Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid fechou uma delação premiada com a PF. Ele depõe mais uma vez no âmbito das ações penais de outros núcleos da trama golpista. Mauro Cid depõe ao STF sobre a trama golpista
Gustavo Moreno/STF
O tenente-coronel Mauro Cid vai voltar a ser ouvido no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (13), no âmbito de três ações penais relacionadas à tentativa de golpe de Estado em 2022.
Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid fechou uma delação premiada com a Polícia Federal.
Ele depõe mais uma vez para apresentar informações nos processos penais de três núcleos da trama golpista, que somam 23 réus:
o núcleo 2, do gerenciamento de ações, com 6 acusados;
o núcleo 3, das ações coercitivas, com 10 acusados;
o núcleo 4, das operações estratégicas de desinformação, com 7 acusados.
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Interrogatório na ação do “núcleo crucial”
Mauro Cid esteve no STF em junho deste ano, para ser interrogado no âmbito da ação contra o chamado “núcleo crucial” da organização criminosa.
Neste grupo — no qual ele figura como réu — também está o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O g1 reuniu os principais pontos do depoimento dele do mês passado:
Veja nesta reportagem:
Aperto de mãos com Bolsonaro
Confirmou tentativa de golpe
Bolsonaro leu e fez alterações na minuta do golpe
Bolsonaro pressionou ministro sobre relatório de urnas
Braga Netto como o elo entre Bolsonaro e acampamentos
Dinheiro em caixa de vinho
Monitoramento de Moraes
Plano para assassinar o presidente Lula
Fraude nas urnas era preocupação de Bolsonaro
Bolsonaro não queria desmobilizar acampamentos golpistas
Moraes era alvo de xingamentos, memes e figurinhas
Mauro Cid e Bolsonaro em interrogatório no STF
Ton Molina/STF
Aperto de mãos com Bolsonaro
Antes do início das audiências, Cid e o ex-presidente Jair Bolsonaro se cumprimentaram com um aperto de mãos.
Cid foi o primeiro dos oito réus a ser interrogado porque firmou acordo de delação premiada com a Polícia Federal.
Confirmou tentativa de golpe
Logo no começo do depoimento, Mauro Cid afirmou que a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os acusados de tramar um golpe de Estado no país é verídica, e que ele “presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles”.
O militar também negou ter sido alvo de qualquer tipo de coação, e confirmou os relatos de depoimentos anteriores dele, integralmente.
Bolsonaro leu e fez alterações na minuta do golpe
Segundo o ex-ajudante de ordens, o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu alterações na chamada minuta do golpe — documento que previa medidas autoritárias para reverter o resultado das eleições de 2022.
De acordo com Cid, Bolsonaro solicitou, entre outros pontos, a retirada do trecho que previa a prisão de autoridades.
O principal alvo seria o próprio Moraes, que presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na época da eleição. Moraes, mesmo na minuta ajustada por Bolsonaro, continuaria como alvo de prisão, segundo Cid.
Ainda no relato do militar, o ex-presidente decidiu remover os trechos que determinavam a prisão de diversas autoridades dos Poderes.
“O documento mencionava vários ministros do STF, o presidente do Senado, o presidente da Câmara… eram várias autoridades, tanto do Judiciário quanto do Legislativo”, afirmou.
De acordo com ele, Bolsonaro “enxugou o conteúdo”, retirando a maior parte das ordens de prisão.
Jair Messias Bolsonaro e Dr. Celso Sanchez Vilardi
Ton Molina/STF
Bolsonaro pressionou ministro sobre relatório de urnas
Mauro Cid também disse que o ex-presidente pressionou, em 2022, o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira em relação a um relatório sobre a lisura do processo eletrônico de votação.
Indagado sobre o relatório por Alexandre de Moraes, o ex-ajudante de ordens confirmou que Bolsonaro queria um documento “duro” contra as urnas eletrônicas.
