Relatório da ONU mostra que mundo está falhando em financiar adaptação à crise climática


Por que a falta de saneamento básico é também um problema climático?
Os países em desenvolvimento precisarão de mais de US$ 310 bilhões por ano até 2035 para se adaptar aos efeitos cada vez mais intensos da crise climática.
Mas, em 2023, o financiamento internacional para essa finalidade somou apenas US$ 26 bilhões, uma queda em relação ao ano anterior.
Os dados fazem parte de um relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) às vésperas da COP30, que será realizada em Belém, em novembro.
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O documento alerta que o planeta está entrando em uma fase perigosa: enquanto as temperaturas globais batem recordes, o dinheiro para enfrentar os impactos do clima está diminuindo.
“Os impactos climáticos estão se acelerando. No entanto, o financiamento para adaptação não está acompanhando o ritmo, deixando as pessoas mais vulneráveis do mundo expostas ao aumento do nível do mar, tempestades mortais e calor escaldante”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Para ele, “a adaptação não é um custo, é uma tábua de salvação. Fechar essa lacuna é a forma de proteger vidas e promover justiça climática”.
O relatório também confirma que a promessa feita em Glasgow, durante a COP26, de dobrar o financiamento para adaptação até 2025 não será cumprida.
Mesmo após compromissos sucessivos, os recursos destinados a países em desenvolvimento continuam muito abaixo do necessário.
Segundo o PNUMA, a desigualdade climática se amplia: as nações que menos contribuíram para o aquecimento global são as que mais sofrem com seus efeitos e têm menos meios para reagir.
A diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen, reforçou o alerta: “Precisamos de um impulso global para aumentar o financiamento da adaptação, sem ampliar o peso da dívida dos países pobres. Mesmo em tempos de restrição orçamentária, se não investirmos agora, os custos crescerão a cada ano”.
Passagem do furacão Maria causa alagamentos na ilha de Guadalupe, no Caribe
Andres Martinez Casares/Reuters
Por um lado, o relatório reconhece, contudo, que há avanços no planejamento. Hoje, 172 países já têm políticas ou planos nacionais de adaptação, mas 36 estão desatualizados há mais de dez anos.
Há ainda lacunas de monitoramento: poucos governos conseguem medir se as ações estão, de fato, reduzindo riscos ou protegendo populações.
Em muitos casos, medidas consideradas “de adaptação” acabam reforçando desigualdades ou criando novas vulnerabilidades, alerta a ONU.
O PNUMA destaca inclusive ique o financiamento internacional também enfrenta um impasse. Em 2024, os principais fundos climáticos, como o Fundo Verde para o Clima e o Fundo de Adaptação, liberaram quase US$ 920 milhões para novos projetos, o valor mais alto da série histórica.
Mas o relatório adverte que esse aumento é pontual e pode ser revertido por cortes fiscais e instabilidade econômica.
Mesmo com esses recursos extras, o volume global segue muito aquém das necessidades, especialmente nas regiões mais afetadas da África, da Ásia e dos pequenos Estados insulares.
A nova meta global de financiamento climático, aprovada na COP29, em Baku, prevê mobilizar ao menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 para mitigação e adaptação.
a COP 30 e nosso futuro
Mas o valor, diz o PNUMA, é insuficiente para cobrir o déficit existente. Quando ajustado pela inflação e pelas novas demandas de adaptação, o custo estimado pode chegar a US$ 520 bilhões anuais em 2035, quase o dobro da nova meta.
Para tentar reduzir essa lacuna, as presidências da COP29 e da COP30 lançaram o Roteiro “De Baku a Belém”, uma iniciativa conjunta que pretende mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais em financiamento climático até 2035.
O plano foi criado para conectar as decisões tomadas em Baku, no Azerbaijão, com os próximos compromissos que serão discutidos em Belém, durante a COP30, garantindo continuidade entre as duas conferências.
A proposta busca detalhar como esses recursos poderão ser levantados, tanto de fontes públicas quanto privadas, para apoiar países em desenvolvimento na transição e adaptação ao clima.
A expectativa é combinar doações e empréstimos com juros baixos, mas especialistas alertam que, sem mecanismos sólidos de governança e fontes definidas de recursos, o roteiro corre o risco de repetir o histórico de promessas que não saíram do papel.
Como funcionam as discussões da COP, a conferência do clima da ONU
22 de julho de 2020 – Moradores afetados por enchentes são transportados em um barco para local mais seguro na vila de Kachua, no distrito de Nagaon, no estado nordeste de Assam, Índia
Anuwar Hazarika/Reuters
O que é a adaptação climática
Na definição da ONU, são “ajustes em sistemas naturais ou humanos em resposta a estímulos climáticos reais ou esperados ou seus efeitos, que moderam danos ou exploram oportunidades benéficas”.
Ou seja, como buscar ferramentas e soluções para reduzir nossa fragilidade frente à crise climática.
Na prática, isso significa construir mecanismos de proteção e planejamento que ajudem as sociedades a conviver com secas mais longas, tempestades mais intensas, enchentes recorrentes e variações extremas de temperatura.
São ações que vão desde a instalação de barreiras contra o avanço do mar em cidades costeiras até a criação de sistemas de alerta para deslizamentos, passando por obras de drenagem urbana, reflorestamento de bacias hidrográficas e adaptação de infraestruturas críticas, como estradas, hospitais e redes elétricas.
Na Amazônia, por exemplo, cientistas já alertam que a adaptação passa a incluir o preparo para períodos de estiagem cada vez mais severos, com impacto direto sobre rios, agricultura e segurança alimentar.
Essas medidas, no entanto, ainda enfrentam uma barreira histórica: a falta de financiamento. Globalmente, os recursos destinados à adaptação representam menos de um terço do total investido em mitigação, ou seja, nas ações para reduzir emissões de gases de efeito estufa.
Outro desafio é o caráter desigual dos impactos. Regiões que menos contribuíram para a crise climática tendem a sofrer as piores consequências e, paradoxalmente, são as que têm menos recursos para se proteger.
Na África, na Ásia e na América Latina, milhões de pessoas já vivem em áreas vulneráveis a desastres climáticos e dependem de políticas públicas que ainda avançam lentamente.
No Brasil, apenas parte dos estados e grandes cidades possui planos de adaptação, enquanto municípios menores, mais expostos a enchentes, secas e deslizamentos, continuam sem instrumentos legais ou técnicos para se preparar.
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