MP denuncia subprocurador-geral de Niterói e mais 6 pessoas por suspeita de peculato em desapropriação no município


Investigações apontam superfaturamento de R$ 20 milhões em terreno comprado pela Prefeitura destinada ao Parque Morro do Morcego, em Jurujuba. Justiça determinou bloqueio de bens dos sete acusados.
Reprodução
O Ministério Público do Rio de Janeiro, por meio do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), denunciou 7 pessoas, entre elas o subprocurador-geral de Niterói, por participação em um suposto esquema de superfaturamento na desapropriação de um terreno em Jurujuba. A área seria destinada à implantação do Parque Natural do Morro do Morcego.
A denúncia afirma que os acusados — entre donos do terreno, funcionários da prefeitura e o subprocurador-geral do município —, se articularam para que a Prefeitura de Niterói pagasse R$ 36,2 milhões por uma área que, segundo laudos anteriores, valeria apenas R$ 1,8 milhão.
A Justiça recebeu a denúncia e tornou réus os 7 investigados. Também determinou o bloqueio de R$ 20 milhões e expediu mandados de busca e apreensão, cumpridos nesta terça-feira (18).
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Quem são os réus e o papel de cada um, segundo o MPRJ:
Douglas Ferreira Cavalcante: fiscal de obras e membro da Comissão de Avaliação da Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade. Teria participado da elaboração do laudo que superdimensionou o valor do terreno;
Francisco Miguel Soares: subprocurador-geral do município. Segundo o MPRJ, ele “impulsionou decisivamente” o processo de desapropriação, ignorando um parecer que pedia estudos adicionais;
José Renato da Gama Barandier Junior: então secretário municipal de Urbanismo e Mobilidade, teria atuado como ordenador de despesas e teria ciência do valor real da área;
Marcos Augusto Nóbrega da Câmara Torres: presidente da Comissão de Avaliação. Ele é apontado como um dos responsáveis pela elaboração do laudo com preço inflado;
Marcus Vinícius Alves: sócio da Krek Administração, dona do terreno. Segundo a denúncia, foi beneficiário direto do superfaturamento e tinha plena ciência da diferença entre o preço pago na compra e o valor recebido na desapropriação.
Rosemberg Ornelas Gomes – fiscal de obras, como Douglas, e também teria do o laudo que superdimensionou o valor.
Sônia Maria Francis Alves: sócia da Krek.
Como funcionava o esquema
O superfaturamento indicado pelo órgão é superior a 130% do preço real da área, o que gerou um prejuízo mínimo de R$ 20 milhões aos cofres públicos.
De acordo com o MPRJ, os sócios da empresa Krek Administração Ltda., Marcus Vinícius Alves e Sônia Maria Francis Alves, compraram o terreno cerca de 1 ano antes por valores compatíveis com a avaliação de R$ 1,8 milhão feita no processo de inventário do antigo proprietário.
Mesmo assim, a empresa recebeu da prefeitura mais de R$ 36 milhões como “justa indenização” durante a desapropriação.
Fachada da Prefeitura de Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Reprodução/ TV Globo
O laudo que embasou o pagamento foi elaborado pela Comissão de Avaliação da Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade. Segundo o Ministério Público, o documento desconsiderou limitações ambientais, urbanísticas e geográficas que impediriam o aproveitamento imobiliário considerado no cálculo do valor.
Um relatório técnico do GATE/MPRJ classificou o empreendimento usado no laudo como “inexequível” e incompatível com normas ambientais.
O que dizia o laudo
O Laudo de Avaliação nº 03A/2022, elaborado pela comissão de servidores, adotou o método involutivo, que estima o valor do terreno com base em um suposto potencial construtivo. Para o GATE/MPRJ, isso “superestimou artificialmente” o preço ao ignorar:
inclinação superior a 30% do terreno;
áreas de costão rochoso;
faixa de marinha;
topo de morro;
vegetação nativa de Mata Atlântica;
restrições da APA do Morro do Morcego.
Mesmo num cenário “otimista”, o GATE estimou o valor real do terreno em R$ 15,5 milhões, menos da metade do que foi pago pela Prefeitura.
Parque Natural Morro do Morcego
O Parque Natural Municipal Morro do Morcego, batizado oficialmente de Parque Natural Municipal Dora Hees de Negreiros, é uma unidade de conservação localizada no bairro Jurujuba, em Niterói.
A criação do parque foi aprovada pela Câmara em dezembro de 2022 por meio de um crédito especial de R$ 65,8 milhões. Parte desse valor, R$ 36,2 milhões, foi destinada à desapropriação do imóvel investigado.
Segundo o MPRJ, a votação ocorreu de forma acelerada, em apenas três dias, às vésperas do recesso legislativo.
Desdobramentos do processo
A 1ª Vara Criminal de Niterói recebeu a denúncia, determinou o sequestro de bens dos acusados no valor correspondente ao superfaturamento e autorizou nove mandados de busca e apreensão, cumpridos em endereços residenciais e sedes de empresas nesta terça-feira.
O Ministério Público também pede:
ressarcimento integral dos R$ 20 milhões aos cofres públicos;
perda dos cargos públicos ocupados pelos servidores, caso sejam condenados;
oitiva de integrantes do GATE, do Mobile Lab/UFRJ, da Procuradoria Municipal e da oficial de justiça que avaliou o imóvel no inventário.
Sede do MPRJ, no Centro do Rio
Alziro Xavier/Divulgação
Os acusados responderão por peculato-desvio, crime previsto no artigo 312 do Código Penal. A pena prevista para esse crime é de 2 a 12 anos de prisão, além de multa.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a Prefeitura de Niterói, através da atual gestão da Procuradoria-Geral do Município, “esclarece que o processo administrativo tramitou por mais de um ano, na gestão anterior, em 2022”.
“O imóvel em questão, o Morro do Morcego, possui natureza muito específica e singular, condição que impede avaliação por método comparativo. De qualquer forma, a Procuradoria prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo MPRJ e vai solicitar informações dos autos do processo que ensejou a ação de hoje para novas providências. O compromisso é com a transparência, lisura e legalidade dos atos administrativos e a garantia de efetiva implantação do Parque Natural do Morro do Morcego, projeto indispensável para preservação ambiental em Niterói”.
A TV Globo tentou contato com os representantes da empresa Krek Administração Ltda, mas até a última atualização desta reportagem não teve retorno.

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