As Forças Armadas indicaram representantes para participar de uma comissão de fiscalização das eleições, organizada pelo TSE.
O relatório entregue pelos militares não apontou fraudes no sistema eleitoral. O documento, porém, também não descartou a possibilidade de falhas, mesmo sem evidências concretas. O TSE, a Polícia Federal e outras entidades atestam a segurança do processo eletrônico de votação.
Cid confirmou que Paulo Sérgio, após as eleições, já estava com um relatório pronto sobre as urnas e que estava com uma reunião marcada no Tribunal Superior Eleitoral para entregar as conclusões, mas que desmarcou o compromisso por pressão de Jair Bolsonaro.
Para a PGR, a mudança na conclusão do relatório das Forças Armadas foi parte de uma estratégia maior para desacreditar o processo eleitoral e justificar uma possível intervenção militar.
General Braga Netto diz que não entregou dinheiro para financiar plano golpista
Braga Netto como o elo entre Bolsonaro e acampamentos
Segundo Mauro Cid, o general Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, era elo entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e os acampamentos montados em frente aos quartéis generais.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro também confirmou recebimento de recursos de Braga Netto, em uma caixa de vinho, mas não soube precisar o valor.
O dinheiro foi recebido no Palácio da Alvorada, e, segundo Cid, foi repassado ao tenente-coronel do Exército Rafael Martins de Oliveira.
Cid apontou Braga Netto como pertencente de um grupo moderado no sentido de pressionar o ex-presidente Bolsonaro a tomar uma medida com relação ao resultado das eleições.
Dinheiro em caixa de vinho
Mauro Cid também afirmou que entregou ao major Rafael de Oliveira a caixa de vinho com dinheiro. O repasse foi feito a pedido de Walter Souza Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022.
O major Rafael de Oliveira faz parte do grupo conhecido como “kids pretos”, que são militares das Forças Especiais do Exército.
Rafael de Oliveira e outros “kids pretos” são suspeitos de integrar um grupo armado que planejava a morte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. O plano foi batizado de “Punhal Verde e Amarelo”.
Cid reafirmou o que já havia dito durante depoimento de delação premiada. Ele contou que recebeu o dinheiro de Braga Netto e repassou ao major de Oliveira. Os recursos estavam armazenados em uma caixa de vinho.
Cid disse não saber a quantia que constava da embalagem, que foi entregue no Palácio da Alvorada ao kid preto a pedido de Braga Netto.
Mauro Cid depõe ao STF
Gustavo Moreno/STF
Monitoramento de Moraes
O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, questionou um pedido de monitoramento das atividades dele.
“Por várias vezes, o presidente [Bolsonaro] recebia várias informações que aliados políticos estariam se encontrando com adversários políticos. Foi comum, algumas vezes, no meio do mandato, a gente verificar se isso era verdade ou não. Não tinha muita análise de inteligência, a gente perguntava pra Força Aérea, ou para um ministro, para ver como estava essa mobilidade”, disse.
Segundo Cid, uma vez o monitoramento ocorreu a pedido do major de Oliveira, em dezembro de 2021 — um dos kids pretos que integram a operação Punhal Verde Amarelo (entenda mais abaixo).
Em seguida, um segundo monitoramento teria sido feito a pedido do coronel do Exército e ex-assessor especial de Bolsonaro, Marcelo Câmara.
Alexandre de Moraes em sessão da Primeira Turma do STF.
Antonio Augusto/STF
Plano para assassinar o presidente Lula
Questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, o tenente-coronel Cid afirmou que nunca tomou conhecimento do plano “Punhal Verde e Amarelo”, e que ficou sabendo depois, pela imprensa.
“Eu fiquei sabendo pela imprensa, no dia da prisão dos militares [kids pretos], inclusive, meu nome nem constava naquele gabinete de crise que foi criado, ou que seria criado”, afirmou.
O plano “Punhal Verde e Amarelo” foi detalhado a partir de investigações da Polícia Federal no âmbito da Operação Contragolpe, que prendeu militares e um policial suspeitos de envolvimento no caso em novembro.
