Metanol em bebidas alcoólicas: veja o que se sabe até agora sobre casos de intoxicação


Metanol usado para higienizar garrafas é a principal linha de investigação da polícia
O Brasil já registra 113 notificações por intoxicação por metanol no Brasil, segundo balanço do Ministério da Saúde divulgado na tarde desta sexta-feira (3). As notificações incluem casos confirmados e suspeitos, além de mortes. Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul notificaram seus primeiros casos em investigação. Em todo o país, são 11 casos confirmados e 102 em investigação.
Do total de 113 notificações por esse tipo de intoxicação, 101 são em São Paulo (11 confirmados e 90 em investigação), 6 casos em investigação em Pernambuco, 2 em investigação na Bahia e no Distrito Federal, e 1 caso está sendo investigado no Paraná e Mato Grosso do Sul.
Em coletiva de imprensa na quinta-feira (2), o ministro da Saúde Alexandre Padilha disse que o governo instalou uma sala de situação em Brasília para monitorar os casos e anunciou a compra de 4.300 ampolas de antídoto.
🔍 O metanol é um álcool usado industrialmente em solventes e outros produtos químicos, é altamente perigoso quando ingerido. Inicialmente, ataca o fígado, que o transforma em substâncias tóxicas que comprometem a medula, o cérebro e o nervo óptico, podendo causar cegueira, coma e até morte. Também pode provocar insuficiência pulmonar e renal.
O g1 reuniu abaixo o que já se sabe até agora sobre a crise.
Como começou a crise do metanol?
Qual é a principal linha de investigação?
O que o governo tem feito para combater a adulteração?
Como descartar garrafas de destilados para evitar falsificação?
Como se proteger?
É seguro beber cerveja, vinho ou chope?
O que acontece no corpo após beber metanol?
Existem antídoto para o metanol?
Qual é o impacto para bares e outros estabelecimentos?
Quem são as vítimas?
Como começou a crise do metanol?
Os primeiros alerta surgiram no dia 22 de setembro, quando médicos em São Paulo passaram a relatar pacientes com sintomas típicos de intoxicação por metanol. A troca de informações entre profissionais da saúde revelou que não se tratava de episódios isolados: vários hospitais recebiam casos semelhantes.
Diferentemente de intoxicações comuns — geralmente associadas a pessoas em situação de vulnerabilidade que ingerem combustível —, desta vez as vítimas haviam consumido bebidas alcoólicas em bares, festas e encontros sociais. Isso acendeu a suspeita de que garrafas adulteradas estavam circulando no comércio.
Qual é a principal linha de investigação?
A principal linha de investigação da Polícia Civil é que fábricas clandestinas estariam usando metanol para higienizar garrafas falsificadas antes de envasá-las. A substância, que não está disponível legalmente no Brasil, teria entrado ilegalmente no país e sido aplicada em recipientes reutilizados.
Mais de mil garrafas já foram apreendidas em operações conjuntas entre polícia e Vigilância Sanitária. O Instituto de Criminalística analisa os lotes suspeitos em duas etapas: primeiro a autenticidade da embalagem (selo, rótulo e lacre) e depois o líquido em laboratório. Até agora, parte das amostras já testou positivo para metanol.
Bar nos Jardins com suspeita de contaminação por metanol é interditado em operação da polícia.
Abraão Cruz/TV Globo
O que o governo tem feito para combater a adulteração?
O governo de São Paulo anunciou medidas mais duras contra bares e comércios flagrados vendendo bebidas adulteradas. A Secretaria da Fazenda vai suspender de forma cautelar o cadastro estadual desses estabelecimentos, impedindo que continuem a operar.
Segundo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), 36% das bebidas destiladas no Brasil são adulteradas. Ele defendeu que o Congresso transforme a falsificação de bebidas em crime hediondo e prometeu que o estado vai “cassar a inscrição estadual de quem comercializar produto falsificado, para proteger a saúde pública”.
Nesta semana, forças integradas realizaram operações de apreensões de garrafas com suspeita de adulteração, além de interditar bares e distribuidoras. Além disso, a Polícia Civil prendeu na Zona Norte da capital um homem apontado como um dos principais fornecedores de material usado na produção de destilados falsificados. Em imóveis ligados a ele, os policiais encontraram cerca de 20 mil garrafas, além de tampas, rótulos, caixas e até selos falsificados. Segundo o Deic, o esquema abastecia destilarias clandestinas e bares de várias regiões do estado.
Como descartar garrafas de destilados para evitar falsificação?
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) recomenda que consumidores adotem cuidados extras no descarte de garrafas de destilados, para dificultar a ação de falsificadores. Isso porque muitas vezes embalagens originais são reutilizadas em bebidas adulteradas, como as envolvidas nos casos de intoxicação por metanol em São Paulo.
As orientações são:
Nunca descartar a tampa junto com a garrafa (coloque em lixos diferentes);
Rasgar ou retirar o rótulo antes de jogar fora;
Encaminhar a embalagem a pontos de coleta de vidro ou locais de reciclagem autorizados;
Evitar descartar no lixo comum, o que facilita o reaproveitamento.
