Cerimonialistas relatam mudanças em casamentos e festas
Paula Lago/Arquivo g1
O aumento no número de casos de notificações relacionadas à intoxicação por metanol após ingestão de bebida alcoólica tem provocado mudanças no setor de eventos, que envolve desde casamentos até festas corporativas.
Profissionais ouvidos pelo g1 relatam que os clientes estão receosos e que parte deles optou por cancelar bares com destilados ou adaptar os cardápios de bebidas.
Tamara Barbosa é assessora de eventos corporativos e diz que precisou negociar soluções diferentes para dois deles que acontecem na próxima semana na capital paulista.
“Tenho evento segunda e terça da semana que vem. O de segunda cancelou o bar. O de terça aceitou adaptar toda a carta de drinks para podermos seguir com o bar. Ou seja, trocar as bebidas que tinham destilados por outros tipos de drinks”, explicou.
Ela destacou ainda que o desafio não é apenas encontrar alternativas, mas também transmitir segurança aos convidados diante das notícias sobre a contaminação.
“Fake news atrapalharam muito a nossa vida, porque quando a gente começa a falar que confia na procedência do nosso fornecedor, aí começam a sair notícias de que até lugares de excelente procedência estavam tendo casos, e isso vira uma histeria coletiva. Não basta só a gente ter o bar montado com drinks não destilados. As pessoas precisam saber que elas estão razoavelmente seguras, dentro do que a gente sabe, para consumir o que vai ter lá”, afirmou.
Tamara ressalta ter passado a semana buscando alternativas. “Mesmo o fornecedor sendo idôneo, com nota fiscal, não é o suficiente para a gente conseguir convencer o cliente, menos ainda para o cliente convencer o convidado dele. Então, vira uma cadeia muito extensa. E o nosso papel como assessora é intermediar o interesse do cliente e ajudar a dar suporte para o fornecedor”, acrescentou.
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Heloísa Hernandez Juliato é sócia da empresa Babi Leite Eventos e também conta que a preocupação dos clientes aumentou.
“Estão preocupados e com toda razão. Mas por enquanto buscamos informar que só trabalhamos com empresas que são idôneas e compram bebida diretamente de fornecedores de confiança”, disse.
E acrescentou: “Além disso, diante da situação, temos sugerido alternativas criativas para os bares dos eventos, valorizando não apenas os destilados de origem segura, mas também a elaboração de drinks à base de vinho, espumante e outras bebidas que não foram associadas a risco. Dessa forma, garantimos variedade, fica sofisticado, e acima de tudo, damos segurança aos convidados”.
Ela afirma que, até agora, não houve cancelamento de bares em casamentos assessorados pela empresa, mas a adaptação foi necessária.
“Estamos apenas aumentando a quantidade sugerida das outras bebidas, porque entendemos que terá maior saída. Mas ainda assim mantendo o bar com as garrafas garantidas diretamente de distribuidores oficiais e com nota”, completou.
A cerimonialista Mayara Zanetti, que atua no setor de eventos há 18 anos, relatou mudanças de última hora em uma festa marcada para este fim de semana em São Paulo.
“Estou organizando um aniversário para 120 pessoas em um clube no Morumbi, e foi emitida uma nota pela associação dos clubes da proibição do consumo de destilados dentro das áreas. O cliente, também por medo, acabou optando, e a gente fez o cancelamento do contrato com o bar. Tudo o que era destilado saiu, e de última hora a gente entrou com cerveja, espumante e vinhos”, contou.
Ela disse ainda que, para os próximos eventos, a exigência de comprovação na procedência das bebidas será reforçada.
“A gente busca sempre trabalhar com fornecedores de confiança, mas de todos agora estamos exigindo nota fiscal da mercadoria e bebidas lacradas para conferência. Na nota tem que ter o lote da bebida também. Acho que isso é importante e fica um alerta para todo mundo”, concluiu.
Cerimonialistas relatam mudanças em casamentos e festas
Jornal Nacional/ Reprodução
O que diz a entidade do setor
A Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta) informou em nota à TV Globo que “manifesta profunda preocupação com os recentes casos de contaminação por metanol em bebidas alcoólicas servidas em bares e eventos, com registros de óbitos em São Paulo e no ABC Paulista. Lamentamos as perdas humanas e solidarizamo-nos com as famílias afetadas”.
“Contudo, reiteramos a necessidade de uma abordagem estrutural e preventiva para que tais episódios não se repitam. A mera reação às consequências não é suficiente. É preciso enfrentar as causas: práticas criminosas de falsificação, ausência de controle e a presença de operadores irregulares no mercado.
