Por que a queda dos preços nem sempre é tão boa quanto parece


A inflação representou uma ameaça persistente para a América Latina por décadas. Mas existem, agora, dois países no continente que apresentam deflação, ou seja, nível de inflação negativo.
A Costa Rica (-1%) e o Panamá (-0,3%) fecharam o mês de setembro com seu Índice de Preços ao Consumidor (IPC) no vermelho, em comparação com o mesmo período do ano passado.
As principais razões diferem entre cada país, mas existem também algumas causas comuns.
O secretário-executivo do Conselho Monetário Centro-Americano, Odalis Marte, explica que a queda dos preços dos combustíveis, ao lado da redução do valor de certos alimentos no mercado internacional, colaboraram para que alguns países da região registrassem inflação muito baixa ou até negativa nos últimos meses.
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El Salvador, depois de cinco meses de deflação, acaba de voltar ao índice positivo, mas com apenas 0,3% de inflação. Neste caso, entre outros motivos, também houve a influência da redução de impostos sobre a importação de alimentos.
Já no caso da Costa Rica, o fator determinante foi a valorização da moeda local frente ao dólar.
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O ex-presidente do Banco Central da Reserva de El Salvador, Carlos Acevedo, trabalha atualmente como consultor independente.
Para ele, a deflação que estamos observando no momento também é explicada pelo “efeito pós-pandemia”, ou seja, o custo de vida chegou a níveis tão exorbitantes, que as baixas atuais não são reflexo de uma crise, como ocorreu em outros países que enfrentaram situações deflacionárias.
Na verdade, como a base de comparação é alta, a deflação não é um sintoma preocupante.
“Considero uma estabilização dos preços, uma correção dos preços”, comenta Acevedo para a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
A Costa Rica acumula cinco meses consecutivos de queda dos preços. Já o Panamá completou um ano de IPC negativo.
A deflação é um fenômeno bastante incomum na América Latina.
No Brasil, apesar de deflações pontuais, como a registrada em agosto, quando o índice oficial de preços ao consumidor calculado pelo IBGE recuou 0,11% em relação ao mês anterior, não há registros recentes de deflação consistente.
O pesquisador Benjamin Gedan, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, explica que a deflação “não constitui um objetivo da política econômica, especialmente se ocorrer em consequência da paralisação da economia”.
O senso comum poderia nos dizer que, quanto mais se reduzirem os preços, melhor para o nosso bolso. Mas, na verdade, não é bem assim.
E o bolso dos consumidores?
Marte destaca que, no curto prazo, os consumidores ficam felizes, pois a deflação aumenta sua capacidade de compra.
Mas, no médio prazo, “a deflação pode prejudicar o crescimento econômico e a capacidade das famílias de gerar mais renda”.
É preciso considerar que, “em muitos países, quando a inflação é muito baixa ou negativa, não há aumentos salariais”, o consumo é reduzido, existe menos produção e a economia cresce menos.
É possível que se forme uma espécie de ciclo negativo, segundo o qual, embora os preços estejam mais baixos do que um ano atrás, o poder de compra dos consumidores pode continuar sendo baixo.
E, certamente, sem empregos ou com os salários congelados, a deflação não é favorável para as finanças pessoais.
A deflação no Panamá e na Costa Rica “não é preocupante”, segundo Marte, porque a economia dos dois países está crescendo. Ao contrário de outros casos, trata-se de uma deflação alinhada ao crescimento.
Nos dois países, se a deflação se estender por alguns trimestres, “nada acontece”, explica ele, pois ela faz parte de um processo de adaptação.
Observando estes países, a deflação não é consequência de recessão, mas sim um fenômeno associado à evolução de fatores externos e internos, segundo Marte.
Para entender como esta deflação influencia o contexto internacional, é conveniente levar em conta que a estrutura dos gastos das famílias varia de um país para outro, segundo o peso de cada produto dentro da cesta familiar utilizada para medir o IPC.
