Pesquisadores paraenses transformam resíduos amazônicos em cimento de baixo impacto ambiental


Professor Marco Oliveira explica o processo da criação do cimento Portland com resíduos (Nicksson Melo/g1)
O concreto é o segundo material mais usado no mundo. Está diretamente ligado ao processo de desenvolvimento socioeconômico das cidades, mas provoca um alto impacto ambiental.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que a indústria cimenteira é responsável por 7% da emissão de gás carbônico na atmosfera em todo mundo. Da extração de calcário, matéria-prima do cimento, ao transporte do produto pronto, a fabricação de uma tonelada de cimento equivale a uma tonelada de CO² na atmosfera.
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É neste contexto que pesquisadores paraenses têm trabalhado em alternativas mais sustentáveis para o setor. Soluções que gerem menor impacto ambiental e diminuam a emissão de gás carbônico no processo produtivo.
O Instituto Federal do Pará (IFPA) é o berço de duas dessas iniciativas: o cimento Portland, criado a partir de resíduos da indústria de celulose, e o concreto desenvolvido com resíduos de recapagem de pneus, usado como piso tátil.
Desenvolvimento de cimento composto
Um dos projetos desenvolvidos no IFPA é o cimento Portland com resíduos, que consiste na utilização de dois resíduos da indústria de celulose para produzir cimento composto.
A iniciativa partiu do professor e Dr. em engenharia civil, Marco Oliveira, com o intuito de substituir o clínquer, matéria-prima do cimento, que é obtido a partir da queima de calcário em altas temperaturas e é um dos principais responsáveis pela emissão de CO² na indústria cimenteira.
A pesquisa possibilita que, em proporções diferentes, este componente seja substituído por Cinza Volante de Biomassa (CVB), resíduo obtido dos fornos de beneficiamento da celulose, alimentados por eucalipto e madeira, e por Filler Calcário de Biomassa (FCB), resíduo derivado de um processo químico para obtenção da celulose.
Um dos projetos desenvolvidos no IFPA é o cimento Portland com resíduos, que consiste na utilização de dois resíduos da indústria de celulose para produzir cimento composto.
Juliana Alvarez/TV Liberal
Os dois materiais, comumente descartados em bacias de rejeitos, podem substituir em até 50% do uso de clínquer na produção de cimento.
As misturas desenvolvidas (mais de 30) foram testadas e validadas para atender diversas aplicações na construção civil, como argamassas de assentamento, reboco e até alvenaria estrutural. O projeto atende a normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e tem ainda a capacidade de capturar e fixar CO².
A produção do novo cimento tem viabilidade técnica em larga escala, “pois o Brasil é um dos países que mais produz celulose”, e tem competitividade no mercado, é o que garante Marco Oliveira.
“Se equipara ao custo de um cimento produzido. Ele tem competitividade no mercado. Eu sempre busquei pesquisas aplicadas. Quando você inicia esses projetos, já tenta responder essas perguntas em termos de custos”.
Resíduos de pneus substituem o uso de areia
A pesquisa começou em 2013, a partir da necessidade de encontrar materiais alternativos para a produção de cimento na região norte. O material escolhido veio da indústria de recapagem de pneus, já que o produto costuma gerar muito resíduo na Região Metropolitana de Belém.
Quando chegam ao Laboratório de Caracterização de Materiais (LCM), do IFPA, os pneus passam por um processo de separação e a borracha presente no material é granulada, em tamanhos fino, médio e grosso.
Quando chegam ao Laboratório de Caracterização de Materiais (LCM), do IFPA, os pneus passam por um processo de separação e a borracha presente no material é granulada, em tamanhos fino, médio e grosso
Juliana Alvarez/TV Liberal
O material granulado é agregado a outros materiais para a produção do concreto usado no piso tátil.
“A gente pega uma quantidade de areia, uma quantidade de água, uma quantidade de cimento e mistura num equipamento chamado misturador pneumático. Então, esse misturador faz com que essa mistura fique homogênea e aplicamos ela nas formas que são essas formas de piso tátil”, detalha Laércio Gouvêa Gomes, doutor em engenharia de materiais e professor do IFPA, que coordena a pesquisa.
