Homem condenado com esposa por assassinar personal trainer tem diagnóstico de ‘folie à deux’; especialistas explicam transtorno raro


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Um transtorno raro marcado pela dependência emocional e pela perda do senso da realidade. É assim que é descrita a síndrome do homem condenado a 42 anos de prisão pelo assassinato da personal trainer Andressa Serantoni, com mais de 30 facadas.
Joel Fernandes Santos e Sidileide Normanha da Paixão Santos foram condenados na quarta-feira (30) em regime fechado, cada um, a pena de 30 anos de prisão por homicídio e a 12 anos por tentativa de homicídio. Cabe recurso. O g1 tenta contato com a defesa da ambos. Os jurados reconheceram os crimes e afastaram o laudo atestando insanidade relacionado a Sidileide.
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Andressa Serantoni foi esfaqueada pelo casal em agosto de 2020. O crime ocorreu depois que a personal reclamou porque percebeu que estava sendo filmada pela mulher. A vítima morreu no local. Relembre o crime abaixo.
Conforme consta na denúncia do Ministério Público, Joel foi diagnosticado pelo psicólogo perito do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC) com folie à deux, conhecido como transtorno delirante induzido, como um “delírio infeccioso”.
O tema inclusive já foi explorado em produções cinematográficas. Lançado em julho deste ano, “Coringa: Folie à Deux” levou para as telas um dos transtornos mais raros e intrigantes da psiquiatria: o folie à deux, expressão francesa que significa “loucura a dois”.
A sequência do longa premiado de 2019 mergulha na relação entre Arthur Fleck, o Coringa (Joaquin Phoenix), e Arlequina (Lady Gaga), marcada pela fusão entre delírio, dependência emocional e perda de contato com a realidade.
Da mesma forma como no filme, na companhia de Sidileide, Joel compartilha de sintomas psicóticos. Fora do convívio da esposa, segundo o laudo, ele não continua com os delírios e mantém a memória. A prova é, de acordo com o perito que o avaliou, a ausência de delírios na cadeia.
Nesse caso, a Justiça considera que Joel tem a capacidade de entender o caráter criminoso do homicídio. De acordo com o médico psiquiatra Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), o transtorno é incomum.
Dados apresentados pelo médico indicam que o transtorno varia de 0,03% a 0,2% na população. Inclusive, é mais raro do que quadros de esquizofrenia, que atingem cerca de 0,7% da população.
De acordo com Geraldo, no folie à deux, geralmente há uma relação de hierarquia entre duas pessoas próximas, como casais ou familiares. Esse vínculo é marcado por forte dependência afetiva e psicológica, o que dificulta que o dominado perceba a vulnerabilidade e manipulação.
“Geralmente, você tem essa relação na qual um é o dominante, o outro é o dominado. O dominante começa a adoecer mentalmente e o dominado acredita naqueles delírios que não fazem parte da realidade”, detalha o médico.
Segundo o especialista, o dominado não consegue distinguir a realidade da fantasia na presença do dominante. Apenas após a separação e com a recuperação do quadro clínico do dominante, ele recobra a noção.
“Naquele momento, a pessoa não consegue distinguir a realidade da fantasia. Depois, com a separação, ela consegue recobrar toda essa noção de realidade”, pontua o médico.
Por isso, o foco do tratamento está no indivíduo dominante, que apresenta o transtorno mental primário. O dominado, na maioria dos casos, não precisa de medicação.
Joel Fernandes Santos e Sidleide Normanha da Paixão Santos de Rio Preto (SP) foram condenados a 42 anos de prisão cada um por matarem uma personal trainer
Reprodução
Médico psiquiatra Gerardo Maria de Araújo Filho, de São José do Rio Preto (SP)
Famerp/Divulgação
Tratamentos
Andressa morreu após ser esfaqueada em bairro de Rio Preto
Reprodução/Instagram
Em entrevista à reportagem, a psicanalista Silvia Helena Vertoni Homsi, de 63 anos, explicou sobre a dinâmica de influência e como isso é percebido. Conforme a terapeuta, um dos envolvidos exerce maior influência devido à personalidade dominadora ou pelo outro ser mais vulnerável emocionalmente.
O folie à deux se caracteriza pelo compartilhamento de crenças delirantes, resultando em uma validação de ideias distorcidas, segundo a psicanalista.
O transtorno inclui sinais de isolamento social, a submissão às decisões do outro, mudanças drásticas de comportamento, além da adoção de crenças ou medos do parceiro como próprios. Silvia ainda explicou como funciona o tratamento.
“O afastamento é crucial para romper o ciclo de dependência emocional, permitindo que cada indivíduo recupere sua autonomia. O tratamento é majoritariamente voltado para psicoterapia, mas pode incluir medicamentos, como antidepressivos ou ansiolíticos, se houver sintomas associados”, salienta Silvia.
Psicanalista de Rio Preto (SP), Silvia Helena Vertoni Homsi de 63 anos
Arquivo pessoal
Laudo de Sidileide
No processo, a defesa de Sidileide pediu a absolvição, a impronúncia ou afastamento das qualificadoras após um exame comprovar a insanidade mental da mulher. O diagnóstico foi baseado na versão apresentada por Sidileide, aliado à consulta dos autos, contexto criminal, depoimentos de testemunhas e à evolução clínica.
Mas, segundo o juiz Luis Guilherme Pião, há elementos e provas que comprovam o fato, além da confissão de ambos. A Justiça, então, considerou que não é possível a exatidão diagnóstica pela ausência de acompanhamento médico e documentação.
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Crime
Casal acusado de matar personal trainer com mais de 30 facadas é condenado em Rio Preto (SP)
João Selare/TV TEM
Sidileide e Joel foram presos em flagrante e confessaram o assassinato. A investigação apontou que a criminosa segurou a vítima pelo braço e disse para o marido buscar as facas no carro. Eles atacaram Andressa ao mesmo tempo.
A personal trainer foi esfaqueada no pescoço, tórax, coxas, braços e mãos. Joel e Sidileide foram denunciados em setembro de 2020. Os dois também foram condenados por tentativa de homicídio uma vez que outro vizinho presenciou a cena e tentou intervir. Ele também foi agredido, mas conseguiu escapar.
Os réus foram presos em flagrante no dia do crime, sendo que a prisão foi convertida em preventiva no dia 13 de agosto daquele ano.
Segundo a denúncia do MP, Joel e Sidileide eram conhecidos por causarem problemas na vizinhança onde moravam. Sidileide tinha o hábito de, com o celular em mãos, filmar vizinhos sem autorização, gerando desentendimentos, conforme relatado no inquérito.
*Colaborou sob supervisão de Henrique Souza
Casal foi preso em flagrante pela morte da personal Andressa Serantoni
Reprodução/TV TEM
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