Família Acolhedora transforma histórias e desafia modelo de institucionalização no Tocantins: ‘Recuperar a vida deles’


Casal conta experiência de ser uma Família Acolhedora
Foi o desejo de ajudar o próximo que levou um casal de Nova Olinda, no norte do Tocantins, a fazer parte do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA) e receber, na casa deles, crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos. Há seis anos participando do projeto, o casal fala dos desafios e do sentimento de gratidão por fazer a diferença na vida dessas crianças.
“A minha família é uma família acolhedora. Foi exatamente pela necessidade de umas crianças que estavam precisando de ajuda que chegou até nós essa causa. Quando chegaram aqui, nos procuraram. Nós, até então, tínhamos muito pouco conhecimento sobre esse programa, mas resolvemos acolher aquelas crianças. E foi muito gratificante”, afirmou Paulo (nome fictício), de 72 anos.
⚖️Os personagens desta reportagem não terão seus nomes reais divulgados, tendo em vista que os processos ligados à criança e adolescente correm em segredo de Justiça.
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O serviço de famílias acolhedoras faz parte de um esforço conjunto de diversos órgãos e instituições para transformar o acolhimento infantojuvenil no país, entre eles o Ministério Público Estadual do Tocantins (MPTO). Apesar de promover diversos benefícios para os acolhidos e reduzir custos para o poder público, a modalidade ainda é pouco conhecida e tem baixa adesão.
Projeto família acolhedora desafia modelo de institucionalização no Tocantins
Vilma Nascimento/g1 Tocantins
Para isso mudar esse cenário, o MPTO tem intensificado as ações do projeto Acolher Tocantins, que busca divulgar o serviço de acolhimento por meio de seminários regionais e firmar compromissos com os municípios para implantação do modelo.
“No Tocantins e no Brasil de maneira geral existe todo um movimento para modificar esse modelo de atendimento, saindo de instituições que cuidam das crianças para famílias previamente selecionadas, cadastradas e capacitadas que abram as suas casas para receber essas crianças e adolescentes”, explicou o promotor de Justiça Sidney Fiori Júnior, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância, Juventude e Educação (Caopije).
Em todo Tocantins, segundo dados da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), são 42 famílias acolhedoras cadastradas, sendo dez nos serviços regionalizados de acolhimento e outras 32 vinculadas aos serviços implantados por municípios.
Para Paulo e a esposa Maria (nome fictício), de 52 anos, o acolhimento é um gesto de amor, que fazem com muita dedicação.
“O que me levou a ser uma família acolhedora foi um sentimento de ajudar o próximo, né? E é muito gratificante quando se fala também de crianças. Há seis anos eu conheci o programa e é muito gratificante participar desse programa”, contou a mulher.
Eles contam que há desafios em participar do projeto, mas todos podem ser superados com paciência e dedicação.
“Há desafios, mas para superar eles a gente só precisa dedicar amor, carinho e dedicação, cuidar deles com muita atenção, igualmente você cuida dos seus próprios filhos, ou melhor ainda, porque eles realmente passaram por dificuldade, mas precisam. Quando chegam assim, eles precisam ter toda a atenção do mundo para poder é recuperar a vida deles”, explicou Paulo.
Por que há o afastamento da família biológica?
O afastamento do núcleo familiar é uma medida excepcional adotada pela Justiça em casos graves de violação dos direitos da criança e do adolescente. Nestas situações, os menores podem ser encaminhados para instituições de acolhimento ou para as famílias acolhedoras.
“Nos casos mais graves de violência, maus-tratos, abandono em que a criança ou o adolescente precisam ser afastados do convívio com sua família nuclear, o Ministério Público ajuíza uma ação de afastamento do convívio, e o juiz da Infância e Juventude aplica uma medida de proteção que pode ser o acolhimento institucional no abrigo ou em uma casa lar, ou acolhimento em famílias acolhedoras”, explica o promotor.
Neste contexto, o acolhimento é uma medida de proteção excepcional e provisória, que não deve ultrapassar o prazo de 18 meses. O serviço de acolhimento também não pode ser confundido com o instituto da adoção, inclusive, para ser uma Família Acolhedora é requisito não estar na fila de adoção.
Benefícios da Família Acolhedora
Promotor de Justiça fala sobre projeto Família Acolhedora
Segundo dados do Censo do Sistema Único da Assistência Social (Suas), 91% das crianças e adolescentes acolhidos no Brasil em 2023 foram enviados para instituições de acolhimento, enquanto 8,22% foram abrigadas em lares de Famílias Acolhedoras.
No Tocantins, os dados são semelhantes. Conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, 164 crianças e adolescentes precisaram ser retirados de suas famílias biológicas por determinação judicial, em 2025. Deste total, somente 17 foram encaminhados para famílias acolhedoras. Os outros 147 precisaram ser recebidos em abrigos provisórios.
Para o promotor, a institucionalização das crianças é uma herança cultural que vem sendo desconstruída a partir de estudos e diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU), bem como pela legislação interna, com previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prioriza o acolhimento familiar frente aos abrigos.
