Nova diretriz contra obesidade descentraliza IMC, traz cálculo de risco cardíaco e indica uso de remédios como Ozempic


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Todo paciente adulto com sobrepeso ou obesidade passará a ser avaliado não apenas pelo índice de massa corporal (IMC), mas também pelo risco de desenvolver infarto, AVC ou insuficiência cardíaca nos próximos dez anos.
A mudança faz parte de uma diretriz inédita lançada por cinco sociedades médicas brasileiras nesta sexta-feira (19), que recomenda o uso do escore PREVENT para calcular o risco cardiovascular e orientar a conduta médica. O documento também estabelece metas claras de perda de peso e respalda o uso de medicamentos como a semaglutida (Ozempic/Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro) na prevenção de doenças do coração.
“Agora, todo paciente com obesidade deve ser classificado. O IMC continua relevante, mas não pode ser o único critério”, explica a endocrinologista Cynthia Valério, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e uma das autoras da diretriz.
Antes e agora
Até aqui, a avaliação de pacientes era feita principalmente com base no IMC.
IMC ≥ 25 → classificado como sobrepeso.
IMC ≥ 30 → considerado obesidade, com recomendação de mudança de estilo de vida.
IMC ≥ 35 → em alguns casos, já havia indicação de medicamentos.
IMC ≥ 40 → cirurgia bariátrica podia ser indicada.
Com a nova diretriz, o IMC continua sendo calculado, mas não é mais decisivo sozinho. Agora, o médico deve aplicar o escore PREVENT para estimar o risco cardiovascular real do paciente e definir metas e terapias proporcionais a esse risco.
O que muda na prática clínica
Avaliação além da balança: o paciente terá risco cardiovascular calculado com base em IMC, glicemia, colesterol, pressão arterial, idade e histórico familiar.
Classificação em faixas de risco: baixo, moderado ou alto — o que orienta a escolha do tratamento.
Metas de perda de peso: redução de 5% já oferece benefícios metabólicos; 10% ou mais diminui risco de infarto e AVC em quem tem risco moderado ou alto.
Exames ajustados: marcadores cardíacos terão pontos de corte diferentes em pessoas com obesidade, para evitar diagnósticos equivocados.
Novos medicamentos: semaglutida (Ozempic/Wegovy) e tirzepatida (Mounjaro) passam a ter respaldo também para prevenção cardiovascular.
Atenção primária: consultas de rotina nos postos de saúde deverão incluir essa avaliação de risco.
Metas deixam de ser estéticas
A diretriz ressalta que o objetivo não é estético. Perder 5% do peso corporal já melhora a pressão, colesterol e glicemia. Para quem tem risco cardiovascular moderado ou alto, a recomendação é atingir 10% ou mais, o que reduz significativamente a chance de eventos graves.
“Uma perda de 5% do peso corporal já muda o prognóstico de uma pessoa com obesidade. Para quem tem risco alto de problemas cardiovasculares, 10% é fundamental. O problema é que ainda tratamos a obesidade tarde demais, quando já surgiram complicações”, diz Cynthia.
Nova diretriz propõe abordagem integrada para obesidade e risco cardiovascular
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A endocrinologista também chama atenção para o estigma associado à obesidade, muitas vezes tratado como falta de força de vontade. Segundo ela, esse preconceito aparece até em consultórios médicos e atrapalha o cuidado:
“Existe um estigma estrutural com pessoas obesas, inclusive no meio médico. Muitos ainda enxergam a obesidade como questão estética ou de culpa do paciente. Isso faz com que as pessoas desistam do tratamento e adiem o cuidado, quando a obesidade é, de fato, uma doença crônica que precisa de abordagem séria.”
Novos remédios, novos objetivos
O documento também marca a incorporação de terapias modernas. Até pouco tempo atrás, o arsenal médico se limitava a dieta, exercício e alguns medicamentos com efeito restrito. Hoje, drogas como semaglutida e tirzepatida ganharam papel central por mostrarem benefícios cardiovasculares comprovados. Segundo a diretriz:
a semaglutida (Ozempic/Wegovy, na dose de 2,4 mg) reduziu em 20% a ocorrência de infarto, AVC e morte cardiovascular em pessoas com sobrepeso ou obesidade sem diabetes, em estudo internacional;
a tirzepatida (Mounjaro) promoveu perdas de peso significativas e melhorou sintomas em pacientes com insuficiência cardíaca.
“Pela primeira vez, temos drogas antiobesidade com efeito documentado em desfechos cardiovasculares. Isso muda a história da doença, porque não falamos mais só de emagrecimento, mas de prevenção de infarto e morte”, reforça Cynthia.
O desafio do acesso
O entusiasmo científico esbarra em um problema prático: o alto custo dos medicamentos.
“Todos sabem que esses tratamentos são caros e pouco plausíveis para toda a população com obesidade. Mas precisamos discutir acesso, especialmente para quem tem alto risco, onde o impacto clínico e econômico é enorme”, afirma Cynthia.
A diretriz recomenda que as novas drogas sejam priorizadas para pacientes de maior risco. No Sistema Único de Saúde (SUS), entretanto, as unidades básicas ainda não utilizam calculadoras de risco de forma rotineira, e os medicamentos não estão disponíveis.
Atenção primária: consultas mais completas
A recomendação do documento é que a atenção primária assuma protagonismo no enfrentamento da obesidade. Isso significa que as consultas de rotina nos postos de saúde deverão incluir uma avaliação ampliada:
cálculo do IMC e da circunferência abdominal;
solicitação de glicemia, hemoglobina glicada e perfil lipídico;
aferição de pressão arterial;
investigação de histórico familiar e doenças associadas, como apneia do sono;
aplicação do escore PREVENT, que combina essas informações para estimar o risco cardiovascular.
Com esse resultado em mãos, o médico poderá propor desde mudanças de estilo de vida até o início de medicações específicas, nos casos de risco elevado.
“É nesse nível que o impacto é maior. Reconhecer a obesidade como doença crônica na atenção primária é o caminho mais custo-efetivo. Não adianta esperar o infarto para agir”, conclui Cynthia.
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