A Polícia de São Paulo prendeu neste domingo o homem que deu 11 tiros em um carro com um casal e uma criança de 10 anos, em dezembro de 2024.
Rafael Rosa da Silva foi preso por policias civis do 37º DP (Campo Limpo), em ação comandada pelo delegado Fernando Cesar de Souza. O atirador foi preso no município vizinho de Taboão da Serra.
O caso foi mostrado pelo Fantástico em reportagem de agosto, que revelou como a investigação dos policiais descobriu que o ataque, inicialmente tratado como briga de trânsito, na verdade estava ligado a um desvio milionário em uma das principais cooperativas de saúde do país.
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O crime
O ataque ocorreu num sábado, 14 de dezembro do ano passado. Um carro preto seguia pela Zona Leste de São Paulo, e outro veículo cinza ia atrás dele. O primeiro estacionou, o segundo parou no meio da rua. Depois, tudo aconteceu muito rápido. Foram dez segundos que redefiniram a história do casal e o filho.
“A gente tinha planos, tinha viagens, tinha programações. Foi tudo destruído. Não tinha nada ali que mostrasse o motivo de fazer uma crueldade dessa”, disse uma das vítimas.
Logo após os tiros, a polícia começou a buscar imagens registradas por câmeras de segurança da região. Não demorou para os investigadores terem em mãos uma sequência de cenas, antes e depois do crime.
Às 15h47, meia hora antes do atentado, um homem de agasalho e calça jeans caminhava por uma rua próxima. A câmera registrou bem o rosto dele. Segundo as investigações, ele era um dos ocupantes do carro que seguia a família.
“A gente estava em um evento no clube de futebol do meu filho. Ao sair do clube, a gente estava indo para casa”, lembrou a mulher que foi vítima.
“Aí eu presenciei um carro tentando me ultrapassar. Eu achei uma manobra arriscada. E bloqueei, não deixei que ele ultrapassasse. Mas ali, naquele momento, não houve nenhuma discussão, não houve nenhum xingamento, não houve nada”, disse o homem.
“Se fosse uma briga de trânsito, naturalmente ele teria que atirar no motorista. Não tinha fundamento para que ele atirasse na passageira”, disse o advogado da família, Lindiano José da Silva.
Às 16h18, o homem de agasalho desceu com a arma na mão. “E aí, quando eu percebi, ele já tava aqui, já disparando, contra a minha esposa. E ele descarregou a arma”, afirmou o homem.
“A única coisa que veio na cabeça foi o meu filho, no momento. E mais nada”, disse a mulher.
Foram 11 tiros. Sete atingiram a mulher —no rosto, no ombro, no braço e na mão. O atirador entrou no carro, que voltou de ré pela rua. Mesmo ferido, o marido gritou por socorro.
“Você tá numa situação ali, desesperadora. Eu nem percebi que eu tava ferido. Meu filho tava no banco de trás. Graças a Deus, não acertou nenhum disparo nele. Ele tocou a campanha do vizinho, pedindo socorro lá pra poder ajudar a gente, né? Depois ali foi um milagre de Deus pra ela sobreviver e ficar bem, sabe?”, disse o homem.
Na fuga, os criminosos bateram o carro em frente a uma delegacia, a um quilômetro da casa da família, e fugiram a pé. Foi justamente o veículo que permitiu à polícia descobrir a motivação do crime. As informações da placa levaram os investigadores ao dono do carro.
Segundo a polícia, Júlio César Benício de Medeiros emprestou o carro para que outros dois homens executassem o atentado.
Tiago Ferreira foi flagrado correndo um minuto após o crime, perto do local onde o carro foi abandonado. Os policiais acreditam que ele dirigia o veículo. Já Rafael Rosa da Silva seria o atirador. Ele aparece antes e depois do atentado, usando a mesma roupa de quem efetuou os disparos. Mas Júlio César, Tiago e Rafael seriam apenas parte da organização criminosa.
Depois de oito meses de investigação, a polícia descobriu que o crime não tinha relação com briga de trânsito. A verdadeira motivação estava no trabalho da vítima, que atuou como analista financeira por 17 anos.
A mulher trabalhava na sede da Unimed Nacional, no centro de São Paulo, uma das principais cooperativas de saúde do país.
“A minha esposa tinha uma conversa no WhatsApp com a gerente dela. E lá ela mencionava um suposto desvio de dinheiro que estava acontecendo lá na empresa”, disse o homem.
A suspeita partiu de um e-mail a que o Fantástico teve acesso, que cobrava R$ 800 mil para um fundo de investimentos. A mensagem trazia a assinatura e a marca da concessionária Comgás. Mas, na verdade, a Comgás não tinha relação com a cobrança. O dinheiro ia para uma empresa fantasma com nome parecido: “C-Gás Fundo de Investimentos Ltda.”
