MP pede à Justiça anulação de projeto aprovado na Câmara que autorizou leilão de ruas de SP sem consulta pública


A farmacêutica Aspen já tem 80% dos prédios da rua América Central e tem interesse na compra dos demais imóveis da via.
Rodrigo Rodrigues/g1
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ingressou nesta quarta-feira (10) com uma ação civil pública na Justiça pedindo a anulação de todo o processo legislativo da Câmara que aprovou o projeto de venda de uma viela no bairro dos Jardins, Zona Oeste da capital paulista, para a iniciativa privada.
O projeto de lei 673/2025, de autoria do prefeito Ricardo Nunes (MDB), foi aprovado na quarta-feira passada (3), em 2° turno, por 29 votos a favor e 11 contrários.
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Conforme o g1 noticiou, além de autorizar o leilão da Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior para uma construtora que quer erguer um condomínio de luxo no espaço – após comprar todos os imóveis do local – os vereadores incluíram no projeto oito emendas polêmicas que concedem à iniciativa privada outros espaços da cidade, sem nenhuma consulta pública.
Uma das emendas é justamente a do vereador Marcelo Messias (MDB), que quer leiloar uma rua onde ainda existem 10 imóveis habitados em Santo Amaro, na Zona Sul. Os moradores da rua América Central e sua travessa adjacente não foram comunicados da emenda e se disseram surpresos com a atitude do vereador (veja mais aqui).
O MP já abriu uma investigação preliminar contra o vereador Marcelo Messias para entender a motivação dele em colocar a rua de Santo Amaro dentro do projeto, sem a devida consulta pública aos moradores da área, que é alvo de interesse imobiliário de uma empresa farmacêutica (veja aqui).
A rua América Central foi alvo de emenda do vereador Marcelo Messias (MDB), que autorizou o leilão da rua onde fica a empresa farmacêutica Apsen.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues e Lucas Bassi/Rede Câmara
Na ação civil pública protocolada nesta quarta (10), os promotores da Habitação da capital paulista dizem que tanto a proposta do Poder Executivo, quanto as emendas dos vereadores, “ignoraram o princípio da gestão democrática da cidade”.
“Para além da falta de consulta aos moradores das áreas afetadas, os poderes executivo e legislativo de São Paulo, de forma deliberada e acintosa, não providenciaram qualquer tipo de audiência pública para oitiva da sociedade civil, em especial, das comunidades do entorno. O processo, como um todo, ignorou o princípio da gestão democrática da cidade”, escreveram os promotores Marcus Vinicius Monteiro, Camila Mansour e Roberto Luís de Oliveira Pimentel.
Para os representantes do MP-SP, os vereadores da capital paulista usaram “um projeto de lei com alcance restrito foi usado indevidamente como ‘veículo’ para aprovar, sem debate público, a alienação de terrenos valiosos em áreas nobres e outras regiões da cidade.”
“Não há qualquer registro público disponível de que o Município de São Paulo ou a Câmara Municipal tenham analisado os impactos viários, sociais e urbanísticos de cada uma das novas áreas incluídas”, diz o pedido judicial.
Travessa deve ser privatizada para a construção de condomínio de luxo nos Jardins, Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução
Na ação civil pública, o MP-SP pede que o PL 673/2025 seja precedido de audiências públicas e que os vereadores sejam impedidos de colocar qualquer emenda no projeto que não tenha relação com o objeto original da proposta de lei debatida, sob pena de multa de R$ 1 milhão.
“A administração dos bens públicos municipais é uma atribuição típica do Poder Executivo. Cabe a ele, dentro de um juízo de conveniência e oportunidade, decidir quais bens não servem mais ao uso comum e podem ser alienados”, alegam os promotores.
“O Projeto de Lei ora impugnado, contendo 8 (oito) emendas parlamentares apresentadas às vésperas da votação, vulnera o princípio da separação de poderes por se tratar de matéria de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, interferindo indevidamente na gestão administrativa do Município”, completaram.
Rua em Santo Amaro, SP, é autorizada a ir para leilão sem moradores serem avisados
O que dizem as partes
O g1 procurou a Mesa Diretora da Câmara Municipal de São Paulo que, por meio de nota, disse que “vê com muita estranheza a tentativa de utilizar uma ação civil pública para barrar um processo legislativo ainda em curso”.
