O que é propriedade intelectual — e por que o Brasil cogita retaliar os EUA nessa área

Diante da decisão do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, o governo brasileiro estuda responder com medidas na área de propriedade intelectual — que envolve a proteção de criações culturais (como músicas, filmes e livros) e industriais (como medicamentos, softwares e tecnologias).
Segundo especialistas, essa resposta teria impacto mais direto sobre o setor produtivo norte-americano, sem causar inflação no Brasil, como ocorreria com a imposição de tarifas sobre alimentos, por exemplo. No entanto, há riscos: a medida pode gerar insegurança jurídica, distorções no mercado e afastar investimentos estrangeiros.
O que é propriedade intelectual?
A propriedade intelectual é o conjunto de direitos que protege criações do intelecto humano, garantindo que autores, inventores e empresas recebam pelo uso de suas obras ou invenções. Isso vale, por exemplo:
Quando um cantor recebe direitos autorais por sua música tocada em rádios ou streamings;
Quando uma farmacêutica recebe pela produção de um medicamento patenteado.
No Brasil, esse tema é regulado principalmente por duas leis:
Lei da Propriedade Industrial (1996): trata de patentes, marcas, desenhos industriais e indicações geográficas;
Lei de Direitos Autorais (1998): protege obras intelectuais como músicas, filmes, livros e outras produções culturais.
O que o governo brasileiro pode fazer?
A Lei de Propriedade Industrial, no artigo 71, permite que o governo quebre uma patente — ou seja, autorize terceiros a produzir algo que pertence a outra empresa — em situações de interesse público ou emergência nacional.
Um exemplo foi a quebra da patente do remédio Efavirenz, usado no tratamento do HIV, em 2007, durante o segundo mandato de Lula.
Segundo o advogado Fábio Pereira, sócio do escritório Veirano Advogados, o governo poderia usar esse mesmo instrumento para atingir empresas dos EUA:
“Em tese, o governo pode adotar esse tipo de medida em relação a medicamentos americanos, como uma resposta a Trump, mas uma possível consequência é a criação de distorções no mercado e a saída de investimento estrangeiro nessa área”, diz Pereira.
Por outro lado, economistas avaliam que retaliar via propriedade intelectual pode evitar um efeito inflacionário no Brasil.
“Se a resposta aos Estados Unidos for com tarifas de 50% sobre alimentos, o preço desses alimentos vai disparar no Brasil. Nesse sentido, a opção por mudanças em propriedade intelectual acaba parecendo mais segura”, afirma Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.
Os EUA são potência em propriedade intelectual
De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), os Estados Unidos foram o segundo país com mais pedidos de patentes e registros de marcas em 2024. A China lidera. O Brasil aparece em sétimo lugar no registro de marcas, mas não figura entre os 20 maiores em patentes.
Isso faz da propriedade intelectual um setor estratégico para os EUA — e, por isso, um possível alvo de retaliação sensível.
Filmes, músicas e streaming entram na conta?
A Lei de Direitos Autorais protege as produções culturais no Brasil, inclusive as estrangeiras, desde que o país de origem tenha acordos com o Brasil — o que é o caso dos EUA. Por isso, seria difícil derrubar diretamente os direitos autorais de filmes ou músicas.
“A lógica das patentes não vale para filmes e músicas, o governo não conseguiria derrubar o direito autoral sobre uma obra específica”, explica Fábio Pereira.
O que é possível, no entanto, é elevar a taxação sobre produtos e serviços culturais, como plataformas de streaming, livros e filmes. Mas esse tipo de medida acabaria gerando aumento de preços para os consumidores brasileiros.
O que motivou a tensão entre Brasil e EUA?
Na última quarta-feira (9), Trump publicou uma carta pública endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anunciando uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados aos EUA. A nova taxação deve entrar em vigor em 1º de agosto.
Lula classificou a decisão como “inadmissível”, prometeu recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) e afirmou que o Brasil está pronto para responder com medidas econômicas proporcionais.
Segundo apuração do comentarista Gerson Camarotti, o governo avalia que a propriedade intelectual e a quebra de patentes são, neste momento, o principal caminho para a retaliação.

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