Moradores de Perus, na Zona Norte, temem instalação de incinerador de lixo próximo a parque e terras indígenas


Imagem aérea do aterro dos Bandeirantes, em São Paulo, considerado um dos maiores da América Latina.
Divulgação/Loga
Moradores do bairro de Perus, na Zona Noroeste de São Paulo, estão preocupados com a instalação de um incinerador de lixo no terreno do antigo Aterro Bandeirantes, desativado em 2007. O projeto, chamado de Unidade de Recuperação Energética (URE) Bandeirantes, faz parte do plano da Prefeitura de São Paulo, que prevê a construção de três usinas do tipo na capital.
As outras unidades devem ser construídas na Zona Sul (Santo Amaro) e na Zona Leste (São Mateus) ao longo de 20 anos, segundo a prefeitura, sob responsabilidade das concessionárias Loga e Ecourbis, com supervisão da SP Regula, autarquia que administra o sistema de limpeza urbana da cidade.
De acordo com a prefeitura, as usinas vão transformar parte dos resíduos em energia elétrica por meio da queima controlada do lixo. Em uma viagem ao Japão, em abril, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) visitou uma usina do tipo e disse que o país resolve com tecnologia o problema do descarte de resíduos. Segundo ele, a técnica reduz o lixo em até 80% “sem danos ambientais”.
No projeto da prefeitura, cada unidade terá capacidade para processar mil toneladas de resíduos por dia e contará com sistemas modernos de controle de emissões.
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Em Perus, o anúncio da obra provocou mobilização popular. Moradores e coletivos locais afirmam que não foram consultados sobre o empreendimento e pedem a suspensão do licenciamento ambiental até que seja realizada uma audiência pública com a comunidade.
“A implantação de uma usina desse porte exige diálogo com quem vive aqui. O bairro já conviveu por décadas com o aterro e agora volta a enfrentar o risco de poluição e degradação ambiental”, afirma a química Thaís Santos, que é doutoranda em bioenergia e moradora do bairro.
O movimento “Incinerador de Lixo em Perus, Não” tem promovido reuniões e protestos para barrar a obra. O grupo defende que a prefeitura e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) priorizem políticas de reciclagem, compostagem e apoio às cooperativas de catadores, conforme previsto no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS).
Atualmente, quase todo o lixo produzido em São Paulo e na Grande São Paulo, região que mais produz resíduos no país, tem como destino os aterros sanitários. Segundo dados da Cetesb, o estado de São Paulo possuía um total de 302 aterros sanitários em 2023. Desses 302, 265 eram públicos (87,7%) e 37, privados (12,3%).
Apesar de contarem com sistemas de impermeabilização e coleta de chorume, esses locais têm vida útil de cerca de 15 anos e deixam danos ambientais como mau cheiro, emissão de biogás e produção de chorume por até duas décadas após o fechamento.
A reciclagem, considerada o caminho ideal por especialistas, ainda é limitada na capital paulista: menos de 3% do lixo é reciclado. A falta de separação correta dos resíduos, a contaminação por materiais orgânicos e o baixo interesse da indústria tornam o processo caro e pouco eficiente.
Com os aterros próximos da saturação, a Prefeitura de São Paulo aposta em novas rotas de tratamento, como os incineradores.
Em nota, a gestão municipal afirmou que audiências públicas estão previstas e ainda devem ocorrer antes da implementação dos Ecoparques e das Unidades de Recuperação Energética (URE) na cidade. Mas ainda não confirmou as datas dos encontros (leia mais abaixo).
Parque e terra indígena
O terreno previsto para o incinerador fica a cerca de 7 km de distância da Terra Indígena do Jaraguá, e próximo ao Refúgio de Vida Silvestre do Parque Anhanguera, a segunda maior área verde da capital e o maior parque urbano da cidade.
Segundo os moradores, o local ainda apresenta resíduos de biogás e metano do antigo Aterro Bandeirantes, o que poderia causar risco de explosões e incêndios.
A área do Bandeirantes, que deixou de funcionar em 2007, tem cerca de 150 hectares, o equivalente a 150 estádios de futebol. O local era considerado um dos maiores aterros sanitários da América Latina.
“Construir uma usina sobre uma área que ainda emite gás inflamável é uma atividade potencialmente perigosa e exige monitoramento técnico rigoroso”, alerta Thaís.
Segundo ela, a exposição contínua a emissões de incineradores está cientificamente associada a diversos riscos à saúde, tanto para os moradores do entorno quanto para os trabalhadores das instalações, especialmente para faixas etárias vulneráveis, como crianças e idosos.