A pesquisa tem por objetivo diminuir a extração de areia do meio ambiente e dar uma outra destinação a pneus usados e descartados.
“Quando a gente começa a incorporar esse resíduo, a gente tá dando uma outra utilidade, uma outra propriedade mecânica. No caso do resíduo de pneus, eles dão uma uma propriedade de flexibilidade nesses pisos. Então, ele gera menos impacto na pisada da pessoa com deficiência e na pisada dos transeuntes”, complementa.
Professor do IFPA, Laércio Gomes desenvolve piso tétil com resíduos de pneu e caroços de açaí
Juliana Alvarez/TV Liberal
A pesquisa já está sendo aplicada no piso tátil usado na instituição de ensino. A resistência mecânica do material também está dentro das normas estabelecidas pela ABNT.
“Sustentabilidade não freia o desenvolvimento”
Mestra em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento sustentável, Marjorie Azevedo destaca que projetos como dos professores Marco Oliveira e Laércio Gomes mostram o potencial da economia circular, em que os resíduos são reinseridos na cadeia produtiva, os transformando em novos produtos, como tijolos, blocos e concretagem.
Ela ressalta que a busca por sustentabilidade não significa “frear o desenvolvimento”, mas, sim, buscar alternativas que conciliem o crescimento econômico com a preservação ambiental e a inclusão social, um desenvolvimento sustentável.
“Ao contrário do que se pensa, não estamos na contramão do crescimento econômico. Muito pelo contrário, estamos buscando alternativas para esse crescimento”.
Para a engenheira ambiental Marjorie Azevedo, a “sustentabilidade não freia o desenvolvimento”
Arquivo pessoal
A engenheira ambiental destaca que ainda existem barreiras econômicas que dificultam a adoção em larga escala de práticas sustentáveis no setor e ressalta a necessidade de políticas públicas que viabilizem tais iniciativas.
Para falar sobre como a academia tem trabalhado a perspectiva de custo das produções, consultamos a doutora em estruturas, pesquisadora e professora do Instituto Federal do Amapá, Natasha Costa.
Orientadora de diversas pesquisas sobre cimento, ela destaca que os materiais sempre são pensados para concorrer com o que se tem no mercado.
“A gente precisa pensar nesse material para que ele consiga concorrer com o que a gente tem no mercado, porque não adianta eu pensar soluções na academia, mas que essa solução não seja viável ou que tenha um custo muito elevado, que inviabilize a produção em massa, porque a ideia é produzir em massa esse material para que ele possa ser utilizado em obras”.
Para falar sobre como a academia tem trabalhado a perspectiva de custo das produções, consultamos a doutora em estruturas, pesquisadora e professora do Instituto Federal do Amapá, Natasha Costa
Arquivo pessoal
Ela explica ainda que quando os pesquisadores propõem um novo material, características mecânicas, de resistência e de durabilidade também são levadas em consideração para que a solução seja, de fato, competitiva no mercado.
Mesmo assim, escalonar a produção ainda é uma dificuldade. Neste contexto, a pesquisadora destaca a necessidade de incentivos fiscais para que as empresas passem a adotar o uso de materiais mais sustentáveis.
“Vamos ter uma via de mão dupla. A gente vai ter essas empresas querendo parceria com as instituições de ensino, que elas conhecem, mas que ainda caminham a passos um pouco mais lentos, a academia conseguiria ter esse investimento e eles também conseguiriam ter esse apoio”.
A perspectiva da indústria
Como parte da indústria cimenteira, Fábio Cirilo, gerente de sustentabilidade e energia da Votorantim Cimentos, destaca os critérios para escalonar a produção de cimento fruto de pesquisas acadêmicas dentro da empresa.
“Passa por escala das soluções, porque é um setor com volumes sempre muito grandes. Às vezes a gente esbarra em umas pesquisas com um cimento um pouco diferente ou alguma nova tecnologia, mas de escala muito pequena. Um outro elemento importante é a viabilidade econômica, que sempre está na avaliação, por mais que possamos fazer investimento para desenvolver tecnologia”, pontua.