Desde 2018, a ABRAFESTA desenvolve uma proposta de certificação setorial baseada em critérios de conformidade fiscal, técnica e sanitária, com objetivo de garantir maior segurança aos contratantes e ao público consumidor. Esta certificação, integrada ao projeto “Evento Legal”, será um instrumento de rastreabilidade, transparência e confiabilidade na cadeia de fornecimento.
Para responder à atual crise, foi instituído o Grupo de trabalho de gerenciamento de crise – Aquisição de bebidas alcoólicas adulteradas e falsificadas, com participação de empresas representativas dos setores de eventos e bebidas. O objetivo é construir um conjunto de diretrizes práticas, auditoria de fornecedores, capacitação de equipes, protocolos de segurança e mecanismos de denúncia.
A ABRAFESTA reafirma que não se trata de oportunismo, mas dá continuidade de uma agenda histórica em defesa das boas práticas, do compliance e da segurança jurídica. O setor de eventos deve ser um espaço de confiança e profissionalismo. Regras bem definidas não geram conflitos, apenas identificam quem está ou não apto a operar de forma responsável.
Este é um momento de ação coordenada e fortalecimento institucional. Assim como em outras crises, como a COVID que gerou o PERSE (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e a reabertura do setor pós-pandemia, a ABRAFESTA está pronta para acolher, orientar e construir soluções junto aos seus associados e demais agentes do ecossistema de eventos.”
Intoxicações por metanol no Brasil
O número de notificações de intoxicação por metanol após ingestão de bebida alcoólica subiu para 113 no Brasil, segundo balanço do Ministério da Saúde divulgado na tarde desta sexta-feira (3). As notificações incluem casos confirmados e suspeitos, além de mortes.
Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul notificaram seus primeiros casos em investigação. Em todo o país, são 11 casos confirmados e 102 em investigação.
🔍 O metanol é um álcool usado industrialmente em solventes e outros produtos químicos, é altamente perigoso quando ingerido. Inicialmente, ataca o fígado, que o transforma em substâncias tóxicas que comprometem a medula, o cérebro e o nervo óptico, podendo causar cegueira, coma e até morte. Também pode provocar insuficiência pulmonar e renal.
Para reduzir o impacto das intoxicações provocadas por essa substância em bebidas alcoólicas adulteradas, o Ministério da Saúde em parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares adquiriu 4,3 mil ampolas de etanol farmacêutico, antidoto para esse tipo de intoxicação, e está comprando mais 5 mil tratamentos (150 mil ampolas), para garantir o estoque do Sistema Único de Saúde.
Anvisa lança edital internacional para comprar antídoto contra metanol em bebidas adulteradas
São Paulo
São 91 casos em investigação e 11 confirmados. A capital concentra a maior parte dos casos: 48 em investigação e 8 confirmados (veja tabela abaixo).
Na Grande São Paulo, outros municípios também aparecem com registros:
São Bernardo do Campo: 21 em investigação e 1 confirmado
Santo André: 4 em investigação
Osasco: 4 em investigação
Guarulhos: 1 em investigação e 1 confirmado
Itapecerica da Serra: 1 confirmado
Mauá: 1 em investigação
Diadema: 1 em investigação
Ferraz de Vasconcelos: 1 em investigação
Taboão da Serra: 1 em investigação
No interior e no litoral, os registros são mais isolados. Araçatuba, Cajuru, Jundiaí, Limeira, Ribeirão Preto, Rio Claro, Santos, São José dos Campos, São Vicente: todos com 1 caso em investigação cada.
As autoridades não divulgaram oficialmente a identidade das vítimas, mas a TV Globo e o g1 conseguiram localizar alguns dos pacientes.
A seguir, conheça as histórias de pessoas que tiveram a vida profundamente afetada após o consumo de bebidas adulteradas.
Radharani Domingos, Bruna Araújo de Souza e Rafael Anjos Martins são vítimas de intoxicação por metanol.
Montagem/g1/Reprodução
Adega na Zona Sul
No dia 30 de agosto, Rafael Anjos Martins, de 28 anos, comprou duas garrafas de gin, além de gelo de coco e energético, em uma adega localizada na região da Cidade Dutra, na Zona Sul da capital.
Em seguida, ele se reuniu com quatro amigos em casa para confraternizar. Nenhum deles desconfiou da adulteração.