Na Costa Rica, no Panamá e em El Salvador (que acaba de sair da deflação, mas seu IPC ainda está em torno de 0%), Marte destaca que os preços dos combustíveis e dos alimentos têm grande peso na avaliação geral do custo de vida.
Isso não ocorre em outros países, onde a importância de certos produtos importados não é tão preponderante.
E, com referência a assuntos mais locais, a decisão de um determinado governo de subsidiar certos produtos também causa influência.
Em El Salvador, por exemplo, o preço dos combustíveis é subsidiado. Esta política permite compensar a alta de preços no mercado externo.
Do ponto de vista mais amplo, se a deflação persistir na economia de um país por muito tempo, sua situação poderá ficar mais complicada, à medida que ela afeta a atividade econômica. Mas, por enquanto, não parece ser o caso centro-americano.
“Não acredito que a redução dos preços nestes três países seja permanente”, afirma o economista.
Carlos Acevedo também não acredita que esta deflação passe a ser um problema. Mas, após a forte alta de preços no pós-pandemia, muitas famílias não sentem que os preços realmente tenham diminuído.
O IPC pode ser comparativamente baixo ou até negativo, mas “a vida continua sendo cara”, considerando os preços praticados antes da pandemia.
O melhor exemplo é o da Costa Rica, “um país caro porque a redução dos preços é marginal” em relação ao alto custo de vida, explica Acevedo.
“As pessoas não sentem no bolso”, segundo ele. E, de fato, quando conversamos com costa-riquenhos, a primeira coisa que ouvimos é que a vida está caríssima.
O que acontece quando a deflação se torna permanente?
Um dos exemplos mais marcantes de deflação muito negativa é o caso japonês, conhecido como “a década perdida” do país asiático.
Nos anos 1990, o Japão sofreu uma profunda crise econômica, com redução da demanda interna, baixas taxas de juros, fragilidade do iene, altos níveis de dívida e falta de investimentos empresariais.
Com uma população muito envelhecida e mais preocupada em economizar do que em consumir, as empresas reduziram seus preços sem conseguir a reativação do consumo, em meio a um estancamento econômico, quebra de empresas e aumento dos empréstimos em atraso.
A deflação crônica sofrida pelo Japão representou um grande problema econômico por muitos anos.
O que costuma ocorrer é que, em um processo deflacionário, as pessoas postergam o consumo, à espera de que os preços continuem caindo. Isso, por sua vez, dificulta ainda mais a recuperação da economia.
O processo cria um círculo vicioso, no qual a redução do consumo agrava a queda dos preços e a falta de investimento.
Níveis de inflação muito altos ou muito baixos não são boas notícias. E, embora cada país defina sua meta inflacionária (o nível de inflação conveniente para aquela economia específica), como regra geral, o objetivo ideal de movimentação dos preços costuma ser de cerca de 2% a 4%, segundo os economistas.
É o que se costuma considerar “nível saudável” de inflação.
De qualquer forma, os economistas continuam observando o que acontece atualmente na Costa Rica, El Salvador e Panamá como sendo um fenômeno passageiro, considerando que suas economias crescem a um ritmo até mais rápido que outros países da região.
Claramente, eles estão no caminho contrário da recessão.
Historicamente, a América Latina ganhou fama pelo seu controle da inflação. As “experiências dolorosas” do passado impulsionaram reformas em muitos países, que garantem a independência dos bancos centrais e uma política monetária responsável, segundo Benjamin Gedan.
E, embora seja sempre um enorme desafio atingir o nível inflacionário ideal para cada país, os economistas concordam que as lições aprendidas nas décadas passadas deixaram uma marca positiva no continente.
Um índice de aumento de preços abaixo de 0% pode parecer uma grande notícia para o bolso dos consumidores. Mas a deflação tem um forte lado negativo.
Getty Images via BBC

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