Lula e Trump, Ucrânia e Palestina: os principais pontos da Assembleia Geral da ONU
Já se passaram mais de 10 dias desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mencionou em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) a possibilidade de um encontro com o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — na ocasião, o republicano disse que um encontro poderia acontecer na “semana que vem”, prazo que acabou de terminar.
Naquele dia, em 23 de setembro, Trump contou que havia interagido com Lula por alguns breves segundos nos bastidores da assembleia, em Nova York.
O americano, que discursou logo após o brasileiro, disse diante do plenário da ONU que ambos tiveram uma “química excelente”, trocaram um abraço e combinaram o encontro.
Entretanto, até o momento, não há detalhes concretos sobre quando ou como se daria esse novo contato.
Uma fonte do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) afirmou que não se trata de uma demora, mas de um intervalo natural para se conciliar a agenda complexa dos dois presidentes. Essa fonte destacou que a negociação para isso está em curso.
Presidente dos EUA, Donald Trump, assiste a discurso do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Daniel Torok/ Casa Branca
Diplomatas brasileiros e americanos que acompanham o tema dizem reservadamente à BBC News Brasil que todas as possibilidades estão sendo consideradas.
É possível que os dois líderes tenham uma conversa por telefone ou videoconferência antes de se reunir pessoalmente. Lula não descarta ir a Washington, mas o encontro também poderia ser realizado em um terceiro país, em local neutro.
Uma oportunidade seria a cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), que ocorre a partir de 26 de outubro em Kuala Lumpur, na Malásia, da qual Lula e Trump devem participar.
O mais provável é que os Estados Unidos sugiram uma data e que o governo brasileiro avalie a disponibilidade na agenda de Lula e ofereça uma resposta.
Até o momento, porém, não há definição oficial do lado americano. Os nomes mais próximos de Trump tampouco parecem demonstrar empolgação com a possibilidade de aproximação entre os dois presidentes.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, cujo cargo é equivalente ao do ministro das Relações Exteriores no governo brasileiro, é um dos que defendem medidas contra o Brasil e já deu diversas declarações nesse sentido nos últimos meses.
A situação é complicada pela paralisação do governo americano iniciada na quarta-feira (01/10), resultado da falta de acordo no Congresso sobre o orçamento federal.
Diplomatas de ambos os países dizem reservadamente à BBC News Brasil que, mesmo sem impacto direto, o chamado shutdown pode afetar os preparativos para o encontro, que ficaria em segundo plano para o governo americano diante da crise doméstica.
A reportagem pediu um posicionamento oficial do Itamaraty, que preferiu no momento não se manifestar.
Articulações até agora
Uma reunião formal entre Lula e Trump seria a primeira depois da escalada da tensão entre os dois países e representaria uma oportunidade de destravar negociações.
Há meses, o governo americano vem impondo tarifas comerciais e outras medidas contra o Brasil em resposta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro — que é aliado ideológico de Trump e foi condenado em setembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado após perder a eleição de 2022.
Ex-presidente Jair Bolsonaro.
Getty Images via BBC
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro, mudou-se para os Estados Unidos neste ano e desde então tem se empenhado em articulações junto à Casa Branca por sanções ao Brasil, tentando pressionar pela absolvição e anistia do pai.
As sanções mais recentes foram anunciadas pelos EUA apenas um dia antes do aceno de Trump na ONU: Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do STF Alexandre de Moraes, e a empresa LEX – Instituto de Estudos Jurídicos, que pertence à família do magistrado, foram submetidas à Lei Magnitsky, que pune estrangeiros considerados pelo governo americano como autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
Desde o início, Trump deixou claro que as medidas contra o Brasil tinham natureza política e se referiu diversas vezes ao julgamento de Bolsonaro como uma “caça às bruxas”.
Foi nesse cenário que, segundo diplomatas de ambos os países, ocorreram articulações para tentar atenuar a tensão, culminando no breve encontro entre Lula e Trump nos bastidores da ONU.
Conversas reservadas envolveram autoridades como o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o secretário de Estado, Marco Rubio, que mantiveram contatos desde julho, incluindo uma reunião presencial em Washington.
Também houve esforço do empresariado do Brasil diante da taxa de 50% imposta sobre produtos exportados do país para os EUA, em vigor desde agosto.
Apesar de cerca de 700 produtos terem sido isentos, a sobretaxa afetou vários setores no Brasil e também da própria economia americana.