Rafael Anjos Martins, de 28 anos, está em coma desde 1º de setembro após consumir gin em SP
Arquivo Pessoal
Poucas horas depois do consumo, Rafael começou a passar mal e foi levado às pressas para o hospital. Os médicos realizaram procedimentos para remover a toxina do sangue, mas o metanol já havia atingido o cérebro e o nervo óptico.
Desde então, o jovem está em coma, internado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de Osasco, respirando com ajuda de aparelhos.
Os amigos, que ingeriram a bebida adulterada em menor quantidade, também sofreram consequências. Nathalia Carozzi Gama contou à TV Globo que a visão foi afetada.
“As coisas estavam com muito contraste e muita falta de ar, com mal-estar, um peso no corpo. Eu fui para o hospital, fizeram o exame e viram que estava com metanol”, relatou.
Bar nos Jardins
Radharani Domingos fala em entrevista ao Fantástico após intoxicação por metanol
Reprodução
A designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, perdeu a visão após consumir três caipirinhas feitas com vodca em no bar Ministrão na Alameda Lorena, bairro nobre de São Paulo. O local foi interditado.
Ela chegou a ser internada na UTI, onde sofreu convulsões e precisou ser intubada, mas recebeu alta para o quarto nesta segunda (29).
“Era uma região nobre, não era nenhum boteco de esquina. Causou um estrago bem grande. Não estou enxergando nada”, disse Radharani ao Fantásrico. No local, a polícia apreendeu cerca de 100 garrafas de bebidas destiladas suspeitas de adulteração.
Segundo a irmã dela, Lalita Domingos, ainda não há previsão de alta. “O oftalmologista entrou com tratamentos para reverter o quadro da visão, mas ela [visão] permanece comprometida. Estamos na expectativa de que algo mude.”
Show de pagode
Jovem de São Bernardo é internada após consumir vodca
Reprodução; e Adobe Stock
No domingo (28), Bruna Araújo de Souza, de 30 anos, saiu para assistir a um show de pagode com amigos em um bar de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Durante a tarde e a noite, ela consumiu algumas doses de bebida, incluindo um “combo” de vodca com suco de pêssego.
Na manhã seguinte, Bruna começou a sentir sintomas como dor intensa no corpo, falta de ar e visão embaçada. Foi levada a uma UPA da cidade, mas seu quadro se agravou rapidamente e ela precisou ser transferida entubada para o Hospital de Clínicas de São Bernardo, onde permanece em estado grave.
Familiares relatam que o namorado dela também apresentou sintomas e foi internado em outra unidade de saúde. “Ela estava feliz, se divertindo, e agora a gente não sabe como vai ser daqui para frente”, contou um parente.
Uísque em festa
Wesley Pereira, de 31 anos, passou mal após consumir uísque em uma festa.
Reprodução
O caso de Wesley Pereira, de 31 anos, começou em agosto, quando ele participou de uma festa na Zona Sul da capital paulista. Em determinado momento da comemoração, Wesley consumiu uísque que havia sido levado ao local. Poucas horas depois, passou mal e entrou em coma.
Desde então, ele permanece internado no Hospital do Campo Limpo. Segundo a família, Wesley sofreu uma série de complicações: teve pneumonia por broncoaspiração, um dos rins parou de funcionar e, quando os médicos reduziram a sedação para tentar acordá-lo, ele sofreu um AVC.
“Ele perdeu a visão e a vida dele nunca mais vai ser a mesma”, contou a irmã, Sheilene Pereira Neves. Wesley continua em tratamento intensivo e luta para se recuperar.
Vodca adulterada
Marcelo Lombardi tinha 45 anos e morava na região do Sacomã, na Zona Sul de SP, divisa com o ABC Paulista.
Reprodução/TV Globo
O advogado e empresário Marcelo Lombardi, de 45 anos, dono de uma imobiliária familiar na região do Sacomã, Zona Sul de São Paulo, morreu após consumir uma garrafa de vodca adulterada. Segundo a família, ele comprou a bebida em uma adega para beber em casa, sem suspeitar de irregularidades.
Na manhã seguinte, Marcelo acordou desorientado, já sem visão, e foi levado ao hospital. O quadro evoluiu para uma parada cardiorrespiratória e falência múltipla dos órgãos. No atestado de óbito, os médicos apontaram o metanol como causa da intoxicação.
Marcelo era casado e morava com a esposa e uma cachorrinha. A irmã relatou ao g1 que ele era o pilar da família. “Perdemos a nossa base”, desabafou.
Infográfico: o impacto do metanol no corpo humano.
Arte/g1