Mulher com a ‘pior dor do mundo: ‘tinha mais de 20 desmaios por dia no pico das crises’


Após cirurgia, paciente com a ‘pior dor do mundo’ volta a dirigir
Facadas na face, acompanhadas de choques intensos que duram poucos minutos, mas deixam marcas profundas. Foi assim que a professora de Mogi das Cruzes (SP) Márcia Fonseca, de 45 anos, conheceu a neuropatia do trigêmeo — uma doença rara e considerada uma das mais dolorosas do mundo.
A primeira crise veio em 2014. Márcia sentiu uma dor aguda no rosto e, sem entender o que estava acontecendo, procurou ajuda médica.
O caminho até o diagnóstico foi longo e cheio de obstáculos. “Eu me lembro claramente como se fosse hoje. É algo que transforma, que transcende o que eu posso explicar. É como se tivesse uma faca entrando e saindo, com choques junto dela”, descreve.
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Inicialmente, buscou orientação com o dentista que já tratava sua disfunção na articulação temporomandibular (ATM). Depois, foi encaminhada a um neurologista. Mas os medicamentos não surtiram efeito. As crises se intensificaram e Márcia passou a desmaiar de dor.
“A doença não causa desmaio, mas a dor era tanta que eu acabava desmaiando. Mais de 20 desmaios por dia no pico das crises”, relembra.
Mesmo sem cura, a professora tentou manter uma vida próxima do normal. Viajou, trabalhou, estudou e passeava com o marido.
Mas a partir de 2020, a dor se tornou mais frequente e incapacitante. Em casa, câmeras foram instaladas no quarto para que o marido pudesse monitorá-la à distância, temendo que ela caísse ou precisasse de ajuda.
Foram anos de tentativas frustradas: isotomia, radiofrequência, infiltrações e até a neurotomia por balão — procedimento que lesiona o nervo com um balão inflado por um minuto. A dor dava trégua, mas sempre voltava, mais intensa.
Nos últimos dois anos foram cerca de 100 crises diárias, mesmo tomando remédio. Isso impossibilitou a professora de realizar atividades simples, ela não dirigia mais, se afastou do trabalho e passou a viver um dia de cada vez.
“Ela não escolhe o dia. No meu aniversário do ano passado, meu esposo planejou fazer uma comemoração com os amigos. Mas no dia eu estava em crise, então, acabou que tudo foi deixado de lado”.
Em março de 2025, Márcia passou por uma cirurgia de neuroestimulação. Eletrodos foram implantados em sua medula para controlar a sensibilidade do nervo por meio de impulsos elétricos. Desde então, a qualidade de vida melhorou significativamente. E ela realizou o desejo de voltar a dirigir, algo simples que ela teve de parar por conta das crises.
“É estranho começar a dirigir de novo, é como se estivesse iniciando mesmo. Um pouco inseguro, mas nada que me limite não”.
Segundo o neurocirurgião Pedro Henrique Cunha, especialista em dor e responsável pelo tratamento, Márcia ainda sente desconforto, mas os picos mais intensos cessaram. “Ela parou de perder a consciência, o que impossibilitava atividades simples como dirigir. A qualidade de vida dela — e do marido — melhorou muito.”
Afastada do trabalho há três anos, Márcia agora planeja retomar suas funções administrativas na escola onde atua. O caminho foi longo, doloroso e cheio de incertezas, mas ela segue em frente, com coragem e esperança.
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Fé e Ciência
Em meio às dores intensas causadas pela neuropatia do trigêmeo, Márcia Fonseca encontrou forças em três pilares: fé, terapia e ciência.
Desde o diagnóstico, ela passou a fazer acompanhamento psicológico e se apoiou na espiritualidade para enfrentar os momentos mais difíceis. “A terapia foi essencial, os médicos sempre indicaram. Mas a fé e a busca pela ciência também foram fundamentais para caminhar, mesmo quando tudo parecia pesado demais”, afirma.
De família católica, Márcia sempre frequentou a Catedral de Sant’Ana com o pai, enquanto o marido, Luiz Carlos Rodrigues Santos, participava das atividades da paróquia Nossa Senhora do Socorro. Após a pandemia e a perda do pai, ela passou a acompanhar o marido nas missas, embora nem sempre conseguisse ir por causa das crises.
