Ruas de São Paulo homenageiam nomes ligados à ditadura
A Justiça de São Paulo reformou uma decisão que obrigava a Prefeitura de São Paulo a apresentar um cronograma para alterar nomes de ruas e espaços ligados à ditadura militar na cidade (veja a lista abaixo).
O acórdão foi publicado na terça-feira (23) pela 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça.
O Instituto Vladimir Herzog e a Defensoria Pública da União, autores da ação, defendem que houve omissão por parte da prefeitura em não dar sequência ao Programa Ruas de Memória, que prevê alterar progressivamente o nome de logradouros que homenageiam violadores de direitos humanos.
O desembargador Fausto Seabra, relator do caso, entendeu que não houve omissão pública.
Ele destacou que a competência para denominar ou alterar nomes de vias e logradouros públicos é “comum aos poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal), cada qual no âmbito de suas atribuições”.
Além disso, o juiz apontou que o regramento municipal exige a edição de uma lei formal com a participação do prefeito (para sancionar ou vetar) para autorizar a alteração de nomes de ruas e espaços públicos.
Na decisão que foi anulada, o juiz de 1ª instância afirmou que “a paralisação do programa Ruas de Memória implicou em um esquecimento provocado”
Entre os logradouros mencionados está a Rua Trinta e Um de Março, referência à data do golpe militar, e a Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior, na Zona Oeste da cidade, apontado pelo Instituto como delegado envolvido em torturas e desaparecimentos forçados durante o regime.
“Preservar a memória é preservar a democracia”, diz instituto
Para o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, a decisão fortalece a necessidade de políticas públicas que garantam o reconhecimento das vítimas da ditadura.
“Mais uma vez, a Justiça reconhece que preservar a memória é parte fundamental da democracia. Cabe agora ao poder público cumprir seu papel, ouvindo a sociedade e garantindo que o passado não seja apagado nem reescrito”, disse.
Em nota, a Procuradoria Geral do Município informou que não foi notificada sobre a sentença e, “tão logo isso ocorra, recorrerá”. “Como ainda cabe recurso, não há obrigatoriedade, por parte da Prefeitura, de cumprimento imediato do prazo mencionado. A alteração de nomes de vias cabe à Câmara Municipal, conforme a Lei Orgânica do Município, exigindo a edição de uma lei específica.”
Veja os endereços que terão os nomes alterados:
Crematório Municipal de Vila Alpina – por homenagear o diretor do Serviço Funerário do município de São Paulo que dá nome ao crematório, “pessoa controversa porque viajou à Europa para estudar sistemas de cremação em momento coincidente com o auge das práticas de desaparecimento forçado”;
Centro Desportivo na Rua Servidão de São Marcos (Zona Sul) – por homenagear um general chefe do CIE (Centro de Informações do Exército);
Marginal Tietê/Avenida Presidente Castelo Branco (Zona Norte/Centro) – Marechal de Exército, foi o primeiro presidente da República após o golpe militar;
Ponte das Bandeiras (Zona Norte/Centro) – Nome da via foi alterado para homenagear ex-diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão da repressão política durante a ditadura);
Rua Alberi Vieira dos Santos (Zona Norte) – Colaborador do CIE, envolvido em repressão violenta.
Rua Dr. Mario Santalucia (Zona Norte) – Médico-legista envolvido em laudos necroscópicos fraudulentos.
Praça Augusto Rademaker Grunewald (Zona Sul) – Vice-presidente durante o período mais repressivo da ditadura.
Rua Délio Jardim de Matos (Zona Sul) – Militar e um dos principais articuladores do golpe de 1964.
Avenida General Enio Pimentel da Silveira (Zona Sul) – Associado ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) e a práticas de tortura.
Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior (Zona Oeste) – Delegado envolvido em torturas e ocultação de cadáveres.
Rua 31 de Março (Zona Sul) – Data que marca o golpe de 1964.
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Rua 31 de Março, na Zona Sul; data marca o golpe de 1964
g1
Em 2017, a capital ainda tinha 39 ruas com nomes ligados à ditadura militar, sendo que 22 homenageavam acusados de crimes contra os direitos humanos.
Uma das alterações mais recentes aconteceu em 2021, quando uma rua na Zona Oeste que homenageava o delegado do Dops Sérgio Fleury, apontado como torturador do frei dominicano Tito de Alencar Lima, recebeu o nome do rua Frei Tito, vítima de Fleury.
Um levantamento do g1 feito em janeiro de 2024 apontou que ainda restam oito ruas com nomes de pessoas apontadas pela Comissão Nacional da Verdade como responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura, além de uma rua que celebra o dia do golpe: 31 de março.
Até janeiro do ano passado, a cidade de São Paulo tinha 48.717 endereços registrados no Arquivo Histórico Municipal. Desses, cerca de 27,8 mil (57,2%) têm nomes dados em homenagem a figuras masculinas, como políticos, médicos, padres e militares. As mulheres dão nome a apenas 4,1 mil vias da capital.
Ao todo, 610 endereços foram batizados em homenagem a membros das Forças Armadas:
Coronéis: 293 endereços
Generais: 180 endereços
Sargentos: 76 endereços
Majores: 61 endereços