Ele destaca ainda que, desde 1990, a Votorantim Cimentos trabalha para diminuir a emissão de carbono no processo produtivo do cimento. Para alcançar este objetivo, a empresa tem trabalhado em diferentes frentes.
Uma delas tem por objetivo diminuir o uso de clínquer na fábrica. Gradativamente, o componente tem sido substituído por outros aditivos com propriedades similares e mais sustentáveis.
Os combustíveis fósseis, usados na queima do calcário, também estão sendo substituídos. Normalmente, por resíduos de outras indústrias. Em São Paulo, vem de pneus em desuso. No Pará, na fábrica de Primavera, o combustível para a queima vem de caroços de açaí.
Galpão com caroços de açaí
Divulgação
Desde 2018, a empresa coleta o caroço de açaí na Região Metropolitana de Belém e leva para a fábrica, a aproximadamente 190 quilômetros da capital paraense. No ano passado, 48.000 toneladas de caroço de açaí foram usadas neste processo, isso resultou em 44.000 toneladas de carbono que deixaram de ser emitidas.
O empreendimento paulista, com atuação em nove países – na América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia e África -, também tem trabalhado no uso de energia renovável e em eficiência energética. Além disso, tem buscado novas tecnologias capazes de fazer a captura e o sequestro de carbono na indústria cimenteira.
O trabalho leva em consideração o compromisso ambiental da empresa, alinhada aos acordos ambientais globais, e a necessidade de se manter competitiva no mercado.
“A gente sabe o tamanho do desafio que a gente tem como sociedade para enfrentar a crise climática. Talvez seja o maior desafio que a gente vai enfrentar como sociedade global e demanda um esforço coletivo coordenado. Então, é respeitar esses acordos, estar alinhados com eles. E claro que isso tem reflexo no nosso compromisso, reflexo na imagem com os nossos clientes e parceiros e o ponto crucial que é o ponto de competitividade, de sobrevivência do negócio”, declara Fábio.
De 1990 a 2024, a empresa reduziu 28% da emissão de carbono no processo produtivo do cimento. Para 2030 a meta de redução é de 14%, que eles buscam alcançar com novas tecnologias usadas para captura e sequestro de carbono.
A indústria cimenteira na COP30
Encarar a Amazônia como o futuro não é apenas um discurso bonito. É uma realidade. A região é, nas palavras do PhD em Engenharia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Rodrigo Rodrigues, “privilegiada geologicamente” por abrigar materiais que, quando incorporados ao cimento industrial, ajudam a reduzir significativamente as emissões de CO₂.
“No Brasil, especialmente na região Norte, existem materiais que podem ser adicionados ao cimento, conhecidos como adições. As pozolanas amazônicas, por exemplo, estão entre as mais reativas do mundo. Isso faz com que os cimentos brasileiros emitem, em média, 11% a menos de CO₂ do que os produzidos em outras partes do planeta”. Para Rodrigues, isso posiciona o Brasil como referência em sustentabilidade dentro da indústria cimenteira global.
Rodrigo Rodrigues faz parte do comitê internacional da indústria cimenteira que estará presente na COP30, realizada em Belém em novembro deste ano
Divulgação
Rodrigo Rodrigues faz parte do comitê internacional da indústria cimenteira que estará presente na COP30, realizada em Belém em novembro deste ano. O grupo tem como foco discutir formas de reduzir as emissões de CO₂ no setor da construção civil, responsável por uma parcela significativa dos gases de efeito estufa no mundo.
A participação brasileira no comitê, segundo ele, será uma oportunidade de mostrar ao mundo as soluções já adotadas no país, especialmente na região amazônica.
“Essa é a grande discussão que vamos levar à COP, como membros do Conselho Brasileiro. O futuro sustentável, o futuro ambiental e até o controle da temperatura do planeta dependem, em grande parte, da construção civil.”
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