“Trata-se de tentativa ilegítima de utilizar o Poder Judiciário para violar a separação dos Poderes. Tais iniciativas não encontram respaldo na jurisprudência reiterada pelo TJ/SP, nem pelo STF, que a respeito já emitiu a Tese de Repercussão Geral n. 1120”, disse a nota.
“Eventuais inconstitucionalidades havidas no processo legislativo, como é consabido, devem ser tratadas em ADI (ação direta de inconstitucionalidade)”, declarou.
A Procuradoria Geral do Município (PGM) informou que o Município ainda não foi notificado quanto à ação mencionada pela reportagem.
“A Casa Civil reitera que deverá receber ainda nesta semana o Projeto de Lei 673/2025, que passará por análise do Executivo. É possível antecipar, entretanto, que as emendas que tratam de ruas usadas como acesso a residências e incluídas no PL sem a concordância dos moradores serão vetadas”, disse a nota.
As emendas anexadas ao projeto original da prefeitura preveem o repasse à iniciativa privada das seguintes ruas e terreno:
Emenda 1 – Fabio Riva (MDB): Cede, por concessão administrativa de 20 anos, prorrogáveis por mais 20, área municipal na Av. Cônego José Salomon, 755 (Jardim Felicidade, Zona Norte) ao Instituto Gomes de Basquete.
Emenda 2 – João Ananias (PT): Autoriza a venda de terreno público de 25,6 mil m² na Rua Keia Nakamura, para construção de 720 apartamentos de moradia popular.
Emenda 3 – Zoe Martinez (PL): Autoriza a venda de terreno de 140 m² na Av. Brigadeiro Faria Lima, uma das regiões mais valorizadas da cidade.
Emenda 4 – Sansão Pereira (Republicanos): Autoriza a venda da Rua Aurora Dias Carvalho, no Itaim Bibi.
Emenda 5 – Marcelo Messias (MDB): Autoriza a venda da Rua América Central, entre a Rua La Paz e a Rua Ada Negri, além de viela adjacente, em Santo Amaro.
Emenda 6 – Isac Felix (PL): Autoriza a venda da Rua Canoal (Codlog-666211).
Emenda 7 – Silvinho Leite (União Brasil): Concessão gratuita, por 20 anos, de duas áreas municipais: uma na Marginal Pinheiros para a Associação Comunitária da Cohab Adventista e outra em Jurubatuba para a Associação Amigos do Parque Santa Edwirges.
Emenda 8 – Silvão Leite (União Brasil): Autoriza a concessão administrativa de terreno de 5,2 mil m² na Rua Luis Pereira Rebouças, para a Associação Esporte Clube Bem Bolado.
O que dizem os especialistas
O professor da FGV, Marco Antonio Teixeira, e a advogada Bianca Tavolari, pesquisadora do Cebrap/USP.
Reprodução/Instagram
O cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor do curso de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destacou a importância do debate sobre a decisão dos vereadores.
“O papel dos vereadores foi bastante corporativo ao desconsiderar o interesse dos moradores e de quem lá na rua já está, já mora há muito tempo e terá suas vidas completamente modificadas. Eles [parlamentares] viraram representantes da empresa. E este é um debate muito importante para a cidade porque, por mais que haja interesses corporativos, é preciso considerar o interesse coletivo. Faltou esse espírito público aos parlamentares”, afirmou.
A doutora em direito Bianca Tavolari, coordenadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap-USP) e professora da FGV Direito, diz que a Câmara tem incluído nos projetos “privatizações ou potenciais privatizações de ruas por emendas, sem a necessária discussão com a população sobre o interesse público desses espaços”.
“É muito preocupante, porque isso já foi visto nas revisões de Plano Diretor, em que boa parte foi de emendas de vereadores atendiam a interesses exclusivos do mercado imobiliário. E é muito difícil sustentar que há interesse público nisso”, ressalta.
E finaliza: “Uma situação sem transparência e sem que a gente possa, de fato, ter uma percepção pública de qual é o interesse real desses vereadores”.

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