Santos, integrante da pastoral da acolhida, pedia orações ao padre Michel dos Santos, especialmente antes das cirurgias da esposa.
“Meu marido acabou criando uma rede de apoio que eu nem sabia que existia. Pessoas que falavam com ele por telefone se tornaram nossos amigos”, conta Márcia. Em uma das fases mais dolorosas, ela foi até a igreja pedir bênçãos antes da cirurgia de implantação dos eletrodos.
“O padre fez uma oração para mim, mas nem vou saber dizer o que ele disse, tamanha era a dor. Tanto que eu transpirava de dor. Terminou a missa, o padre veio e fez a oração. O padre foi até a mim porque nem isso eu conseguia fazer e eu agradeci”.
Apesar da dor dilacerante, que em muitos pacientes leva a pensamentos suicidas ou de eutanásia, Márcia nunca cogitou essas possibilidades. “Pela fé, isso não seria nem compatível. Mas infelizmente não é incomum. A dor, a depressão pra muitos, nem só com a neuralgia do trigêmeo, mas com dor crônica no geral, é sofrido saber que tem uma doença, que te faz sofrer muito e não tem cura”.
Santos sempre acompanhou a esposa durante as crises e nos tratamentos
Márcia Fonseca/Arquivo pessoal
A doença e o tratamento
Segundo o neurocirurgião Pedro Henrique Cunha, que acompanha Márcia, é importante diferenciar a neuralgia do trigêmeo da neuropatia. Ambas afetam o nervo trigêmeo — responsável pela sensibilidade do rosto — mas a neuropatia representa uma evolução da neuralgia, com lesão profunda no nervo.
As dores costumam aparecer em pacientes com mais de 50 anos. O médico destaca que é raro ver em adolescentes ou jovens e nesses casos, geralmente, é uma neuralgia secundária. Um simples toque no rosto pode desencadear as crises.
“Os casos que acabam chegando a mim são aqueles que já passaram por outros tratamentos. A cirurgia de descompressão pode melhorar o quadro de dor em até 90%, a radiofrequência e balão têm eficácias de 80%, por até três anos”.
Os casos mais graves, como o de Márcia, são raros e atingem cerca de 20% da população.
Márcia passou por diversos tratamentos sem sucesso. Em 2022, sua equipe médica sugeriu a neuroestimulação, um procedimento invasivo que implanta eletrodos na medula ou no cérebro para modular os impulsos nervosos. No entanto, o convênio médico recusou a cobertura, e ela precisou entrar na Justiça. A cirurgia só foi realizada três anos depois.
“É uma doença sem cura. O objetivo é recuperar qualidade de vida. Os ajustes do aparelho duram quase um ano, mas desde que fiz a cirurgia, tenho conseguido viver melhor”, relata. Hoje, ela regula a intensidade dos eletrodos a cada 30 ou 60 dias e continua tomando medicação — uma delas já está sendo retirada devido à melhora.
O neurocirurgião explica que o tratamento é indicado apenas para pacientes com dor refratária, que não respondem a outros procedimentos. “A neuroestimulação não elimina a dor, mas pode reduzir em até 50%. Márcia parou de desmaiar e de perder a consciência, o que já representa um avanço enorme.”
Antes da cirurgia definitiva, os pacientes passam por um teste com o aparelho fora do corpo. Se houver resposta positiva, o implante é realizado. O eletrodo funciona como um marca-passo e pode ser carregável (com duração de até 15 anos) ou não (com vida útil de cerca de 7 anos). O custo varia entre R$ 60 mil e R$ 100 mil, mas o procedimento é oferecido pelo SUS.
“A cada ano, mais pacientes têm acesso à neuroestimulação, especialmente aqueles com sequelas de dor pós-cirurgia de coluna”, afirma Cunha, que já implantou o dispositivo em 70 pessoas.
Após a cirurgia, Márcia passou a fazer atividades simples do dia a dia, como passear no shopping
Márcia Fonseca/Arquivo pessoal
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