A engenheira Sirlei Bertolini, conselheira do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades) da Prefeitura de São Paulo e moradora de Perus, acrescenta que o estudo de impacto ambiental apresentado pela Loga, concessionária responsável pela administração do futuro incinerador, aponta impactos indiretos sobre o ecossistema do Parque Anhanguera.
“Mesmo sem contato direto, as emissões e o tráfego de caminhões podem alterar a qualidade do ar e afetar a fauna e a flora da região”, afirma.
Procurada, a Loga (Logística Ambiental de São Paulo) não comentou sobre os impactos ambientais sugeridos no estudo até a última atualização desta reportagem.
Impacto ambiental
A proposta das UREs, os incineradores de lixo, divide opiniões. O engenheiro Douglas Freitas, especialista em gestão de aterros sanitários, avalia que a incineração pode ser uma alternativa técnica ao esgotamento dos aterros, desde que bem regulada e fiscalizada.
“Há tecnologia suficiente para realizar a incineração de forma controlada, com impacto mínimo. A Cetesb tem corpo técnico qualificado para analisar a viabilidade e impor condicionantes ambientais”, diz.
Freitas pondera, no entanto, que empreendimentos desse tipo costumam ser instalados em regiões periféricas, o que reforça desigualdades urbanas.
“Ninguém quer um aterro ou uma usina perto de casa, mas todos querem o lixo recolhido. É uma contradição social que precisa ser debatida”, afirma.
Para o engenheiro ambiental, a gestão de resíduos em São Paulo ainda se equilibra entre o ideal e o viável. A reciclagem, embora sustentável, é economicamente inviável em larga escala. “A falta de separação adequada nas casas, a contaminação por resíduos orgânicos e a baixa demanda do mercado tornam o processo caro e pouco eficiente”, diz.
Segundo Freitas, o aterro sanitário continua sendo a opção mais barata, mas já mostra sinais de saturação. “Com 14 mil toneladas de lixo por dia, está faltando espaço para enterrar tanto resíduo”, afirma.
Como alternativa, o engenheiro defende o uso de tecnologias térmicas, como a incineração moderna e o Combustível Derivado de Resíduo (CDR). A incineração, segundo ele, reduz o volume de lixo de imediato e pode gerar energia elétrica.
Já o CDR, usado em indústrias cimenteiras de Guarulhos, na Grande São Paulo, e Paulínia, no interior, segundo ele, aproveita o lixo como fonte de combustível, ajudando a diminuir a dependência dos aterros.
A química Thaís Santos argumenta que as UREs não são sustentáveis e podem reduzir os índices de reciclagem ao competir com cooperativas. “Essas usinas precisam de resíduos com alto poder calorífico, como plásticos e papéis, justamente os materiais mais recicláveis. É um retrocesso ambiental e social”, completa.
O que dizem a prefeitura e Cetesb
A SP Regula informou que as três UREs serão implantadas ao longo dos próximos 20 anos e que os contratos estão disponíveis para consulta pública no site da autarquia. Segundo o órgão, as unidades contarão com sistemas modernos de controle de emissões, “sem liberação de poluentes e com geração de energia limpa”.
A Prefeitura de São Paulo afirmou que a cidade gera cerca de 12 mil toneladas de lixo por dia, das quais menos de 3% são recicladas, e que o objetivo das UREs é diversificar o tratamento de resíduos e reduzir a dependência dos aterros sanitários.
“A SP Regula informa que audiências públicas estão previstas e ocorrerão para a implementação dos Ecoparques e das Unidades de Recuperação Energética (URE) na cidade. Nessas reuniões, com data ainda a definir, a população terá a oportunidade de conhecer o projeto e tirar dúvidas.”
A prefeitura disse ainda que “é importante esclarecer que as UREs não podem ser confundidas com os antigos incineradores dos anos 1970 e 1980, pois não representam risco à saúde da população e prova disso é que a maioria dessas unidades pelo mundo está localizada em áreas residenciais”.
“Na capital da Dinamarca, por exemplo, funciona há seis anos a CopenHill, uma URE que incinera 440 mil toneladas de resíduos por ano a menos de 1,5 quilômetro em linha reta da sede do Parlamento Dinamarquês”, disse.
Além disso, a prefeitura afirmou que as Unidades de Recuperação Energética fazem parte do complexo dos Ecoparques, cujo objetivo é “diminuir o volume de resíduos encaminhado aos aterros, gerando energia, criando empregos e melhorando os cuidados com o meio ambiente e preservando a saúde pública”.
Já a Cetesb informou que o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do Ecoparque Bandeirantes ainda está em análise técnica e que nenhuma licença foi emitida até o momento.

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