“Queria camuflar esse nome pra que ninguém percebesse que o dinheiro que tava sendo gasto, na verdade, não era pra concessionária de serviço público e, sim, pra empresa montada por ela e pelo contador”, disse o delegado geral de polícia de São Paulo, Artur Dian.
A vítima percebeu o truque. “Saiu da nossa conta, indo pra esse C-Gás. E o CNPJ tá diferente também”, afirmou. Ela avisou à gerente que uma colega de trabalho estaria envolvida no desvio, mas não adiantou.
“Ela simplesmente acreditou nessa outra funcionária e não deu andamento na denúncia que eu fiz na época”, disse a vítima.
Desvio de dinheiro
A colega de trabalho era Bruna Perugine Teixeira, analista financeira no mesmo setor da Unimed. Segundo a polícia, ela arquitetou os desvios de dinheiro e também planejou a morte da colega.
“Pra tirar eu do caminho ali que eu tava, que eu que descobri esse desvio, ela solicitou fazer esse homicídio contra mim”, relatou a vítima.
“Ela mostra a frieza de mandar uma mensagem, um vídeo para essa vítima e se solidarizando”, completou o delegado.
A investigação descobriu que Bruna montou a “C-Gás Fundo de Investimentos” junto com o contador Danilo Araújo de Souza.
Nas redes sociais, Danilo gostava de postar fotos aproveitando a vida em viagens ao exterior.
Extratos bancários mostram várias transferências da Unimed nacional para a empresa fantasma. Em 8 de outubro do ano passado, a cooperativa pagou R$ 145 mil para a C-Gás. No mesmo dia, Danilo recebeu da C-Gás um PIX de R$ 146 mil.
Extratos bancários mostram várias transferências da Unimed Nacional para a empresa fantasma. Em outubro do ano passado, a cooperativa pagou R$ 145 mil à C-Gás. No mesmo dia, Danilo recebeu da C-Gás um PIX de R$ 146 mil. Ao todo, Bruna e Danilo teriam desviado mais de R$ 4,8 milhões da Unimed.
“Eu, de início, não acreditava. Eu não acreditava que tinha partido dali, que foi alguma colega dela de trabalho”, disse o homem.
A polícia comprovou a ligação entre os desvios e o atentado contra a família. A empresa C-Gás fez várias transferências para Maurício Mafran Bonfim, apontado como laranja. Segundo a investigação, foi ele quem pagou os dois autores do atentado. O extrato mostra que, logo depois de receber dinheiro da C-Gás, Maurício repassou valores para Rafael Rosa da Silva, o atirador.
“Não há dúvida alguma que o intuito era ceifar a vida, pelo menos dela, mas acredito que dos dois”, diz o delegado.
Ao saber que poderia ser presa, Bruna Perugine desapareceu. O carro dela foi abandonado e a família chegou a pedir informações sobre o paradeiro. Para a polícia, tudo era encenação.
“Ela também efetuou essa falsa comunicação de crime, o desaparecimento, pra também tentar escapar do crime”, diz o delegado.
Na ocasião da reportagem do Fantástico, Bruna, o sócio da C-Gás, Danilo, o atirador Rafael e o motorista Tiago estavam foragidos. Rafael foi preso neste domingo. Na época, os advogados de Rafael e Tiago disseram que iriam provar a inocência de seus clientes. A defesa de Bruna e Danilo sustenta a presunção de inocência dos dois. Os advogados afirmaram ainda que Danilo só vai se apresentar se for revogada sua prisão temporária e que Bruna encontra-se desaparecida.
Maurício Mafran, apontado como laranja do esquema, responde em liberdade. A defesa dele não foi encontrada para comentar. Além do atirador Rafael, já estava preso Júlio César, dono do carro usado no atentado.
“Posso falar, senhor, que eu não tenho envolvimento nenhum com isso”, afirmou Júlio César.
A Unimed afirma que instaurou uma apuração interna rigorosa, que resultou no desligamento dos profissionais envolvidos.
“Um crime desse sem esclarecimento, por exemplo, jamais saberíamos o que aconteceu, né? A gente consegue dar essa resposta pra família, pra que ela consiga, mesmo depois dessa tragédia, sobreviver e continuar sua vida”, disse o delegado, à época.
Mas, para seguir em frente, a família espera que todos os envolvidos sejam presos. Quem tiver informações sobre os foragidos pode ligar para o Disque Denúncia, no número 181. Não é preciso se identificar.
Recuperação pós-crime
O casal ainda se recupera dos ferimentos. “Ela já fez três cirurgias para reconstrução da mandíbula. Ela tá sem o movimento da mão direita, né?”, relatou o homem.
As sequelas não são apenas físicas. “Meu filho passa por um psicólogo, a minha esposa, eu também passo. A gente mudou de cidade por conta de tudo isso aí. É superar tudo isso, né? Começar a reconstruir, voltar a sonhar. Viver a vida que nós vivíamos, sabe?”, afirmou.
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Reprodução/TV Globo