Qual é a crise de hospedagem na COP30?
A poucas semanas da 30ª Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), parte da atenção das delegações não está voltada apenas às negociações sobre metas climáticas ou cortes de emissões.
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O custo e as regras de hospedagem em Belém (PA) seguem no centro das discussões e levantam dúvidas sobre a participação de países e organizações no encontro.
Em agosto, uma carta assinada por 25 países e entregue ao secretariado da ONU já havia alertado para o risco de exclusão.
O g1 procurou as delegações estrangeiras, que relataram diversas dificuldades. Entre os principais pontos estão as diárias de alto valor, que em alguns casos chegam a centenas de dólares, e pacotes com estadia mínima obrigatória de até 19 noites, mesmo quando a permanência planejada é bem menor.
a COP 30 e nosso futuro
Em nota, a Lituânia destacou que as condições atuais ainda não seguem integralmente o acordo firmado entre o Brasil e a ONU para sediar a conferência.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente do país, o sistema oficial de reservas exige períodos mais longos do que a duração real da COP, com preços acima do limite definido pelo próprio governo lituano para diárias internacionais.
A delegação relatou ainda que o problema já foi discutido em ao menos três reuniões do Bureau da UNFCCC (que atua na organização do processo da COP) E em duas consultas enviadas às Partes, mas que as soluções apresentadas até agora não resolveram a situação.
“Essa condição limita a possibilidade de participação plena de especialistas e compromete o envio de delegações completas”, afirmou o país em nota.
Como funcionam as discussões da COP, a conferência do clima da ONU
A Letônia descreveu os pacotes oficiais como “inatingíveis”. Para o governo, a combinação de tarifas altas com a exigência de estadias mínimas tornou inviável a participação de parte dos técnicos.
Além disso, o curto prazo dado para efetivar reservas teria deixado pouco tempo para as consultas internas necessárias. Como consequência, algumas delegações já decidiram reduzir o número de participantes.
A Estônia relatou que recebeu propostas de até US$ 500 por noite, com obrigatoriedade de pagamento por 19 diárias, mesmo em estadias de apenas cinco dias.
O país classificou a prática como incompatível com a tradição das negociações climáticas e alertou que, se não houver revisão, pode considerar não enviar representantes.
“A credibilidade e a inclusividade das negociações ficam comprometidas se pequenos países não tiverem condições de participar”, informou o Ministério do Clima da Estônia.
A Noruega, que também assinou a carta, disse que a elevação dos custos em conferências climáticas vem se tornando uma preocupação recorrente e que pode afetar a presença de países em desenvolvimento e de organizações da sociedade civil.
Segundo o governo norueguês, a COP deve ser um espaço aberto e acessível, e medidas adicionais — como revisão de pacotes ou flexibilização de prazos — seriam bem-vindas.
Vista aérea da cidade de Belém no Pará, capital da COP30 no Brasil.
Rafa Neddermeyer/Cop30 Brasil
Os Países Baixos defenderam publicamente a adoção de um teto de preços e pacotes mais flexíveis, além de condições de cancelamento mais justas.
Para o governo neerlandês, esse tipo de medida seria fundamental para garantir a participação equitativa das delegações.
Já a Letônia foi além ao avaliar que a crise logística tem consumido tempo e energia das delegações, que deveriam estar concentradas nos temas centrais da conferência.
“A ausência de países por falta de hospedagem acessível é um risco real para a credibilidade e o processo justo da COP30”, disse o Ministério do Clima e Energia do país.
Entre os países em desenvolvimento, o Grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDC), que reúne 44 nações, também expressou preocupação.
O grupo afirmou ao g1 que espera “um ambiente que permita participação plena”, destacou que já levou o tema ao secretariado e à presidência da COP30 em reuniões anteriores e disse contar com garantias do governo brasileiro de que haverá avanços.
Um representante de um país europeu ouvido sob condição de anonimato reforçou que a questão não afeta apenas nações mais pobres.
Segundo ele, até países desenvolvidos já reduziram o tamanho de suas delegações devido às condições de hospedagem.
O representante lembrou ainda que os altos preços atingem também outros participantes do processo da ONU, como povos indígenas, que têm papel fundamental nas discussões sobre clima.
“O tempo das delegações deveria estar sendo usado para negociar os temas centrais da agenda climática, e não para lidar com problemas de hospedagem”, criticou.
Vista aérea dos painéis solares no Parque da Cidade, em Belém (PA), espaço de mais de 500 mil m² que sediará a COP30 em novembro.
Anderson Coelho/AFP
Resposta da Secop
O g1 procurou a Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop), vinculada à Casa Civil, sobre as críticas.
Em nota, o governo brasileiro afirmou que “continua trabalhando para assegurar a presença de todas as delegações, em condições e custo adequados”.
Segundo a Secop, mais de 4 mil quartos estão disponíveis na plataforma oficial de hospedagem, com tarifas que variam de US$ 200 a US$ 600 por noite. Também há cabines em navios de cruzeiro a US$ 200 por dia.
A secretaria acrescentou que a exigência de estadia mínima foi flexibilizada por hotéis, navios e proprietários de imóveis de temporada.
Sobre o pedido da ONU para subsidiar acomodações, o governo informou que estruturou, em parceria com a UNFCCC, uma oferta de 2.500 quartos reservados exclusivamente para as 196 Partes da Convenção.
Do total, 15 quartos por delegação, com tarifas entre US$ 100 e US$ 200, foram destinados a países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares. Para os demais, foram garantidos 10 quartos por delegação, com tarifas entre US$ 200 e US$ 600.
A Secop lembrou ainda que o Brasil apoiou o aumento do subsídio diário pago pela ONU a países em desenvolvimento, que passou de US$ 143 para US$ 197.
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