtos panificados cujos ingredientes incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos
Para Rafaela Sampaio, nutricionista e especialista em Nutrição Infantil, os produtos considerados açucarados também costumam ter alto teor de gordura ruim e sódio.
Obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e alterações no colesterol são alguns dos problemas associados ao consumo excessivo de ultraprocessados e açucarados. Ela aponta que o risco é maior quando estes hábitos começam na infância e na adolescência.
“Essa fase é muito decisiva para o desenvolvimento do paladar, além da formação dos ossos, do sistema imunológico. Tem também a formação de hábitos. Os hábitos que são construídos ali na infância tendem a acompanhar a vida adulta”, destaca Rafaela.
Para ela, a legislação sobre os ultraprocessados nas escolas favorece a educação alimentar, facilitando o acesso às refeições balanceadas e a um ambiente preparado para estimular escolhas mais saudáveis.
Desafios e brechas na legislação
Alimentação saudável e educação nutricional são pontos estratégicos para crianças e adolescentes
Freepick
Garantir uma alimentação saudável nas escolas é uma missão que enfrenta alguns desafios. Com atuação há nove anos como pedagoga e nutricionista no ambiente escolar, Rafaela Sampaio aponta que a capacitação contínua das equipes e a presença de profissionais nas unidades ainda não é uma realidade para todas as redes de ensino.
A nutricionista Pabyle Flauzino, doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que a rede pública conta com nutricionistas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) voltados para a qualidade da alimentação nas unidades.
Para ela, a merenda escolar da rede pública é vista como estratégica, tanto para garantir a segurança alimentar de quem depende da unidade para poder fazer refeições como para fortalecer a cultura alimentar de cada região.
Ela contextualiza que a lenta tramitação da lei aprovada no Ceará reflete a dificuldade em levar adiante a mesma pauta a nível nacional, enfrentando resistência das empresas vinculadas aos alimentos ultraprocessados e açucarados.
Algumas exceções na legislação aprovada no Ceará são consideradas por ela como grandes brechas. O texto foi aprovado com algumas exceções, dificultando a tarefa de impedir totalmente a entrada destes produtos nas escolas.
Os pontos foram flexibilizados após diálogos com representantes das escolas particulares. Dentre as exceções, está a possibilidade de continuar utilizando os ultraprocessados para alunos do Ensino Médio na rede privada.
Confira as exceções aprovadas no texto:
A proibição não se aplica à venda de alimentos em festas, comemorações ou eventos abertos à comunidade escolar. No entanto, as unidades devem dar preferência à promoção da alimentação saudável nestas ocasiões.
Para as escolas particulares, existe a opção de não proibir os ultraprocessados e açucarados para alunos do Ensino Médio. Nestes casos, as escolas devem promover campanhas educativas sobre o tema.
A proibição também não se aplica aos alimentos trazidos de casa pelos estudantes. É facultado a cada escola fixar regras para os alimentos trazidos por eles.
Alguns destes ajustes foram defendidos pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Educação e Ensino da Livre Iniciativa do Estado do Ceará (Sinepe-CE), que também defendeu o prazo de adequação para as instituições privadas.
Durante o período de adaptação, até setembro de 2027, as escolas devem desenvolver campanhas educativas sobre o tema e podem firmar parcerias com o Poder Executivo.
Conforme divulgou o sindicato, os ajustes buscam um equilíbrio entre a promoção de hábitos saudáveis e a defesa da autonomia pedagógica e da sustentabilidade das escolas particulares.
O g1 solicitou entrevista com um representante do Sinepe-CE para discutir as exceções defendidas pelo órgão na legislação estadual. Não houve retorno à solicitação de entrevista até a publicação desta reportagem.
Como explica a nutricionista Pabyle Flauzino, a flexibilização para o Ensino Médio pode ser prejudicial por deixar de incluir os adolescentes na proposta de uma alimentação saudável.
“A criança, de alguma maneira, ainda fica um pouco mais dependente, e o adolescente começa a desbravar, ter poder de escolha. Eu acho que foi uma brecha muito grande, porque ele [adolescente] é muito mais suscetível, inclusive, às pressões sociais, ao marketing da indústria de alimentos. E aí, ele ficou sem essa proteção nesse momento”, comenta.
A pesquisadora também contextualiza que a possibilidade de levar os alimentos de casa é uma realidade vivenciada apenas na rede privada. Para as escolas públicas, os estudantes devem seguir o cardápio das escolas, salvo em situações de exceção e com anuência das unidades.
Ainda de acordo com a nutricionista e pedagoga Rafaela Sampaio, nos casos em que a escola permite que os alunos levem os próprios alimentos, é necessária uma abordagem que contemple toda a família.
Segundo a profissional, isso vale também para as situações em que a escola promove um ambiente de educação nutricional, sem encontrar um reflexo disso no contexto familiar.
“Envolver pais, responsáveis e cuidadores é essencial para que o aprendizado se estenda para casa, garantindo coerência nas escolhas e tornando as crianças protagonistas da própria saúde”, defende Rafaela.
Diretrizes nacionais
A legislação aprovada no Ceará segue as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que foi previsto em uma lei nacional de 2009 para incentivar o consumo de alimentos naturais, orgânicos ou minimamente processados.
Atualmente, o programa tem investimentos de R$ 5,5 bilhões a nível nacional, garantindo diariamente 50 milhões de refeições em 150 mil escolas atendidas.
Uma das diretrizes do PNAE é a destinação de 30% dos recursos para a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar.
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