Gaze esquecida em cirurgia deixa idosa em coma e hospital é condenado em R$ 245 mil


Hospital foi condenado por esquecer gaze dentro de paciente após cirurgia, em Santos, SP
Reprodução e Arquivo/A Tribuna Jornal
O hospital Casa de Saúde de Santos, no litoral de São Paulo, foi condenado a pagar mais de R$ 245 mil a uma idosa, de 64 anos, e seus familiares após a paciente ter uma gaze esquecida dentro do corpo durante procedimento cirúrgico. A decisão é da 12ª Vara Cível de Santos e ainda cabe recurso.
A mulher entrou com ação por danos materiais, morais e estéticos, alegando erro médico, prejuízos à saúde e sofrimento à família. Ela passou por três cirurgias, ficou em coma e enfrentou meses de dores e internações, até que uma compressa de gaze foi encontrada em seu corpo.
O juiz Rodrigo Garcia Martinez entendeu que, mesmo sem identificar o momento exato da falha, a compressa só poderia ter sido esquecida durante uma cirurgia. Segundo ele, o hospital não conseguiu provar que não teve responsabilidade no caso e, por isso, deveria ser responsabilizado.
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O advogado Rafael Quaresma, que representa a idosa, avaliou positivamente a condenação e afirmou que a sentença reconheceu a gravidade do caso e estabeleceu uma reparação proporcional ao prejuízo sofrido pela paciente.
O g1 procurou a Casa de Saúde, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Dores, enjoo e cirurgias
A idosa procurou o pronto-socorro do hospital em março de 2023 com queixas de dor abdominal, náuseas e enjoos. No primeiro atendimento, recebeu o diagnóstico de infecção urinária, foi medicada e liberada. Como os sintomas persistiram, ela retornou ao hospital e, dessa vez, foi diagnosticada com cálculo renal. Novamente, foi medicada e liberada.
Sem melhorar, a paciente voltou ao hospital pela terceira vez, ainda em março, e acabou sendo internada. Após novos exames, os médicos identificaram a necessidade de intervenção cirúrgica.
Ela foi submetida a uma videolaparoscopia, um procedimento minimamente invasivo que utiliza pequenas incisões para introdução de uma câmera de alta definição e instrumentos cirúrgicos. Durante a cirurgia, foi realizada a retirada do apêndice e a drenagem de um abscesso abdominal.
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Ainda com dores, a paciente voltou a ser internada e, em 10 de abril, foi submetida a uma segunda cirurgia, inicialmente realizada por videolaparoscopia. No entanto, os médicos precisaram converter o procedimento para uma cirurgia aberta, com acesso direto à cavidade abdominal.
Nessa nova intervenção, foi necessária a retirada de parte do intestino e a implantação de uma bolsa de ileostomia, dispositivo conectado ao intestino delgado para a coleta do material fecal.
Gaze encontrada: situação se agravou
Os problemas persistiram, com episódios de febre e inflamação nos pontos cirúrgicos, e a idosa precisou ser internada novamente para tratamento com curativo a vácuo. Ela permaneceu na unidade hospitalar por dois meses, entre 18 de abril e 6 de junho. Durante esse período, foram constatadas fístulas (pequenos rasgos no intestino) e saída de fezes pelo curativo.
Mesmo após receber alta, o corte continuava aberto, e a paciente seguia com dores, febre e exalando um cheiro forte do local operado. A família informou ter procurado o hospital por respostas, mas, sem um posicionamento efetivo, decidiu buscar uma segunda opinião com um gastroenterologista na capital paulista.
Em São Paulo, ela foi submetida a uma nova colonoscopia. O exame revelou a presença de um corpo estranho: uma compressa de gaze no interior da paciente, que estaria provocando os sintomas. A equipe tentou remover o material durante o procedimento, mas não teve sucesso.
Diante da gravidade, a idosa foi submetida a uma terceira cirurgia de urgência no hospital da capital. Além da compressa, os médicos retiraram a vesícula e mais um segmento do intestino. O procedimento foi considerado complexo e de alto risco, devido ao estado debilitado da paciente.
Depois da cirurgia, ela chegou a ficar três dias em coma, 31 dias na UTI e outros nove dias na unidade semi-intensiva, antes de ir para a enfermaria e receber alta hospitalar.
Sentença
Apesar do laudo pericial apontar que os atendimentos médicos foram adequados e que as intercorrências são comuns em casos de perfuração diverticular, o juiz Rodrigo Garcia Martinez entendeu que houve falha na observância dos protocolos de segurança.
Para Martinez, embora o momento e a origem do corpo estranho tenham ficado inconclusivos, a compressa cirúrgica só poderia ter sido esquecida durante um procedimento.
“Deste modo, aplica-se a teoria da causalidade adequada e a regra da experiência comum: uma compressa cirúrgica só pode ter sido esquecida durante um procedimento cirúrgico. A ré, ao não comprovar o rompimento do nexo causal e falhar na observância dos protocolos de segurança, deve ser responsabilizada”, apontou o magistrado.
Com base nisso, o juiz determinou o pagamento de R$ 100 mil à idosa por danos morais, R$ 40 mil ao marido e R$ 20 mil para cada um dos dois filhos, além do genro e da nora. Também fixou R$ 20 mil por dano estético, devido às cicatrizes abdominais.
Já o pedido de reembolso por gastos com consultas, materiais e babá foi parcialmente aceito, com condenação de R$ 5 mil. O valor correspondente às despesas comprovadas e não cobertas pelo plano de saúde.
Defesa da idosa vai recorrer
O advogado Rafael Quaresma, que representa a idosa, avaliou de forma positiva a condenação. Segundo ele, a sentença reconheceu a gravidade da situação e estabeleceu uma indenização proporcional ao prejuízo sofrido pela vítima.
“A sentença reconhece essa situação e, consequentemente, estabelece uma indenização para reparação de todo o prejuízo que a vítima sofreu. Prejuízo este que quase lhe custou a vida”, afirmou.
Quaresma destacou que o valor fixado para o dano material ficou abaixo do que havia sido solicitado. “Cabe recurso e, certamente, haverá recurso de ambas as partes”. O advogado também apontou que a família discorda da exclusão dos netos da indenização.
“Ainda que, com pouca idade, sofreram muito com a situação suportada pela avó e tiveram a rotina impactada e isso foi trazido ao processo, mas não recebeu a devida análise”, complementou.
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