No início do mês passado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) enviou uma comitiva de mais de 120 empresários a Washington para tentar abrir canais de diálogo.
Poucos dias depois, o empresário brasileiro Joesley Batista, da JBS, viajou à capital americana para discutir as taxas sobre o setor de carne.
Ainda em setembro, o vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, conversou por videoconferência com o representante de comércio dos EUA, Jamieson Greer.
O USTR, escritório chefiado por Greer, investiga o Brasil por supostas práticas desleais de comércio. A investigação foi aberta em julho em paralelo ao anúncio do tarifaço.
Em 25 de setembro, dois dias após os discursos na ONU, Alckmin também participou de reunião virtual com o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick. Essa conversa já estava agendada antes da fala de Trump.
Resistência e próximos passos
No círculo próximo a Trump, tanto Lutnick quanto Greer são considerados por observadores como nomes mais abertos ao diálogo com o Brasil.
No entanto, apesar da movimentação de autoridades e empresários, e do fato de que um breve contato entre Trump e Lula nos bastidores da ONU já era cogitado, o aceno do americano durante seu discurso ocorreu de improviso e gerou surpresa.
A fala oficial, preparada com antecedência, incluía críticas duras ao Brasil — que foram verbalizadas por Trump, concomitante ao aceno para Lula.
“O Brasil agora enfrenta tarifas pesadas em resposta a seus esforços sem precedentes visando interferir nos direitos e nas liberdades de nossos cidadãos americanos e de outros. Com censura, repressão, utilização da corrupção no sistema judiciário como arma e perseguição de críticos políticos nos Estados Unidos”, disse o presidente americano na ONU.
Entre os defensores de medidas rígidas contra o Brasil estão membros do alto escalão do Departamento de Estado, liderados por Rubio e por seu secretário adjunto, Christopher Landau.
Marco Rubio e Donald Trump
EPA via BBC
Poucos dias antes do discurso na ONU, Rubio reagiu à condenação de Bolsonaro com críticas de “perseguições políticas” e a promessa de “uma resposta à altura”.
Também no Departamento do Tesouro, comandado pelo secretário Scott Bessent e responsável pela aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, sua mulher e sua empresa, haveria a defesa de medidas contra o Brasil.
É nesse contexto de divisão interna sobre o Brasil no governo americano que ocorrem as negociações atuais para agendar uma conversa entre Lula e Trump.
Diplomatas afirmam reservadamente que não há pressa e lembram que a preparação para reuniões do tipo pode levar vários dias.
Além disso, dizem, é preciso cautela para garantir que o encontro seja benéfico ao Brasil, em vez de deixar a situação ainda pior.
Um encontro no Salão Oval
Exemplos recentes de líderes estrangeiros que foram confrontados e humilhados na Casa Branca demonstram os riscos de um encontro presencial com Trump.
Tradicionalmente, reuniões entre o presidente americano e homólogos estrangeiros no Salão Oval são altamente coreografadas.
Segundo diplomatas com experiência na preparação desses encontros, o comum é que tudo seja acertado antecipadamente pelas equipes dos dois lados.
Quando os presidentes se encontram, já sabem exatamente o que vai ser discutido e anunciado. A reunião serve principalmente como oportunidade para declarações sobre a importância da relação bilateral e fotos com apertos de mão.
Trump, porém, quebrou essa tradição. O republicano costuma conduzir as reuniões no Salão Oval diante das câmeras, e é comum que desvie do tópico principal e faça acusações inesperadas ao interlocutor.
Entre os casos mais citados em Washington está o do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acusado de ingratidão em uma reunião em fevereiro que acabou em bate-boca.
Em maio, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, foi surpreendido por alegações infundadas de genocídio contra a população branca de seu país, em uma reunião descrita pela imprensa americana como “emboscada”.
Em entrevista à BBC News Brasil na semana passada, o historiador político Matthew Dallek, professor da Universidade George Washington, lembrou que “qualquer líder estrangeiro que se encontre com Trump em Washington” corre o risco de passar por situação semelhante, inclusive Lula.
Pessoas próximas ao presidente brasileiro, no entanto, consideram pouco provável que Lula aceitasse um constrangimento como o sofrido por Zelensky ou Ramaphosa.
Envolvidos nos preparativos consideram provável que um encontro presencial entre Lula e Trump, onde quer que seja realizado, só acontecerá após uma conversa inicial por telefone e dependendo dos resultados desse contato.
No entanto, ressaltam que a definição final vai depender da vontade dos dois presidentes.