A operação previa o assassinato de autoridades — o presidente Lula; o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. A ação ocorreria como um desdobramento do golpe de Estado em 2022, caso ele fosse consumado.
Para Moraes, há elementos que comprovam que Braga Netto contribuiu — “em grau mais efetivo e de elevada importância do que se sabia anteriormente” — para o planejamento e financiamento das práticas ilegais.
Réu no processo, o general Braga Netto está preso desde de dezembro de 2024, acusado de atrapalhar as apurações sobre a tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder.
Questionado sobre a origem de recursos para ações, Cid disse que seria do “pessoal do agronegócio”.
Fraude nas urnas era preocupação de Bolsonaro
Questionado pelo próprio advogado, Cezar Bittencourt, se Jair Bolsonaro “chegou a manifestar o desejo de se manter no poder mesmo após o resultado das urnas”, Cid respondeu:
“A grande preocupação do presidente, no meu ponto de vista, sempre foi encontrar uma fraude nas urnas, né, coisa que sempre foi muito ostensivo dentro da opinião do presidente. Ele sempre buscou uma fraude nas urnas”, afirmou Cid.
As Forças Armadas indicaram representantes para participar de uma comissão de fiscalização das eleições, organizada pelo Tribunal Superior Eleitoral. O relatório entregue pelos militares não apontou fraudes no sistema eleitoral.
Estátua ‘A Justiça’, de Alfredo Ceschiatti, pichada por vândalos do 8 de janeiro, em frente à sede do STF, em Brasília
Joédson Alves/Agência Brasil
Bolsonaro não queria desmobilizar acampamentos golpistas
De acordo com Mauro Cid, o ex-presidente Bolsonaro não agiu para desmobilizar os acampamentos golpistas montados em frente a quartéis-generais pelo país após as eleições de 2022.
Ele foi questionado pelo advogado de Bolsonaro, que questionou se houve alguma atuação do ex-presidente pra manter as pessoas em acampamentos na frente dos quartéis, ou em outras manifestações contra o resultado das urnas.
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, acrescentou: “E ele fez algo para manter os acampamentos?
Segundo Cid, a postura de Bolsonaro era não interferir, nem para apoiar, nem para desmobilizar: “Não fui eu que chamei, não sou eu que vou mandar embora”, teria dito o ex-presidente nos bastidores, de acordo com o relato do militar.
Na avaliação de investigadores, a omissão de Bolsonaro funcionou como sinal de anuência aos atos que pediam intervenção militar e rejeitavam o resultado das eleições.
A permanência dos acampamentos, inclusive após a diplomação de Lula, foi considerada parte do ambiente que levou aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Moraes era alvo de xingamentos, memes e figurinhas
No relato de Cid, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi alvo de xingamentos, memes e figurinhas em conversas dos “kids pretos”.
O comentário foi feito após uma pergunta do advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, que solicitou detalhes de uma reunião de Mauro Cid com os chamados “kids pretos” – integrantes das Forças Especiais do Exército que teriam planejado uma ação contra autoridades, entre as quais o próprio Moraes.
O advogado, então, formulou a pergunta, que foi feita por Moraes a Mauro Cid. “Foi conversado algo sobre o meu nome nessa reunião?”, indagou Moraes.
“Sim, senhor”, respondeu Cid, que acrescentou: “O senhor [Moraes] foi muito criticado”.
“Só? O senhor tem que falar a verdade”, perguntou o ministro do Supremo, arrancando risos constrangidos de Mauro Cid e dos demais presentes na Primeira Turma do STF.
“Eu estou acostumado já”, brincou Moraes. “E só uma coisa. É que a Polícia Federal não está aqui, mas há uma contradição no depoimento, porque ele [Cid] falou que era uma conversa de bar, com guaraná e salgadinho. Então, não é conversa de bar”, acrescentou Moraes.