Segundo o diretor da Abrasel, Gabriel Pinheiro, há até um mercado paralelo de compra dessas garrafas. Ele defende fiscalização mais rigorosa contra falsificadores e destilarias ilegais. O tema também deve chegar ao Congresso, com um projeto de lei para tornar obrigatória a destruição das embalagens após o consumo.
Como se proteger?
Não é possível identificar a presença do metanol apenas olhando, cheirando ou provando a bebida. Ele não altera cor, odor ou sabor, e só pode ser detectado por testes laboratoriais. Por isso, especialistas o chamam de “substância traiçoeira”.
Autoridades recomendam que consumidores fiquem atentos a embalagens suspeitas (como lacres tortos ou rótulos mal impressos), desconfiem de preços muito baixos e sempre exijam nota fiscal. A Abrasel, entidade que representa bares e restaurantes, orienta que garrafas vazias sejam inutilizadas para evitar que falsificadores as reutilizem.
Autoridades orientam a população a:
Desconfiar de preços muito baixos;
Comprar apenas em locais conhecidos;
Verificar se as garrafas têm lacre e selo fiscal.
Em caso de sintomas, a recomendação é procurar atendimento médico imediato e informar a origem da bebida para ajudar na investigação.
Método identifica metanol em 15 minutos
Larissa Modesto/Unesp Araraquara
É seguro beber cerveja, vinho ou chope?
Não há consumo 100% seguro. Especialistas reforçam que, neste momento, nenhuma bebida pode ser considerada totalmente segura. O risco maior, porém, está nos destilados, especialmente os incolores, como a vodca e a cachaça.
De acordo com médicos ouvidos pelo g1, cerveja, vinho e chope apresentam menor vulnerabilidade à adulteração com metanol, principalmente pela forma de produção e envase. A cerveja em lata é apontada como a opção de menor risco, já que o recipiente é mais difícil de ser adulterado
Mesmo assim, autoridades de saúde recomendam cautela. “Não existe bebida totalmente segura. Neste momento de crise, a orientação é evitar os destilados, sobretudo os incolores, e sempre ter certeza da procedência do produto”, afirmou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
A médica intensivista Patrícia Mello lembra que já houve episódios de contaminação química em cervejas no Brasil, e que qualquer sintoma suspeito após o consumo deve ser investigado.
Com mais casos de intoxicação por metanol, deputados querem tornar adulteração de bebidas um crime hediondo
Reprodução/TV Globo
O que acontece no corpo após beber metanol?
Nas primeiras horas, a intoxicação pode ser confundida com uma ressaca comum: náusea, tontura e dor de cabeça. Mas o fígado logo transforma o metanol em substâncias tóxicas, como formaldeído e ácido fórmico, que atacam principalmente olhos e sistema nervoso.
Entre 12 e 24 horas, surgem sintomas mais graves, como visão borrada e respiração acelerada. Em até 48 horas, há risco de cegueira irreversível, falência de órgãos e morte. O tratamento imediato é fundamental, pois cada hora de atraso reduz as chances de recuperação.
Infográfico: o impacto do metanol no corpo humano.
Arte/g1
Existe antídoto para o metanol?
Sim. O antídoto considerado padrão-ouro é o fomepizol, mas ele não está disponível no Brasil. O medicamento bloqueia a transformação do metanol em metabólitos tóxicos e aumenta as chances de sobrevivência sem sequelas.
Diante da emergência, a Anvisa acionou agências regulatórias dos Estados Unidos, Europa, Canadá, Japão, entre outros países, para viabilizar a importação. Enquanto isso, hospitais brasileiros têm usado etanol farmacêutico como alternativa — ele compete com o metanol no fígado e retarda seus efeitos, embora não seja tão eficaz.
🔍O etanol farmacêutico age como antídoto, pois impede que o metanol seja convertido em ácido fórmico, uma substância ainda mais perigosa.
Qual é o impacto para bares?
Os casos já afetam diretamente bares e restaurantes em São Paulo. Estabelecimentos em regiões como Itaim Bibi, Pinheiros e Berrini relatam mesas vazias, queda no movimento e maior procura por cerveja em vez de destilados.
Alguns bares suspenderam a venda de vodca, uísque e cachaça até que as investigações avancem. Gerentes relatam cancelamentos de reservas e clientes mais desconfiados da procedência das bebidas. “Caipirinha não dá mais para beber. Tem que estar sempre alerta como um escoteiro”, resumiu um frequentador ao g1.
Quem são as vítimas?
As autoridades não divulgaram oficialmente a identidade das vítimas, mas a TV Globo e o g1 conseguiram localizar alguns dos pacientes. A seguir, conheça as histórias de pessoas que tiveram a vida profundamente afetada após o consumo de bebidas adulteradas.
Radharani Domingos, Bruna Araújo de Souza e Rafael Anjos Martins são vítimas de intoxicação por metanol.
