Estudantes criam rede secreta para distribuir contraceptivos em universidades católicas dos EUA


Uma estudante da Universidade DePaul carrega uma sacola de suprimentos contraceptivos no Oz Park, em Chicago
AP/Heidi Zeiger
Em Chicago, nos Estados Unidos, a estudante de economia Maya Roman segue um ritual já conhecido: recebe uma mensagem, caminha até o ponto combinado e entrega um saco de papel com preservativos e pílulas de emergência.
O serviço, chamado de “womb service” (“serviço do útero”, em tradução livre), é a única forma de parte dos alunos da DePaul University, uma instituição católica, conseguir algum tipo de suporte em saúde sexual.
A universidade proíbe a distribuição de métodos contraceptivos no campus, alinhada ao ensino da Igreja Católica que condena o sexo antes do casamento e o uso de anticoncepcionais.
Grupos clandestinos para suprir lacuna
O womb service nasceu dentro do antigo núcleo universitário do Planned Parenthood Generation Action, ligado à maior organização de planejamento familiar do país. Em junho, a DePaul descredenciou o grupo, que passou a atuar fora da estrutura oficial da instituição.
Preservativos, folhetos sobre saúde sexual e métodos contraceptivos de emergência são preparados para kits por estudantes da Universidade DePaul no Oz Park, em Chicago
AP/Heidi Zeiger
“Foi uma decepção enorme. Mas a demanda existe e continua chegando”, disse Roman. Segundo ela, a rede recebe de 15 a 25 pedidos semanais e ainda promove oficinas de educação sexual.
Casos semelhantes se repetem em outras universidades católicas dos EUA.
Na Loyola University, também em Chicago, um coletivo chamado Students for Reproductive Justice chega a atender 20 pedidos em uma única noite. Eles entregam camisinhas, lubrificantes, testes de gravidez e contraceptivos de emergência, além de distribuir preservativos em pontos de ônibus próximos ao campus.
Na Universidade de Notre Dame, em Indiana, o grupo Irish 4 Reproductive Health surgiu em 2017, após a instituição se recusar a oferecer cobertura de anticoncepcionais em seus planos de saúde. Hoje, distribui métodos fora da universidade e chegou a mover uma ação judicial.
“Essas escolas não oferecem acesso a contracepção, então os próprios estudantes assumem a responsabilidade de preencher essas lacunas”, disse Maddy Niziolek, do Catholics for Choice, organização que apoia os coletivos.
A caloura da Universidade DePaul, Anna Daniel, 19, monta um kit de suprimentos contraceptivos no Oz Park, em Chicago
AP/Heidi Zeiger
Contraceptivos sob disputa política
A restrição não está apenas nas universidades religiosas. Diversos estados de maioria republicana têm apresentado propostas para reduzir o acesso a métodos contraceptivos. Entre elas, excluir a pílula do dia seguinte de programas públicos de saúde ou exigir autorização dos pais para menores de idade.
No governo federal, a administração do presidente Donald Trump congelou repasses a clínicas de planejamento familiar e removeu orientações sobre anticoncepcionais do site dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
Na contramão, o estado de Illinois aprovou em agosto uma lei que obriga universidades públicas a manter contraceptivos e medicamentos para aborto em farmácias e centros de saúde estudantis. A medida, no entanto, não se aplica a instituições privadas.
“Existe um esforço coordenado para restringir contracepção nos EUA. E em campi católicos, esse movimento pode ser ainda mais intenso”, afirmou Jill Delston, professora da Universidade de Missouri-St. Louis, que estuda o tema.
Autonomia em jogo
Especialistas alertam que a falta de acesso a métodos contraceptivos tem consequências de longo prazo. “O que está em jogo é a autonomia corporal desses jovens — a chance de planejar se e quando querem ter filhos, de concluir a faculdade, de construir uma carreira”, disse Delston.
A Sociedade Americana de Contracepção de Emergência tem apoiado iniciativas estudantis em todo o país. Desde 2020, já ajudou a instalar 150 máquinas automáticas que vendem pílulas do dia seguinte em universidades.
Para instituições católicas, no entanto, a realidade é diferente. “O desafio é começar pequeno, muitas vezes com grupos de apoio discretos, antes de qualquer avanço maior”, explicou Kelly Cleland, diretora da entidade.
Maya Roman, 22, aluna do último ano da Universidade DePaul e presidente de um grupo estudantil de saúde reprodutiva
AP/Heidi Zeiger
Resistência e continuidade
Na DePaul, o grupo se reorganizou sob o nome Students United for Reproductive Justice. A ideia é manter as entregas e ampliar o alcance.
“É possível, é viável, e não estamos sozinhos nessa luta”, afirmou Roman.
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