Envelhecimento cerebral não ocorre por perda maciça de neurônios, mas pela queda de eficiência dos genes que mantêm as células funcionando
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Um estudo publicado na revista científica Nature traçou o mapa mais detalhado já feito do envelhecimento cerebral humano — e revelou que o processo não ocorre por perda maciça de neurônios, como se acreditava, mas pela queda de eficiência dos genes que mantêm essas células funcionando.
A equipe analisou mais de 360 mil células do córtex pré-frontal, região ligada à memória, atenção e tomada de decisões, em cérebros de pessoas de idades que vão de recém-nascidos a centenários.
O que se sabia antes
Até agora, a ciência explicava o envelhecimento cerebral sobretudo por dois mecanismos:
Perda de neurônios ao longo da vida, o que reduziria a capacidade de processamento do cérebro.
Acúmulo de proteínas tóxicas, como beta-amiloide e tau, associadas a doenças como Alzheimer.
Essas ideias ajudaram a criar terapias que atuam nos sintomas (como os inibidores de colinesterase, usados desde os anos 80) ou em proteínas defeituosas (como os anticorpos monoclonais aprovados em 2023 e 2024). Mas ainda não havia clareza sobre o que acontece nas células saudáveis durante o envelhecimento.
O que o novo estudo mostrou
O trabalho traz novidades fundamentais:
Neurônios preservados, mas menos eficientes. As células continuam existindo, mas perdem vitalidade porque os genes ligados a funções básicas — energia, reparo, transporte e metabolismo — entram em declínio, principalmente após os 40 anos.
Acúmulo de mutações somáticas. Cada neurônio acumula, em média, 15 mutações por ano. Essas alterações não são herdadas dos pais, mas adquiridas ao longo da vida, como resultado de desgaste, exposição ambiental e falhas nos mecanismos de reparo.
Genes longos protegidos, genes curtos vulneráveis. Genes mais curtos e muito ativos, responsáveis pela manutenção celular, sofrem mais mutações e tendem a perder expressão. Já genes longos específicos dos neurônios, ligados a funções cognitivas, parecem ter mecanismos extras de proteção e se mantêm mais estáveis.
Desequilíbrio na comunicação neural. Em cérebros mais velhos, há redução de genes inibitórios como SST e VIP, que funcionam como “freios” da atividade cerebral. Isso aumenta o “ruído” nas conexões, favorecendo declínio cognitivo e risco de doenças neurodegenerativas.
Diferença entre infância e velhice
Em bebês e crianças, foram identificados grupos de neurônios e astrócitos imaturos ligados ao desenvolvimento. Já no envelhecimento, há queda de células precursoras de mielina, reduzindo a capacidade de regeneração das conexões.
Virada de chave
O estudo mostra que o envelhecimento cerebral não está ligado à perda maciça de neurônios, mas ao acúmulo de mutações em genes responsáveis pela sua manutenção.
Para o especialista em doenças raras e PhD em genética reprodutiva Ciro Martinhago, esses genes, ligados a reparo, metabolismo e energia, “perdem eficiência com a idade — e essa queda fica mais evidente depois dos 40 anos, quando os mecanismos de reparo deixam de dar conta do desgaste acumulado”.
Esse detalhe ajuda a explicar por que, apesar de preservarem sua identidade, os neurônios tornam-se menos eficientes com o tempo. Neurologista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Renato Anghinah ressalta que os genes específicos dessas células permanecem estáveis, mas a “maquinaria básica que garante seu funcionamento entra em declínio”. Segundo ele, isso reforça que o cérebro envelhece em sintonia com o corpo, num processo de desgaste global.
A consequência prática, ressalta o neurocirurgião pós-doutor pela USP Helder Picarelli, é um deslocamento de foco:
“Sempre tentamos tratar as consequências do envelhecimento — cálcio para ossos, colágeno para pele, vitaminas para memória. O diferencial deste trabalho é mostrar que talvez seja possível intervir nas causas moleculares, atacando a origem do problema.”
Se hoje a prevenção ainda depende de hábitos como sono de qualidade, dieta equilibrada e controle de doenças crônicas, os especialistas veem no horizonte terapias capazes de preservar a eficiência genética das células. Mais do que aliviar sintomas, a ciência passa a vislumbrar a chance de retardar de fato o relógio biológico do cérebro.
O que muda na prática
Na rotina clínica, os resultados ainda não se traduzem em mudanças imediatas de conduta, mas abrem caminhos relevantes.
O primeiro deles é a prevenção precoce: os dados reforçam que os cuidados com o cérebro precisam começar cedo, especialmente a partir dos 40 anos, quando os mecanismos naturais de reparo perdem força.
Outro ponto é a identificação de novos alvos terapêuticos. Ao mostrar que os genes de manutenção celular são os mais afetados pelo envelhecimento, o estudo indica que futuras drogas podem ser desenhadas para preservar ou restaurar a eficiência dessa maquinaria, mudando a lógica atual de apenas controlar sintomas.
Por fim, há impacto direto no entendimento de doenças neurodegenerativas. A análise ajuda a explicar por que alguns indivíduos desenvolvem Alzheimer ou Parkinson enquanto outros envelhecem sem declínio tão acentuado, e pode oferecer pistas para detectar o risco antes mesmo do aparecimento dos sinais clínicos.
Na prática, isso abre espaço para diagnósticos mais precoces, estratégias de acompanhamento personalizadas e, no futuro, terapias voltadas à causa biológica do envelhecimento cerebral.
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