“Nós estamos tentando resgatar esse modelo familiar. A neurociência já comprovou que, a cada ano que a criança fica dentro de um abrigo, ela perde quatro meses de desenvolvimento infantil. A partir destes estudos, o mundo inteiro se preocupou em criar modelos alternativos. Esse atendimento feito por uma família é da mesma forma que a família cuida do seu próprio filho. Então, aquela referência família continua presente na vida da criança”, comentou o promotor.
Os benefícios para as crianças e adolescentes:
Atendimento personalizado: o ambiente familiar permite uma organização focada na criança e não na instituição;
Vínculos afetivos: Vínculos mais estáveis com adultos de referência, favorecendo desenvolvimento saudável.
Convivência comunitária: Maior acesso à comunidade e possibilidade de vivenciar vínculos com membros dessa comunidade.
Benefícios para a gestão:
Menor Custo: Não há despesas permanentes com aluguel, manutenção, tarifas e pessoal.
Equipe Técnica Otimizada: Maior possibilidade de investimento na atuação psicossocial, com estudos de caso e articulação da rede.
Recursos Humanos Reduzidos: Equipe profissional menor, mais voltada às funções de coordenação e técnicas.
Menos Questões Institucionais: Diminuição das questões relacionadas à manutenção do cotidiano institucional.
Projeto Acolher Tocantins
Famílias acolhedoras recebem crianças durante afastamento de suas famílias biológicas
Ana Cássia Costa/Arquivo Pessoal
O projeto desenvolvido pelo Ministério Público do Tocantins tem como objetivo tornar o acolhimento em ambiente familiar uma prática consolidada nos 139 municípios do Tocantins.
Para isso, seminários regionais estão sendo realizados com prefeitos e secretários, conselheiros tutelares e equipes da rede de proteção. O objetivo dos encontros é conscientizar, capacitar e firmar compromissos para a efetiva implantação do serviço.
No início de setembro, o evento foi realizado em Colinas do Tocantins e culminou na assinatura de carta compromisso com 14 municípios da região, que se comprometeram a estruturar e fortalecer o serviço de acolhimento.
Entre outubro e novembro de 2025, serão realizados novos encontros em Porto Nacional, Gurupi, Xambioá e Taguatinga.
“O Estatuto da Criança diz que o acolhimento em família acolhedora é preferencial em relação ao acolhimento institucional. Então, a ideia é, por meio desses eventos, chamar a sociedade para esse debate, assinar uma carta compromisso com os prefeitos nesses eventos para que o Tocantins saia na frente”, comentou o promotor.
Retrato do acolhimento no Tocantins
De acordo com a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, 60 cidades do Tocantins possuem o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, seja realizado pelo próprio município ou vinculado a uma regional.
Apesar disso, são apenas dez famílias cadastradas nas unidades regionais e outras 32 vinculadas aos municípios.
Em Nova Olinda, no norte do Tocantins, o serviço foi implantado em 2011. A secretária de Assistência Social, Keila Alves dos Santos Fernandes, conta que atualmente são cinco famílias cadastradas.
A falta de conhecimento sobre o programa, segundo ela, está entre as principais dificuldades para a popularização do serviço. “A baixa adesão de famílias cadastradas por falta de conhecimento, medo de criar laços e sofrer com a partida, além de mitos sobre o comportamento dos acolhidos que vem de situação de risco. Por isso é fundamental o processo de capacitação”, afirma.
Apesar das barreiras, o projeto tem se desenvolvido de forma satisfatória e o município tem interesse de ampliar o atendimento. Segundo a secretária, além de um atendimento mais humanizado para as crianças vítimas de violência, o serviço também tem benefícios para a gestão.
“Ele traz redução de custos em comparação ao acolhimento institucional. Sobretudo é uma iniciativa social mais humanizada que oferece amor, cuidado e segurança para crianças e adolescentes que estão precisando de um lar seguro”, explicou.
Como ser uma Família Acolhedora?
Para se tornar uma família acolhedora, antes de tudo, o município precisa criar o serviço. Depois, os interessados precisam seguir alguns passos:
Inscrição: Contato com o SFA local e participação em palestra informativa.
Seleção: Realizada por uma equipe técnica com entrevistas, visitas domiciliares e avaliação psicossocial.
Formação: Capacitação sobre o papel e os deveres da família acolhedora.
Cadastro: A família é incluída no banco de famílias acolhedoras do serviço.
Acompanhamento: Realização do suporte contínuo da equipe técnica durante todo o processo de acolhimento.
Também há requisitos básicos que os candidatos devem cumprir:
Maioridade legal: ter mais de 18 anos;
Residência: Morar no município onde se inscreveu;
Antecedentes: Não pode ter antecedentes criminais ou dependência química;
Disponibilidade: Ter tempo para os cuidados diários e para participar das atividades do serviço;
Clareza de propósito: Entender que não se trata de uma adoção;
Características pessoais: Ter abertura para o trabalho em equipe e respeito às diferenças sociais, culturais e religiosas, por exemplo.
As famílias que participam do programa recebem uma bolsa de um salário mínimo durante o período em que estiverem acolhendo alguma criança ou adolescente. “Aqui no Tocantins nós temos excelentes abrigos, com excelente infraestrutura, mas precisamos de famílias. São as famílias que podem dar todo o amor, afeto e carinho para essas crianças, afirmou o promotor.
Veja mais notícias da região no g1 Tocantins.

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