Montagem/g1/Reprodução
Adega na Zona Sul
No dia 30 de agosto, Rafael Anjos Martins, de 28 anos, comprou duas garrafas de gin, além de gelo de coco e energético, em uma adega localizada na região da Cidade Dutra, na Zona Sul da capital.
Em seguida, ele se reuniu com quatro amigos em casa para confraternizar. Nenhum deles desconfiou da adulteração.
Rafael Anjos Martins, de 28 anos, está em coma desde 1º de setembro após consumir gin em SP
Arquivo Pessoal
Poucas horas depois do consumo, Rafael começou a passar mal e foi levado às pressas para o hospital. Os médicos realizaram procedimentos para remover a toxina do sangue, mas o metanol já havia atingido o cérebro e o nervo óptico.
Desde então, o jovem está em coma, internado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de Osasco, respirando com ajuda de aparelhos.
Os amigos, que ingeriram a bebida adulterada em menor quantidade, também sofreram consequências. Nathalia Carozzi Gama contou à TV Globo que a visão foi afetada.
“As coisas estavam com muito contraste e muita falta de ar, com mal-estar, um peso no corpo. Eu fui para o hospital, fizeram o exame e viram que estava com metanol”, relatou.
Bar nos Jardins
Radharani Domingos fala em entrevista ao Fantástico após intoxicação por metanol
Reprodução
A designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, perdeu a visão após consumir três caipirinhas feitas com vodca em no bar Ministrão na Alameda Lorena, bairro nobre de São Paulo. O local foi interditado.
Ela chegou a ser internada na UTI, onde sofreu convulsões e precisou ser intubada, mas recebeu alta para o quarto nesta segunda (29).
“Era uma região nobre, não era nenhum boteco de esquina. Causou um estrago bem grande. Não estou enxergando nada”, disse Radharani ao Fantásrico. No local, a polícia apreendeu cerca de 100 garrafas de bebidas destiladas suspeitas de adulteração.
Segundo a irmã dela, Lalita Domingos, ainda não há previsão de alta. “O oftalmologista entrou com tratamentos para reverter o quadro da visão, mas ela [visão] permanece comprometida. Estamos na expectativa de que algo mude.”
Show de pagode
Jovem de São Bernardo é internada após consumir vodca
Reprodução; e Adobe Stock
No domingo (28), Bruna Araújo de Souza, de 30 anos, saiu para assistir a um show de pagode com amigos em um bar de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Durante a tarde e a noite, ela consumiu algumas doses de bebida, incluindo um “combo” de vodca com suco de pêssego.
Na manhã seguinte, Bruna começou a sentir sintomas como dor intensa no corpo, falta de ar e visão embaçada. Foi levada a uma UPA da cidade, mas seu quadro se agravou rapidamente e ela precisou ser transferida entubada para o Hospital de Clínicas de São Bernardo, onde permanece em estado grave.
Familiares relatam que o namorado dela também apresentou sintomas e foi internado em outra unidade de saúde. “Ela estava feliz, se divertindo, e agora a gente não sabe como vai ser daqui para frente”, contou um parente.
Uísque em festa
Wesley Pereira, de 31 anos, passou mal após consumir uísque em uma festa.
Reprodução
O caso de Wesley Pereira, de 31 anos, começou em agosto, quando ele participou de uma festa na Zona Sul da capital paulista. Em determinado momento da comemoração, Wesley consumiu uísque que havia sido levado ao local. Poucas horas depois, passou mal e entrou em coma.
Desde então, ele permanece internado no Hospital do Campo Limpo. Segundo a família, Wesley sofreu uma série de complicações: teve pneumonia por broncoaspiração, um dos rins parou de funcionar e, quando os médicos reduziram a sedação para tentar acordá-lo, ele sofreu um AVC.
“Ele perdeu a visão e a vida dele nunca mais vai ser a mesma”, contou a irmã, Sheilene Pereira Neves. Wesley continua em tratamento intensivo e luta para se recuperar.
Vodca adulterada
Marcelo Lombardi tinha 45 anos e morava na região do Sacomã, na Zona Sul de SP, divisa com o ABC Paulista.
Reprodução/TV Globo
O advogado e empresário Marcelo Lombardi, de 45 anos, dono de uma imobiliária familiar na região do Sacomã, Zona Sul de São Paulo, morreu após consumir uma garrafa de vodca adulterada. Segundo a família, ele comprou a bebida em uma adega para beber em casa, sem suspeitar de irregularidades.
Na manhã seguinte, Marcelo acordou desorientado, já sem visão, e foi levado ao hospital. O quadro evoluiu para uma parada cardiorrespiratória e falência múltipla dos órgãos. No atestado de óbito, os médicos apontaram o metanol como causa da intoxicação.
Marcelo era casado e morava com a esposa e uma cachorrinha. A irmã relatou ao g1 que ele era o pilar da família. “Perdemos a nossa base”, desabafou.

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