Entenda o que significa substituir o dólar nas transações internacionais, medida defendida por Lula

Na Indonésia, Lula critica protecionismo às vésperas de encontro com Trump
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quinta-feira (23) a substituição do dólar norte-americano por moedas nacionais em transações entre países.
Essa ideia também é defendida pela China e outros países emergentes, mas não agrada ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que já se manifestou publicamente contra a iniciativa.
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Entenda abaixo o que significaria essa substituição, em termos práticos, e também suas eventuais vantagens e desvantagens:
Primeiro, o que aconteceu
O discurso de Lula foi no Palácio presidencial de Merdeka, em Jacarta, capital da Indonésia. Ele falou ao lado do presidente Prabowo Subianto.
“Nós queremos multilateralismo e não unilateralismo. Nós queremos democracia comercial e não protecionismo. […] Tanto a Indonésia quanto o Brasil têm interesse em discutir a possibilidade de comercialização entre nós dois ser com as nossas moedas. Essa é uma coisa que nós precisamos mudar”, disse Lula.
O papel do dólar no comércio global
Desde o Acordo de Bretton Woods, em 1944 (quando países se reuniram para discutir o sistema financeiro do pós-guerra), o dólar tornou-se a moeda-padrão no comércio internacional.
A aceitação universal e a ligação com instituições financeiras globais solidificaram o dólar como como referência mundial.
Por ser uma moeda forte e estável, é mais fácil de ser usada como padrão. Moedas mais fracas teriam mais dificuldade de aceitação.
Transações comerciais entre países, incluindo os emergentes, tradicionalmente envolvem a conversão de moedas locais para o dólar.
Por que países em desenvolvimento querem romper com esse padrão?
A substituição do dólar por outras moedas vem sendo defendida pelo Brasil e outros países em desenvolvimento, como China e Rússia.
O tema é muito discutido dentro do Brics, grupo de países emergentes que tem como membros fundadores Brasil, China, Rússia e Índia.
Um dos motivos é justamente a vulnerabilidade em caso de oscilações na política monetária dos Estados. O país vem sendo estável economicamente há várias décadas, o que torna remoto o risco a curto prazo de as transações em dólar virarem um problema para os emergentes.
Mas há outros motivos — especialmente geopolíticos — pelos quais os Brics estão discutindo a substituição.
Um deles foi exclusão de bancos russos do sistema SWIFT, após o país presidido por Vladimir Putin ter invadido a Ucrânia, há 2 anos e 11 meses. Essa foi uma das sanções sofridas pela Rússia desde então.
🔍O SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é um sistema de mensagens global utilizado por instituições financeiras para realizar transações financeiras de maneira segura e padronizada
Excluída do SWIFT, a Rússia passou a reivindicar transações em outras moedas, que não o dólar, para não ficar muito dependente do sistema internacional e não ver suas transações minguarem.
A China, grande parceira comercial da Rússia, tem se aproveitado para incentivar as negociações em sua moeda local, o yuan, como forma de fortalecer sua economia.
No ano passado, quando a Argentina enfrentava um agravamento de sua crise financeira que já se arrasta há anos, a China financiou o país sulamericano em yuan. A Argentina estava com dificuldade de obter fundos em organismos internacionais.
Para a China, portanto, uma maior influência do yuan em relação ao dólar é um passo crucial em seu objetivo de ultrapassar os Estados Unidos como maior economia do mundo.
O descontentamento de Trump
Trump já disse publicamente que vai impor taxas adicionais a produtos do Brics caso o grupo substitua o dólar em suas transações.
Atualmente, vigora uma taxa dos EUA de 50% a alguns produtos brasileiros, inclusive o café, um dos itens mais exportados pelo país.
O Brasil tenta reverte esse tarifaço. Há a expectativa de um encontro entre Lula e Trump na Malásia no domingo (26). Para analistas, a fala do presidente sobre substituir o dólar pode ser um embaraço para as negociações.
Em conversas entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, o tema das moedas nacionais em transações do Brics foi colocado pelo norte-americano como indesejado pelo seu país.
Projeto ainda é inicial
Rússia e China têm liderado lideram o uso de moedas nacionais em transações bilaterais, como forma de minimizar os efeitos das sanções ocidentais.
Além disso, no ano passado, o Banco Central do Brasil firmou um memorando de entendimentos com o Banco Central da China para facilitar transações comerciais diretas entre o real e o yuan, sem a necessidade de conversão para o dólar americano. Essa medida visa agilizar e reduzir os custos das operações comerciais entre os dois países.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), chamado de Banco dos Brics, financia projetos em moedas locais, reduzindo a dependência de instituições ocidentais, como o FMI e o Banco Mundial.
Mas a substituição do dólar nas transações do bloco ou a criação de uma moeda própria dos Brics ainda não é uma perspectiva no curto prazo.
Riscos
Especialistas em comércio exterior apontam alguns riscos para a substituição do dólar na atual conjuntura mundial.
Menos estabilidade: o dólar é a moeda mais segura e líquida do mundo. Substituí-lo aumentaria a volatilidade e o risco de crises cambiais. Isso tornaria a economia mais vulnerável a choques externos.
Crédito mais caro: dívidas internacionais são denominadas em dólar. Mudar de referência elevaria os juros cobrados por investidores. O custo de financiamento público e privado subiria.
Falta de alternativa confiável: nenhuma moeda tem hoje a mesma aceitação global do dólar. O euro tem limitações e o yuan (China) é controlado politicamente. Sem confiança, o comércio e os investimentos caem.
Isolamento comercial: o comércio mundial é precificado majoritariamente em dólar. Abandonar a moeda dificultaria contratos e afastaria investidores. Exportadores e importadores sofreriam com incertezas.

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